Opinión

RAG, primum non nocere!

Revivamos a cena, verídica, que tivo lugar no fim do século XX ou inícios do XXI: na fase final de algumha daquelas épocas em que o Desportivo da Crunha havia de vencer a liga espanhola de futebol, ou ficar no segundo posto da tabela, o jogador brasileiro Mauro Silva é entrevistado num programa da Televisom da Galiza. Numha dada altura, em tom otimista, o jornalista da área de desportos pergunta, de acordo com a ortodoxia lingüística da RAG, «Mauro, a liga cada vez mais preto, nom é?». A perplexidade desenha-se, entom, no rosto do jogador lusófono e à pergunta segue um silêncio incómodo. A que se devia esse desconcerto comunicativo galego-brasileiro? Em primeiro lugar, a que o advérbio que nos padrons das variedades lusitana e brasileira do galego-português denota proximidade locativa ou temporal é perto, enquanto que preto designa a cor negra, como sinónimo de negro; em segundo lugar, a que, embora no galego histórico também se tenha utilizado preto com o significado de ‘negro’, no galego espontáneo contemporáneo, devido à castelhanizaçom, tal uso (quase) desapareceu (em benefício da exclusividade de negro, comum com o castelhano contemporáneo), e, em terceiro lugar, a que, no galego contemporáneo, o advérbio genuíno denotador de proximidade surge em duas variantes, perto e preto, e, das duas, a RAG selecionou como normativa, como tem por hábito, a que incompatibiliza o galego com o lusitano e com o brasileiro, ou seja, preto, sem proceder a restaurar, em absoluto, o elemento galego histórico preto ‘negro’.

 Naturalmente, neste caso, o mais vantajoso para os interesses comunicativos dos utentes de galego teria sido que a RAG, única entidade codificadora galega autorizada polo poder político, tivesse selecionado como supradialetal, entre as variantes galegas perto e preto (as duas bem representadas no galego contemporáneo), aquela comum com o lusitano e com o brasileiro, ou seja, perto, e que, em paralelo, ela tivesse restaurado, polo menos para os usos cultos, a forma histórica preto, em concorrência com o vocábulo negro, como adjetivo denotador da cor negra (presente, por sinal, no apelido Preto que, sob a forma castelhanizada *Prieto, muitos galegos levam hoje!). Mas nom foi, infelizmente, assim, de modo que a RAG, neste caso e noutros muitos, em oposiçom à máxima médica Primum non nocere, com a sua intervençom, nom fai senom criar ou reforçar barreiras à comunicaçom do galego com as variedades lusitana e brasileira do galego-português, e muito embora a harmonia do padrom galego com os das variedades socialmente estabilizadas da nossa língua se revele de vital importáncia, nom só para incrementarmos a capacidade comunicativa (internacional) do galego (e, portanto, o seu prestígio social!), como também, em inúmeros casos, para promovermos a funcionalidade, riqueza e estabilidade internas do nosso código expressivo.

Até que ponto a versom atual do dicionário da RAG obstinadamente despreza a revigorante convergência com as variedades socialmente estabilizadas do galego vemo-lo no facto de os desastrados afastamentos do luso-brasileiro que prejudicam a funcionalidade interna do galego se verificarem mesmo na habilitaçom de neologismos (em flagrante contradiçom com o princípio quarto exposto pola própria RAG na introduçom das suas NOMIG!). Assim, por exemplo, a RAG propom que chamemos em galego *flocos de millo aos graos estalados de milho que, tipicamente, se tomam no cinema, aí contrastando com o lusitano e com o brasileiro, que chamam pipocas a esse produto; mas, se, conforme a RAG, flocos de milho som as pipocas, entom, como se chamam em galego os verdadeiros flocos de milho (< ingl. corn flakes), que se tomam no almorço com leite? A RAG nom sabe, nom responde, e tanto os flocos de milho como as pipocas que eu hoje tenho na casa, comprados no Eroski, surgem rotulados em galego como «flocos de millo»! E, para cúmulo, o dicionário da RAG nom inclui a aceçom de floco necessária para se poder utilizar a expressom floco de milho, ou de neve (‘pequena porçom’)! Que inteligência a da RAG!

Pondo, enfim, o preto no branco, cabe constatarmos que a RAG, ao manter de forma irracional o galego afastado do modelo luso-brasileiro que ele tam perto tem, outra cousa nom fai senom detrair à nossa língua competitividade e funcionalidade, ou seja, capacidade para sobreviver.

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