Opinión

Paixom de pailáns

O passado 14 de março na Casa de Galicia de Madrid, com a presença do presidente da Xunta de Galicia, apresentou-se a traduçom ao espanhol de um livro galego. Um acontecimento desta natureza deveria ser motivo de satisfaçom colectiva e umha festa para as nossas letras, se temos em conta, como di Memmi, que o papel do escritor colonizado é demasiado difícil de assumir e encarna todas as ambigüidades e impossibilidades do colonizado levadas ao grau extremo. Mas, segundo se deduz das crónicas, o irreprimível anseio de todo marulo de lucir palmito na capital converteu o evento cultural num esperpéntico acto político. 

O Sr. Feijóo apresentou o escritor homenageado como alguém que se define «como conservador, católico, politicamente incorrecto y provinciano. Algo que en los tiempos que corren, por menos motivos, le puede condenar a uno al ostracismo». Em suma, um fascista e um pailám. Que a gente escape a um indivíduo que responda a tal descriçom, mais parece medida de prudência que de proscriçom. Sendo o escritor um plumitivo de aluguer ao servizo do PP, o seu ostracismo dourado deve ser como o de Urdangarín. 

O irreprimível anseio de todo marulo de lucir palmito na capital converteu o evento cultural num esperpéntico acto político 

Referiu-se também ao facto de o escritor nom renunciar «a ninguna de las opciones que ofrece tener dos lenguas como algo que valoran los lectores libres». Ao Sr. Feijóo deveu-lhe quedar descansada a cabeça. O normal, quando se desconhece o idioma em que está redigido um texto, é ler a traduçom na língua que melhor se domina. Mas leitor livre é quem pode ler sem restrições, como as que impunha a ditadura franquista, que tanto lhe custa condenar ao PP.

É sabido que Rosalia Castro ou Cunqueiro escrevêrom tanto em galego como em espanhol e, portanto, a sua obra em galego pertence à Literatura galega. Valle-Inclán ou Cela, só em Espanhol; por conseguinte pertencem à Literatura Espanhola. Samuel Becket, irlandês, começou escrevendo em inglês e rematou fazendo-o em francês. Ninguém o incluiria na literatura gaélica. Ainda que raros, hai escritores cujas obras mais importantes forom escritas na sua segunda língua, como Conrad, Nabokov, Kerouac, Cioran ou Kundera. Isso carece de importância para o leitor. Kafka, sendo checo, optou por escrever em alemám. Para os teutons nunca deixou de ser um judeu checo e para os checos um judeu alemám. Morto em 1924, a sua obra completa só em 2006 foi traduzida para o checo por razons diferentes, ainda que tam estúpidas e perversas como as da proibiçom de traduzir Valle-Inclán para o galego, mas nom para a sua variante lusitana. 

A escola franquista ensinava que o galego era um dialecto, umha espécie de degeneraçom do espanhol. Hoje tem-se que admitir que é um idioma; mas ensina-se como umha língua litúrgica, alheia ao seu tronco lusófono, inútil e condenada a extinguir-se “como umha fonte que se seca, como um eco que se esvai”, como diria Flaubert. A mistificaçom actual, de carácter político, é que o espanhol é um idioma tam galego como o galego e que, portanto, Valle- Inclán ou Cela devem considerar-se escritores galegos. O inglês é a segunda língua dos países nórdicos e ninguém ousa dizer que o inglês seja sueco nem inclui a Shakespeare na Literatura escandinava. 

A mistificaçom actual, de carácter político, é que o espanhol é um idioma tam galego como o galego e que, portanto, Valle- Inclán ou Cela devem considerar-se escritores galegos

No vórtice da sua alocuçom, o Sr. Feijóo vaticinou: “A este escritor de províncias, al igual que a Flaubert, por sus obras le conocereis.”. Mais que um elogio é umha pedrada. Revisará alguém os discursos do presidente? A citaçom evangélica tem um sentido admonitório e tenta acautelar os fiéis contra os falsos profetas que se aproximam disfarçados de ovelhas, mas no seu íntimo som como lobos: “Polos seus frutos os conheceredes. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?” (Mateus 7: 16). Quere-se insinuar que o escritor e a sua obra som como um garabulho seco para acender o lume?

Como o Sr. Feijóo deveu pensar que nom fora suficientemente enfático, agregou: “El provincianismo no estorba”. Só lhe faltou bater na mesa e berrar: E a quem me dê um pau, dou-lhe um peso! Como é que o homenageado nom colheu a porta e se foi?  (Melhor deixar a porta no sítio para nom piorar a imagem). Longe de se sentir ofendido, o escritor, emocionado, reagiu como a criada que toma o acoso do seu lascivo senhorito como umha deferência: “Que cosas se pueden decir de mi en Madrid... Con palabras así puede que la soledad y la independencia no sean tan malas en una cultura que yo digo que está secuestrada”

Como é que o homenageado nom colheu a porta e se foi?  (Melhor deixar a porta no sítio para nom piorar a imagem)

É de supor que os sequestradores a que se refere o escritor sejam a RAG, CCG, ILG, CRPIH, Agadic e demais garitos institucionais, dependentes financeiramente da Xunta de Galicia e destinados a embalsamar e mumificar a cultura galega. Mas sendo o escritor um dos beneficiários das sinecuras do PP, a sua declaraçom deveria entender-se como autoincriminaçom de um delito, cujo autor intelectual é o Sr. Feijoo. Na realidade, quem parece sequestrada é a Xunta de Galicia, desde onde se regula o sistema educativo e se dispom do erário público para lubrificar meios de comunicaçom, parasitas e culturetas que defendam a política etnocida de erradicaçom do galego. 

O escritor declarou-se fan de Camilo José Cela: “Tenemos um Nobel. Cosa que los que presumen de nacionalidad y nacionalismos no pueden presumir. ¿Se imaginan que los catalanes tuvieran um premio Nobel? A pergunta retórica, que supura catalanofobia, lembra as que formulam os hooligans de cérebro lascado: Se imaginam que el Barça hubiese ganado once copas de Europa? Um escritor poderia ter-se perguntado: importou-lhes algo aos irlandeses a concessom do Nobel a Beckett, que vivia em Paris e escrevia em Francés? 

Importou-lhes algo aos irlandeses a concessom do Nobel a Beckett, que vivia em Paris e escrevia em Francés? 

Entende-se a admiraçom e identificaçom com Cela, que se ofereceu como delator ao glorioso Movimento Nacional, foi censor, ideou o suborno dos intelectuais anti-franquistas diletantes e escreveu inesquecíveis panegíricos, como a loa da Arma de Artilharia publicada em El Alcazar e dedicada a Millán Astray. A morte livrou-no de ser julgado polo plágio de La cruz de San Andrés, e que deveria ter significado a retirada do Nobel, como se fai com os atletas dopados. Isso nom significa que a sua leitura nom seja recomendável, igual que a doutros escritores nom menos detestáveis como Céline ou Ezra Pound.

O mais interessante da velada foi constatar a involuçom do nacionalismo espanhol, do «regionalismo sano y bien entendido» de outrora para o provincianismo nom molesto. Na era da globalizaçom e do desenvolvimento das novas tecnologias, quando o mundo inteiro está interconectado e o acesso à informaçom e ao conhecimento é cada vez mais independente da localizaçom geográfica, o Sr. Feijóo descobre o provincianismo. Na realidade, atinou com le mot juste que define a sua mentalidade e a sua atitude de subalternidade assumida.

Dizia Pessoa que o provincianismo consiste em pertencer a umha civilizaçom sem tomar parte no desenvolvimento superior dela, em segui-la mimeticamente, com umha subordinaçom inconsciente e feliz. Mas, assi como hai um provincianismo de país periférico, também existe um provincianismo imperial, do qual o eurocentrismo, americanismo ou espanholismo som exemplos perfeitos. Para Kundera, o provincianismo é a incapacidade ou recusa a considerar a cultura própria no grande contexto. Mas, a partir do pequeno contexto também se pode ser universal quando se posúe talento: pinta a tua aldeia e pintarás o mundo – dizia Tolstoi, um dos grandes escritores de todos os tempos.

Também existe um provincianismo imperial, do qual o eurocentrismo, americanismo ou espanholismo som exemplos perfeitos

O provinciano é um alienado, um colonizado interior. Som outros quem determinam o que deve pensar de si mesmo. Incapaz de se assumir, devece pola assimilaçom e a dissoluçom na uniformidade. Só no rebanho encontra acougo. Necessita pastor, Führer ou governo amigo. Na sua patética pailanidade, acaba presumindo da sua condiçom lanar e cipaia.  Na noite madrilena, choviam os aplausos como palmadas que recebe o cam que devolve a bola que se lhe lançou.  

Comentarios