Opinión

Virai costas a Castela

"Senhora do Almortão, ó minha linda raiana, virai costas a Castela, não queirais ser castelhana.” Assim começa a cantiga popular que divulgaram o Zeca Afonso, tanto em Fados de Coimbra como em Cantares do Andarilho, e já depois a Brigada Victor Jara, Teresa Salgueiro ou Dulce Pontes, e que ainda tivemos a oportunidade de cantarolar com as últimas adufeiras da bela e enigmática Idanha-a-Velha, noutrora diocese do Reino Suevo. 

Esse primeiro verso representou um dos dois sentimentos encontrados, mais acusado nas zonas meridionais e orientais do país, relativamente às suas vizinhas e vizinhos castelhanos, os de rejeição e atração por quem por vezes qualificam de “nuestros hermanos”. Não surpreende, em qualquer caso, que estas palavras de ordem populares lusas prescindam da retórica belicista e agressiva do que podem ser as suas versões espanholas, como a de outra Senhora, a do Pilar, “capitana de la tropa aragonesa” ou a do Santiago Matamoros, “y cierra España” que se impus, manu militari, ao nosso São Tiago peregrino escolhido para certificar pela via religiosa o poderio político do reino da Galiza.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, como deixou dito Camões, e agora a configuração política ibérica, e moi especialmente a queda das fronteiras, abre novos cenários de relações entre os dois estados peninsulares. Inicialmente, mais interessadas pela parte portuguesa, conservando um ar de sentimento de inferioridade mas, pelo próprio interesse, agora também buscadas por essa Espanha que ainda olha com certo desdém, altanaria e soberba o país vizinho.

E que, sem ser capaz de desconstruir a sua essência impositiva e colonial, teima em que as relações sociais e econômicas continuem a terem que passar sempre por Madrid. 

No entanto, a realidade é testuda, e Lisboa acabou por enxergar que o grande dinamismo socioeconômico do território da antiga Gallaecia se apresenta como uma florescente oportunidade que previsivelmente não termine por os engolir nesse buraco negro da e do capital monopolistas españois. Dai a firme determinação de reorientar e modernizar a rede ferroviária a norte, para interagir com a Galiza, e a surpresa que logo se transformou em indiferença por quem ainda está na horta e não viu as verças. Deixem lá ver se nisto o nosso vice-rei obedece Génova ou mantem o discurso, e mandato popular, da lei Paz-Andrade. Se vira costas a Castela, ou quer continuar a ser castelhano.

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