Opinión

Binormativismo. Ganharmos em direitos?

Pela via dos factos. Eis como a convivência e equiparação de duas maneiras de grafar a língua está a avançar com naturalidade. O próprio Nós Diario utiliza frequentemente o português nas suas páginas, sem ficar restrito a uma determinada secção ou autora. Outro dos jornais atuais a utilizar regularmente as duas normas é o Novas do Eixo Atlántico. O Diário oficial da Galiza (DOG) é editado também em português. Casos isolados? Novas tendências? Pequenas normalidades? A ponta do icebergue?

Será o binormativismo filho da antiga “liberdade normativa”?

Durante quarenta anos os movimentos sociais temos elaborado propostas que bastem à procura de soluções para o sarilho normativo criado em 1983. Nalguns dos casos atingindo até o cerne mesmo da identidade legal da língua, como aconteceu em 2004 quando um novo estatuto para a Galiza foi debatido. Nessa ocasião diferentes entidades lançáramos uma nova redação do artigo 5.1 do Estatuto de Autonomia. Reescrevia-se a língua assim: “O galego ou português é a língua oficial da Galiza”.

Era binormativismo?

Era equiparação.

O binormativismo da AGAL propõe um novo paradigma de futuro. Está a falar daquilo que devíamos começar a desenvolver, no âmbito autonómico, daqui a 5-10 anos.

O Objetivo? Salvarmos a língua como lugar de encontro, sem deixar ninguém atrás.

O tempo esgota-se com as propostas autonómicas atuais. O castelhano avança como língua única de integração social. É preciso procurarmos novas soluções.

São necessárias novas ideias para avançar.

Estamos prontos para tais debates?

O binormativismo não nasceu como “causa militante” duma visão de língua determinada.

Também não foi uma proposta de “promoção do português”, que tem hoje na Paz-Andrade o melhor dos quadros legislativos possíveis.

Ao meu entender é uma proposta integral de política autonómica para o galego. É um desafio, não de uma das margens, nem de parte. Um ponto de encontro talvez?

Por enquanto é apenas uma nova focagem, sem conteúdo fechado, mas com uma aposta clara por cima da mesa: direitos iguais de uso e assegurar certas competências em português ao conjunto da sociedade.

Pensemos por um momento no facto de o galego ser língua oficial. Por lei a oficialidade do galego não é apenas direito dos galego-falantes. É direito de todos os nascidos ou assentes no País. Portanto é também um direito dos castelhano-falantes galegos no quadro legal vigente.

Um exemplo chave: uma imersão linguística que assegurasse plena competência em galego não é um direito de quem já possui a língua (galego-falantes) mas de quem não possui possibilidades de aprendizagem noutros contextos. Essa é a doutrina do Tribunal Constitucional no caso catalão (sentença de 11 abril 2019): Imersão é possível só para garantir o “direito a adquirir a língua oficial de aqueles que a não possuem”, e não (a olhos do legislador) um “privilégio” de quem já tem competências. Eis o atual quadro legal. Essas são as cartas e não outras.

Na autonomia atual há dois conceitos que o binormativismo pode trazer à tona. São o direito a aprender e o direito de uso. E se formos capazes de colocar estes direitos em primeiro lugar, o binormativismo poderá ser frutífero. O galego pode alargar o status de língua comum de integração se incluirmos o direito de aprendizagem e o direito de uso das letras portuguesas. Os maiores beneficiados? Serão, não as pessoas lusistas, que já vivem a sua vida em português, mas as falantes de castelhano e as utentes de galego autonómico que terão também novos direitos.

Continuar a excluir das políticas públicas a proposta lusista para o galego é furtar oportunidades e negar o direito a aprender de castelhano-falantes e usuários de galego autonómico. E aí é onde, com a perspetiva do quadro legal atual, não podemos aceitar tal situação.

Por outro lado existem tratados europeus que abrigam as línguas minorizadas iguais ou semelhantes a uma língua oficial dum estado europeu. Urge aceitar não só o direito de recepção mas a sua consequência lógica, o direito de uso. Esse direito de uso das letras portuguesas afetará não apenas aos galego-falantes, mas alarga-se a todo o cidadão residente na Galiza que utilizar o português como língua materna. Lembremos: Trabalhadores transfronteiriços contam-se aos milhares. Em que língua se integram hoje? Em qual queremos que se integrem no futuro?

Convém destacar de novo: uma política binormativista poderá beneficiar castelhano-falantes, galego-falantes de qualquer norma ortográfica e lusofalantes a trabalhar ou viver na Galiza.

Eis uma fotografia interessante para pensarmos a Galiza de 2030.

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