Opinión

Carta a Xosé Mexuto

Caro Xosé, ao escrever estas linhas, vem à minha memória aquele verão do 92 quando te conheci na Voz de Galicia, onde trabalhavas como periodista. 

Eu estava cum contrato de práticas para os três meses do verão nos arquivos fotográficos da redação. Ti rapidamente tendeste a mão, com generosidade, àquele rapaz universitário, e portanto, inexperiente.

Lembro aquelas conversas sobre isolacionismo e reintegracionismo. Outro tema era a poesia: Herberto Helder, Leopoldo Maria Panero, entre outros. 

Em aquela altura já escrevia na norma histórica do galego. Era um lusista  que não quadrava muito dentro da politica do diário. Ti eras dos poucos que me falavam em galego. Também o grande Siro López. Agora, despois de 25 anos, tendeste-me a mão de novo convidando-me a escrever no diário de Sermos Galiza sobre o que eu quiser. 

Então é que devo escrever de poesia, já que irremediavelmente são poeta (sic). Um poeta do sector industrial, como gosta descrever-me o meu amigo e grande escritor Tiago Alves Costa, ou um simples amateur da poesia como prefiro definir-me.

Os primeiros poemas viram à luz na revista universitária Gaveta (Universidade de A Corunha). No 93 obtive o Concurso Nacional de Poesia O Facho. No 94 publiquei uma plaquette em P.O.E.M.AS Valladolid (Edição galego-espanhol) 

No 95 saiu à luz a antologia 7 poetas, A Corunha 1995. Editado pelo colectivo Hedral da Crunha ao abrigo da A.C O Facho. Publiquei uns textos junto com Mário Herrero, Pedro Casteleiro, Jose Antonio (Chíqui) Lozano, Alfredo Ferreiro, François Davó e Táti Mancebo. É um livro, ao meu modo de ver, imprescindível para qualquer estudo que se quiser fazer da poesia galega dos anos 90.

O 2016 e á data do meu primeiro poemário Três Tempos, editado pela Porta Verde do Sétimo Andar (Q de Viam Cadernos). Bem é certo que demorei mais de vinte anos em publicar um livro individual, mas cada um tem o seu tempo e eu próprio tive Três. Penso que nunca é tarde para a edição impressa, remito-me a obra Luz Central de Ernesto Sampaio: Escrever é entregar-se à fascinação da ausência de tempo.

Mas, de facto, há outros fatores sociológicos e biográficos que motivaram esta tardança em sair do prelo Três Tempos. Nos anos 90 não era viável publicar em reintegrado e mais se se trata dum escritor novel. Os anos foram passando  por intentos frustrados de aceder a prémios literários da Galiza e de apresentar originais a editoras do país.

Há outros fatores sociológicos e biográficos que motivaram esta tardança em sair do prelo Três Tempos. Nos anos 90 não era viável publicar em reintegrado e mais se se trata dum escritor novel

 

Entanto fui publicando poemas em revistas e coletâneas: Formigueiro, Nós (revista Internacional de Lusofonia), Çopyright, Anto, Café literário (Universidade da Corunha), Bestiario (Edicións o Dragón) dirigida pelo caríssimo amigo Paco Souto, sempre no nosso coração. 

No 98 publiquei em Agália um adianto do meu livro Abjecçom a preto e branco, que em 2001 obteria o prémio do Terra de Melide, na sua primeira edição.

No Entre o 2012 e o 14 colaborei nos livros coletivos: Guia viva de Ortodoxos y Heterodoxos em la poesia contemporânea Gallega, Madrid-Endymion, Alén do Silencio e por último: Versus cianuro (poemas contra a mina de ouro de Corcoesto), uma excelente publicação dirigida polo grande Paco Souto, sempre em defesa da nosso património natural e portanto, da nossa cultura.

De facto, a minha profissão de comercial marcou-me por estar sempre sujeito a um horário laboral amplo, sobre tudo a partires do 2003 quando entrei no mundo industrial, na venda de material elétrico e de fontanária, sofrendo em carne viva o estalido da borbulha imobiliária.

Mas o meu caso não é singular, já que os que optamos por escrever na norma histórica do galego estamos relegados a um segundo plano.  Digo-o  com naturalidade e sem nenhum rancor.

De certo, tento fugir do sentimento de vitimismo que por vezes reflete o discurso reintegracionista militante. Talvez,  porque me considero uma pessoa prática e penso que este discurso de dar pena tão galego não serve para nada. 

Tento fugir do sentimento de vitimismo que por vezes reflete o discurso reintegracionista militante

 

Cada um é livre de optar pelo seu caminho na criação literária. Ante tudo, ainda que tenho o meu próprio critério e não comparto posicionamentos isolacionistas, manifesto um respeito para outras sensibilidades enquanto a nosso sistema cultural.  

Se eu próprio, como outros companheiros, optamos pela ortografia histórica, somos o perfeitamente adultos para assumir a que nos expomos. Em 1992 escrevia num artigo: "A língua legítima e os prémios literários na Galiza": "A alternativa do escritor galego está em fazer parte da elite intelectual intimamente conectada com o poder ou passar a uma situação marginalizada: (...) seguir as normas do acordo ortográfico de 1990, que unificou a escrita do galego, português e brasileiro"

E digo-o assim talvez (e que ninguém se sinta ofendido) porque não tenho nada a perder. A minha atividade profissional não está ligada à escrita. Sou apenas um escritor amateur de horas roubadas ao estrito horário laboral.

Três tempos está cozinhado com a crise da construção, o stress laboral do comercial. Isto conjuga com o poder curativo da paisagem, o contraste entre a realidade e o real fascinante (em palavras de Ernesto Sampaio) que é o ato poético. Identifico-me perfeitamente com a figura de Paco Souto a lutar contra a força da maré.

Mas, por desgraça, há escritores lusófonos  que sim têm muito a perder ao estarem a nível laboral no âmbito universitário ou sequer literário (ou para literário). Outrossim, escritores com uma considerável obra escrita e com reconhecimento e galardões dentro e fora do nosso país. É injusto que fiquem no lado escuro do sistema cultural. 

Devo citar o Prémio literário Glória de Sant´ Anna,  gerido pelo Grupo de Acçao Cultural de Válega, em Portugal.  Este prémio desde há três anos tem um âmbito que se estende a Portugal, Países e Regiões Lusófonas. Mário Herrero obtivo o primeiro prémio em 2015, sendo o primeiro galego em obter dito galardão.  No ano seguinte foram Pedro Casteleiro e Igor Lugrís quem honrosamente ficaram como finalistas. 

Este ano também Tiago Alves Costa foi um dos oito poetas da listagem final. Tiago, ainda que foi nado em Vila Nova de Famalicão, vive na Corunha. É considerado por mim um irmão nosso, um poeta galego-português ou português-galego. Penso que hoje há uma interessantíssima produção literária na Galiza escrita em ortografia histórica. Lamentavelmente não tem a difusão que merece. Fica marginalizada pela elite intelectual.

Quero dizer que, ante duas obras literárias duma qualidade similar, sempre terá uma maior presença a escrita em normativa oficial. Poderá mais facilmente aceder a prémios literários. O autor terá mais possibilidades de publica-la. O livro vai ser melhor distribuído comercialmente e também será mais factível que figure nas listagens de ranking de vendas na Galiza.

Ante duas obras literárias duma qualidade similar, sempre terá uma maior presença a escrita em normativa oficial

 

Esta situação vai em detrimento da própria literatura galega e da língua, já que incide num empobrecimento do valor cultural. Não se acrescenta. Tudo o contrário, restam-se conteúdos ou valores da nossa literatura.

Como leitor de literatura e de ensaio que são, posso dizer que há companheiros que estão a desenvolver na Galiza uma trajetória de grande qualidade, em grafia histórica. Peço desculpas por não citar a todos, mas refiro-me a escritores que tive o prazer de ler: Aparte dos autores, acima mencionados, que foram galardoados no Glória de Sant´Anna:Carlos Quiroga, Teresa Moure, António Gil Hernández, Pedro Casteleiro, Alfredo Ferreiro, Ramiro Torres, Iolanda Aldrei,, Ramiro Vidal Alvarinho, Maria Castelo, Chíqui Lozano, Verônica Martínez Delgado, Eli Rios,  Antom Laia, Susana Sánchez Arins, Carlos Calvo Varela.

Saliento o valioso trabalho de editoras como Através que estão apostando valentemente por uma produção literária numa norma que não é a oficial na Galiza. Também valoro a trajetória de Palavra Comum (Artes e ideias da lua nova), um espaço digital plural que respeita as particularidades de todos, projetando-nos para a lusofonia. Não podo esquecer a lavoura de instituições como a Academia Galega da Língua Portuguesa e a Associação cultural Pro- AGLP

A AGLP promove o estudo da língua da Galiza para que o processo da sua normalização e a naturalização seja congruente com os usos que vigoram no conjunto da lusofonia. Atualmente alcança o status de observador consultivo pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa.   

A AGLP promove o estudo da língua da Galiza para que o processo da sua normalização e a naturalização seja congruente com os usos que vigoram no conjunto da lusofonia

 

Houve uma tentativa muito interessante de tentar situar no lugar que lhe corresponde aos escritores lusófonos galegos. Falo do Manifesto pelo fim do Apartheid que leva mais de 1100 assinados. Aproveito a oportunidade de escrever estas linhas em Sermos Galiza, para pedir que assinem dito manifesto todas aquelas pessoas que prezam a nossa cultura.

Aproveito a oportunidade de escrever estas linhas em Sermos Galiza, para pedir que assinem o Manifesto pelo fim do Apartheid  todas aquelas pessoas que prezam a nossa cultura

 

De certo há vontades de apoiar, mas por desgraça ficam apenas em vontades, que resultam absorvidas pelo aparato do poder.

Muito têm que mudar as coisas, mas por desgraça é o mesmo poder fático o que deve dar um passo avante.

Eu próprio, com a minha modesta achega literária, apenas podo esgrimir uma espada tingida de sangue metafórico. A minha guerra particular está escrita em Três Tempos com o motor silábico que nos leva até uma viagem para:

Esquecer a ira onde gravita o mundo cruel

que nos paralisa as mãos

e incendeia as metáforas do poema

para que apenas exista um berro seco,

paradigma da demência

(Viagem para a cova de Eirós- Três Tempos).

Comentarios