Opinión

Neologia escandalosamente arbitrária

O sistema lexical oficialista depende por completo da arbitrariedade das autoridades lingüísticas e da sua incessante produçom de obras lexicográficas normativas

Entre os traços essenciais da resposta do oficialismo à estagnaçom e suplência castelhanizante pós-medievais sofridas polo galego, também deve incluir-se a sua extrema arbitrariedade e, portanto, autoritarismo. Como vimos, embora o oficialismo recorra quase sempre à neologia castelhanizante, em detrimento da coordenaçom com o luso-brasileiro (e da neologia de invençom), também se verifica que ele nom aplica, de forma constante, um único expediente neológico, mas os três, e de forma impredizível. Assim, em geral, a partir da consideraçom de um conceito, nom é possível, à partida, prevermos a estratégia neológica (ou as duas, no caso de dobletes), das três aplicáveis, por que os codificadores oficialistas optarám ou terám optado. Na prática, dous despóticos aprendizes de feiticeiro, Manuel González e Antón Santamarina, exercendo o controlo efetivo do dicionário da RAG, ditam ao seu capricho as soluçons neológicas oficialistas, as quais som, ainda hoje, adotadas de forma mecánica e acrítica pola maior parte dos utentes de galego (lembre-se, p. ex., a recente «opereta» do Dígocho Eu a propósito do burdo neologismo *sentadela). Isto último vê-se favorecido polo facto de a RAG —que, de forma servil e estridente, ostenta no seu nome a chancela monárquica— tirar proveito do mítico prestígio popular de que, sem o merecerem cabalmente, a RAE e o seu dicionário desfrutam em Espanha.

Ponderemos mediante uns exemplos a arbitrariedade neológica oficialista. O DRAG propom atmosfera, medula, monólito e petróglifo, de harmonia com o luso-br., por esses vocábulos serem de prosódia etimológica, mas, ao mesmo tempo, também propom os castelhanismos *alerxia, *cerebro e *eritrocito, que apresentam acentuaçom antietimológica; para designar as células do sangue que transportam oxigénio, propom três sinónimos, dous harmónicos com o luso-br., glóbulo vermello e hemacia, mas o terceiro, harmónico com o cast., *eritrocito; para denotar o ato de um aviom descer em terra, propom harmonizarmos com o lusitano, aterrar, mas para o ato inverso, o de um aviom empreender o voo (descolar), propom utilizarmos um neologismo de invençom, *engalar; para designar as letras do alfabeto, recorre, sobretodo, a nomes castelhanos (h = *hache), mas também, ocasionalmente, à coordenaçom com o luso-br. (q = que) e à neologia de invençom (x = *xe); na série de verbos eruditos findos em -ir que em cast. se formam como denominais da primeira conjugaçom (luso-br. coagir, erodir, evoluir, extorquir, etc.), em geral harmoniza com o cast. (*coaccionar, *erosionar, *evolucionar, *extorsionar), mas, em colidir, com o luso-br.; no ámbito dos sufixos nomenclaturais, harmoniza com o luso-br. em -ase, que forma nomes de enzimas (amilase), e em -ite, de doenças (rinite), mas com o cast. em todos os demais casos, como -uro, em Química (*cloruro [luso-br.: cloreto]) ou -´ido, em Zoologia (*córvido [luso-br.: corvídeo]); no campo da epidemiologia, propom vacina e máscara, de harmonia com o luso-br., mas também *gromo, no sentido de ‘irrupçom brusca de doença’ (= luso-br. surto), decalcado do cast. brote; enfim, o DRAG opta pola coordenaçom com o luso-br. ao habilitar o neologismo percorrer, mas, para obter o respetivo substantivo derivado, aplica a convergência com o cast., *percorrido.

Por conseguinte, como na praxe oficialista a expurgaçom de castelhanismos suplentes e a habilitaçom neológica som processos discricionários e impredizíveis, sujeitos ao capricho das autoridades lingüísticas, o sistema lexical, em princípio, nom é ampliável «a partir de abaixo», por parte dos utentes, polo menos de forma ortodoxa. O sistema lexical oficialista depende assim por completo para a sua ampliaçom da arbitrariedade das autoridades lingüísticas e da sua incessante —e, no atual contexto, improvável— produçom de obras lexicográficas normativas. Esta circunstáncia determina na prática elevada indefiniçom, insegurança e reforço da castelhanizaçom nos usos lexicais dos utentes. P. ex., se umha pessoa quiger denotar em galego RAG o grupo de papagaios americanos conhecidos em luso-br. como araras e em cast. como guacamayos, dado que na versom mais recente do DRAG tal conceito nom está registado, como há de proceder? É claro: a ortodoxia oficialista obriga a perguntarmos ao supremo M. Glez. por aquilo que, a esse respeito, hoje lhe dá na veneta: provavelmente *gocamaio, mas, se calhar, arara, ou, sei lá, mesmo *papagaio rabilongo!

Comentarios