Opinión

Maré galiLusófona

Durante quatro dias na semana passada Compostela mergulhou numa maré de ritmos e rimas, de convívio e afetos. A de uma cultura que se quer reencontrar consigo própria, que procura a autoafirmação no seio de uma paisagem cada vez mais hostil. A cultura galega é um valor em si, enraizada no fundo da alma do nosso povo, mas também fortemente acossada e fendida por outra alheia com a qual compete em casa própria numa obscena desigualdade manifesta. O estado de hibridização que a sociolinguística e os estudos culturais previam para as línguas e culturas em contato, em conflito, já está aqui, veio para ficar e não só. Avança sem parar. Observa-se no dia a dia, a nos engolir com calma e indolência. A nos roubar no devagar diário a identidade construída e reconstruída, sitiada e resiliente, que renasce dia após dia para combater a ameaça das cinzas.

A inoculação da dependência e do caráter subalterno do que nós somos e como nos expressamos desenhou um roteiro que renova, atualiza e viraliza a semente da substituição. Está dentro do corpo há anos, séculos, mas agora é que mais se está a manifestar como uma pandemia. O corpo reage, sim, das suas entranhas mais profundas, para se autorregenerar e combater o agente externo e corrosivo, que parasita e ameaça com a gangrena destrutiva. No entanto, para combatê-lo internamente, não precisamos de uma vacina que inocule mais doses de infecção e contágio, não precisamos de anticorpos para fortalecer o nosso sistema imunológico. O que precisamos é reativar o nosso próprio genoma, o nosso próprio ADN, criado por nós e mesmo espalhado como uma epidemia cheia de vida além das nossas fronteiras.

A cultura galega tornou-se internacional e galiLusófona em todo o mundo. A nossa língua navegou pelo Atlântico e até pelas águas indianas e agora tem o direito, o privilégio e a oportunidade de que o frescor de todos aqueles ventos que a empurraram para a aventura marinha volte carregado de novas essências e sotaques, construídos em torno da diversidade, ao lugar de origem, para renascer e se renovar. Não há nada de renúncia nisso tudo. Nenhum ataque foráneo ou destrutivo. Apenas regeneração e reencontro. Autenticidade e auto-reconhecimento. Tradição e modernidade. E quanto mais nos imergimos nessas águas, mais nos purificamos com a nossa própria essência, mestiça e diversa, sem renunciar a nós mesmos, numa maré cheia de vida e futuro, de reencontro e fraternidade.

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