Opinión

Incoerências subordinadoras que me libertárom

 á vimos como, numha atitude sensata, o atual Secretário da RAG leva a contrária ao dicionário da RAG, que propom o substantivo anómalo *percorrido, e, de acordo com o princípio 4.º da codificaçom da RAG, utiliza o neologismo percurso, harmónico com as variedades lusitana e brasileira da nossa língua. A forma o percorrido, de facto, representa em galego umha crassa incoerência induzida polo castelhano. Com efeito, em galego, a partir do verbo correr, obtemos o substantivo culto de base latina curso, e, desse modo regular, também os substantivos derivados dos compostos prefixados de correr: de concorrer, concurso; de decorrer, decurso; de discorrer, discurso; de transcorrer, transcurso; de recorrer, recurso... e de percorrer, percurso (cf. fr. parcours)! Entom, como é que o dicionário da RAG regista a forma internamente incoerente, aberrante, desorbitada, *o percorrido? Simplesmente, por transferência acrítica a partir do castelhano el recorrido, forma irregular, esta, que na língua de Castela si está justificada, porque, sem ela, os substantivos derivados de recurrir 'recorrer' e de recorrer 'percorrer' convergiriam (assim, em castelhano, a forma regular recurso fica reservada para recurrir, enquanto que, como derivado de recorrer, foi habilitada a forma recorrido).

Para o dicionário da RAG propor-nos o aberrante *percorrido foi necessário, pois, os seus redatores desobedecerem ao princípio codificador 4.º da RAG e, de forma irrefletida e servil, dobrarem-se, como fam habitualmente, perante o modelo castelhano, surgindo umha soluçom que se revela incoerente, nom só com a estrutura do galego, como também com a opçom neológica previamente praticada, porque percorrer, de facto, já é um neologismo introduzido em galego a partir do luso-brasileiro. Este tipo de incoerências subordinadoras som infelizmente freqüentes no modelo oficialista de galego e aqui poderíamos aduzir um feixe delas. No que resta do artigo vou-me referir apenas a mais umha, que, para mim, foi decisiva no processo de me libertar da indigna tutela da RAG e passar a abraçar o emancipador modelo reintegracionista de galego.

Abracei definitivamente a causa reintegracionista, com 23 anos, em 1990, altura da morte de Carvalho Calero, e na seqüência da leitura, simultaneamente deslumbradora e elucidativa, do seu livro Do Galego e da Galiza, que me patenteou a essencial unidade lingüística galego-portuguesa. Todavia, para se ter verificado essa revelaçom racional, de efeitos mobilizadores, a semente tivo de cair em terra fecunda, o que, no meu caso, significou a mensagem carvalhiana ser recebida por umha pessoa que, embora ignorante por completo da atividade dos coletivos reintegracionistas (sem internet, a censura oficial era muito eficaz!), já chegara nessa época, através de intuiçons, e quase sem experiência de leitura de textos portugueses, a posiçons nitidamente críticas com o modelo oficialista de galego.

Entre essas intuiçons, que me levárom a escrever o galego durante um tempo com umha grafia improvisada que incluía j e ge e gi, estava a reaçom perante umha incoerência subordinadora da RAG de magnitude escandalosa: a RAG decretava escrevermos em galego palavras como guerra ou guitarra com um u, sem base etimológica, entre o g e um e ou i, mas tal particularidade (diferentemente do que acontece em castelhano e em português!) nom fai sentido no galego da RAG, porque, nele, as seqüências gráficas ge e gi nom estám pré-ocupadas a representar fonema algum (cousa, por sinal, assaz estranha: Xeoloxía!), e, de facto, o nome que a RAG habilitou para a letra g é guê! Afinal, a razom de a RAG escrever guerra e guitarra com u nom era outra senom a subordinaçom ao castelhano (cf. al. Gitarre, basco Agirre)! A descoberta de incoerências subordinadoras como esta, de enorme profundidade estrutural, e das imensas oportunidades perdidas polo galego no seu forçado afastamento do português, causárom-me indignaçom e vinhérom a revelar-me que o capitám mentia, que os nossos inimigos pugeram a mandar no idioma medíocres ou timoratos, e que era necessário insurgir-se, de forma racional e pacífica mas decidida, contra essa imensa fraude impingida à língua autóctone da Galiza. Afinal de contas, portanto, a umha incoerência subordinadora da RAG eu devo, nalgumha medida, o meu compromisso reintegracionista, a minha libertaçom cultural!

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