Opinión

Uma língua para a Galécia v2.0

A língua parece não caminhar para um futuro promissor, mas paradoxalmente a Euro-região Galiza/Norte de Portugal floresce.

Escrevo este artigo enquanto sócio número 500 da AGAL, quis a sorte que assim fosse. Fiquei feliz por me ter cabido este número tão simbólico. 

Associei-me sem hesitação quando soube ser possível enquanto lusófono, porque senti que devia um apoio efetivo a um coletivo que se empenha afincadamente na defesa do galego, e me ajudou a formar a minha ideia sobre esta variante linguística e sobre o seu estreito relacionamento com a variante em que me expresso. Mais ainda me convenceu que uma aproximação do galego do norte ao galego que viajou para sul (e teve a sorte de fazer o seu caminho sem repressão) poderá estancar o declínio acelerado dos últimos decénios do número de falantes e também da qualidade do galego falado e escrito.

Estes tempos de globalização e comunicação de massas não têm sido bons para o galego. É uma língua menorizada, num contexto de diglossia, sem um estado que a defenda das ameaças que sofre, não sendo a menor delas ser considerada por muitos galegos como uma língua de baixo prestígio e inútil fora do espaço folclórico ou familiar. A língua parece não caminhar para um futuro promissor, mas paradoxalmente, enquanto isso, a Euro-região Galiza/Norte de Portugal floresce, o eixo Atlântico está viçoso, a CCDR-N vê Galiza como um desígnio estratégico, as Euro-cidades reforçam-se e o governo português escolheu a Galiza como o destino prioritário para o investimento estruturante na ferrovia. Está à vista o alto potencial da faixa atlântica que vai de Lisboa à Corunha, e nem alguns interesses localistas serão capazes de travar esta espécie de renascimento da velha Galécia, quiçá a Galécia versão 2.0.

A primeira versão da Galécia produziu uma fala que desaguou em variantes que vão do galego ao português do Brasil, uma fala que é ela própria fundamental na identidade de muitos povos espalhados pelo Mundo. Que absurdo e triste será que nesta Galécia v2.0 se venha a usar uma língua estranha, seja ela qual for, como língua franca para suportar a intensificação de diálogo entre galaicos.

Não é necessária uma língua franca para nos entendermos lusófonos e galegos, porque os galegos têm na sua arrecadação aquele instrumento que pensam ser arcaico e obsoleto, mas que é a ferramenta certa para os ajudar no cultivo da sua prosperidade futura. Essa ferramenta é o galego. Está um pouco enferrujada, é certo. Alguns não lhe reconhecem já as formas que a assemelham à ferramenta que usam os vizinhos do sul, e que é partilhada por mais de 200 milhões de utilizadores, mas essa ferramenta conserva todo o seu potencial; ela apenas precisa de ser limpa de impurezas e de ser bem oleada para lavrar os campos do entendimento em conjunto com a sua irmã do sul. Há quem discorde, e que pense que este utensílio deve ser reparado de uma forma que o torne exclusivo, mesmo com o custo de perder o uso comum com a sua congénere. Não será o preço da exclusividade um pouco alto? 

Tenho poucas dúvidas: o galego afastado da sua família linguística, do português, retira aos galegos a suprema vantagem de serem bilíngues em duas das línguas mais prósperas do Mundo, porque apesar dos séculos de costas voltadas, o português está logo ali ao alcance do falante de galego.

O galego precisa de ser curado das mazelas contraídas durante séculos de opressão e menorização, e deve fazer essa cura recorrendo ao português. Aspetos como a ortografia autonomista são obstáculos desnecessários à livre circulação de um largo acervo de materiais que bem poderiam estar ao serviço do reforço do galego. 
A aproximação ao português traz fantasmas de substituição do galego pelo português que eu não entendo. O convívio intenso com a variante brasileira não tem efeito significativo nos falares portugueses, porque haverão as falas galegas de sucumbir ao lisboeta? Como disse Rafael Dieste, uma palavra de português no galego é como uma pinga de água em água, assim como o inverso é também verdade. A soma do português com o galego é apenas melhor galego, mais útil e mais forte.

A Galécia v2.0 está em construção, e já tem uma língua há mais de mil anos, usemo-la em nosso favor.

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