Opinión

Surto epidémico de castelhanizaçom vocabular no quadro da docovi-19

O alastrar da doença coronaviral de 2019 (a qual, se na Galiza desfrutássemos de boas condiçons sociolingüísticas, nós designaríamos polo acrónimo docovi-19) tem feito com que, nestes últimos meses, o discurso público em galego se tenha inçado de ilegítimos castelhanismos vocabulares, induzidos e eficazmente difundidos, sem quase resistência galega (dada a marginalizaçom que, no ano de Carvalho Calero, o reintegracionismo ainda sofre), por parte de um poder estatal espanhol de açom e vocaçom fortemente centralizadoras e uniformizadoras. Se a questom respeitante à freqüência relativa de uso entre os termos doença e enfermidade já foi abordada na nossa anterior entrega, nesta tencionamos focalizar outro caso importante de substituiçom castelhanizante, após percorrermos, com pés ligeiros, um par de deficiências lexicais que, em parte, já temos tratado nalgumha peça divulgadora anterior.

Perante a falta na Galiza de umha efetiva referência lexical unificadora (a qual, em condiçons normais, deveria ser o modelo luso-brasileiro!), em galego, entre os galegos cultos, manifesta-se com elevada freqüência dispersom designativa, polimorfismo incapacitante que nesta temporada se tem suscitado, sobretodo, na denotaçom de um conceito-chave relacionado com a docovi-19: assim, em vez de máscara (buconasal), neologismo utilizado nas variedades socialmente estabilizadas do galego, em muitos casos vinhemos a registar, infelizmente, as soluçons castelhanizantes *mascarinha e *mascarela, mas, sobretodo, é claro, a castelhana *mascarilha, palavra que, em bom galego, de harmonia com o luso-brasileiro, deve designar apenas a meia-máscara que, com buracos para os olhos, cobre a parte superior do rosto de, p. ex., o Zorro ou o Lone Ranger (chamado em Portugal, de facto, O Mascarilha). Já quanto ao vocábulo cativos, inverossimilmente utilizado polos meios da comunicaçom social, como já explicamos noutra peça, com o sentido de ‘crianças, nenos, meninhos’, em detrimento de soluçons galegas genuínas e funcionais como miúdos ou pequenos, tem-se revelado ironicamente engraçado verificar como, com o confinamento doméstico forçado, por umha vez os miúdos se tornárom, com efeito, em verdadeiros cativos, privados como estavam da liberdade de se moverem fora do lar familiar.

Mas queremos que o cerne da presente peça seja a denúncia da tristíssima substituiçom castelhanizante, por via direta e indireta, de um elemento lexical que se mantivo com vitalidade em galego até há bem pouco tempo, e cuja estendida obliteraçom o alastrar da docovi-19 tem feito agora aflorar. Lembro que, nos decénios de 1970 e 1980, a minha avoa materna, mesmo quando a mim se dirigia em castelhano, dizia, com evidente interferência, «porque tú eres el hermano más viejo», o que testemunhava a vitalidade que ainda detinham em galego os genuínos comparativos de idade galego-portugueses mais velho e mais novo. Hoje em dia, no discurso público, de longe predominam os usos castelhanizantes *(irmao) maior e *(irmao) menor, que, incontornavelmente projetados pola estagnaçom lexical padecida polo galego desde o séc. XVI, também se repercutem nos domínios neológicos. Assim, se em galego-português o comparativo de idade genuíno é mais velho, e nom, como em castelhano, maior (palavra que, na nossa língua, deve funcionar só como comparativo de tamanho ou importáncia [«Vigo é a maior das cidades galegas»], ou para significar o facto de se ter alcançado a maioria de idade, a maioridade), também o eufemismo que, nos usos formais, deve substituir velho -a, como necessária alternativa ao termo de registo literário anciao -á, nom pode ser o castelhanizante *(pessoa) maior, e si, com natural apoio no luso-brasileiro, idoso -a (palavra derivada de idade). Por conseguinte, falando em bom galego, nom é nas *residências de maiores que, cruelmente, a docovi-19 tem feito estragos, mas si nos lares de idosos, e o Governo da Galiza, se nutrisse sincero interesse em evitar que o galego acabe logo dissolvido no castelhano, nom demoraria muito a renomear a sua Direçom Geral «de Maiores» (a docovi-19 trouxo-a dramaticamente à tona informativa!) como «de Idosos», umha vez que ela, polos vistos, se ocupa de assuntos próprios da terceira idade, e nom é, na realidade, o complemento de umha agência governamental «de Menores»!

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