Opinión

Três xiboletes lexicais que enquadram o dicionário da RAG no castelhano

O vocábulo xibolete, que surge no rico dicionário galego do Prof. Estraviz, mas nom no da RAG, provém do hebraico, em que significa ‘rio’ (também ‘espiga’), e nas línguas europeias de cultura naturalizou-se para denotar umha caraterística de um grupo que se revela distintiva para identificar os membros do dito coletivo, particularmente um traço de pronúncia ou, em geral, lingüístico. A difusom deste termo entre nós parte de um episódio bíblico (Juízes 12: 4-6), o qual, como tantos outros relatados no Antigo Testamento, é de cariz terrivelmente cruel: as tribos dos galaaditas (de Galaad) e dos efraimitas (de Efraim) luitam entre si e os primeiros trucidam os segundos; os efraimitas sobreviventes, entom, para fugirem à morte, tentam atravessar o rio Jordám fazendo-se passar por galaaditas, mas, na beira do rio, os galaaditas desdobram um contingente militar que degola todo o indivíduo que nom é capaz de proferir a palavra xibolete com o fonema xis inicial, o que 42.000 desditosos efraimitas nom conseguem, umha vez que, no seu idioma, nom disponhem desse som (e, assim, pronunciam sibolete). Reparemos agora em três xiboletes lexicais que nitidamente segregam o galego (o galego comum genuíno, poderíamos especificar) do castelhano, e no respetivo comportamento do dicionário galego que hoje mais galegos consultam, o da RAG.

Em castelhano, a palavra barro denota tanto o material argiloso utilizado em olaria e construçom como a mistura pastosa, pegajosa, de terra e água (cf. guardabarros), mas nom acontece o mesmo no galego-português comum, pois, no segundo sentido referido, no de lodo, em que predomina a ideia de sujidade, frente à de utilidade do barro, a nossa língua recorre à palavra lama (cf. guarda-lamas). Apesar de se poderem registar em galego-português usos deslocados, e minoritários, de barro no sentido de ‘lama’, a diferenciaçom conceptual e pragmática entre as duas palavras é geral e nítida, de modo que as expressons idiomáticas que as incluem apontam de forma clara para os sentidos respetivos: ter pés de barro ‘ser vulnerável’, mas arrastar alguém pola lama (em que lama adquire o sentido de desonra).

Penosamente, neste xibolete, o DRAG esbarra: declara barro e lama sinónimos perfeitos no sentido de ‘lodo’ (s.v. “barro [3]” e “lama”)! O verbo pruir ou proer (v. erudita: prurir), no galego comum genuíno, utiliza-se para significar, em sentido próprio, que alguém, nalgumha parte do corpo, sente prurido ou comichom (acaso porque algumha cousa o pica), o que suscita a vontade de coçar-se (ex.: «Prui-me [n]o braço [porque esta camisola me pica]», «Pruem-me os olhos com o fumo»), e, em sentido figurado, que alguém anseia fazer algo (ex.: «Prui-me a língua para dizer quatro cousas»). É, portanto, crasso castelhanismo pretender denotar esse significado mediante picar, interferência em que, infelizmente, o DRAG também incorre (s.v. “picar [19]” e “proer”)!

O terceiro caso que traguemos à baila revela-se particularmente triste para mim, que tenho formaçom em zoologia. A qualquer pessoa que comparar a zoonímia galego-portuguesa com a castelhana chama a atençom o grande contraste entre a nossa minhoca e a lombriz de tierra dos castelhanos, para denotar os anelídeos oligoquetas (da família Lumbricídeos), vinculado ao contraste entre lombriga, em galego-português, e lombriz intestinal, em castelhano, estas nematodes da família Ascaridídeos. É verdade que, para denotar os anelídeos oligoquetas, na língua especializada, um tanto alambicada, dos biólogos portugueses, muito marginalmente se pode ver, em ligaçom com o latinismo Lumbricidae, o uso de lombriga-da-terra (que alguns dicionários luso-brasileiros consignam), mas, com exclusividade na língua geral, e de forma extremamente maioritária na língua especializada, a palavra utilizada em galego-português é minhoca, e nom lombriga, como, de facto, Pintos, Valadares e Ribas Quintas explicam nos seus dicionários de galego. No entanto, desastradamente, o DRAG regista ‘anelídeo oligoqueta’ como primeira aceçom de lombriga, declarando minhoca seu sinónimo perfeito! Incrível!

Por conseguinte, som estes três xiboletes lexicais do galego(-português) frente ao espanhol em que a RAG escandalosamente tropeça, e em que ela se mostra impudica fomentadora do castrapo, coadjuvante da dissoluçom do nosso idioma no castelhano que está em andamento.

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