Opinión

Falsos e nocivos emblemas de galeguidade (1/2)

Originados na sua maioria nos decénios iniciais do século passado (Irmandades da Fala, Geraçom Nós), os usos lexicais nom regeneradores de caráter diferencialista som ainda hoje infelizmente freqüentes no galego formal, e bastantes deles mesmo som avalizados polo isolacionismo oficialista (RAG = ILG). De facto, tais diferencialismos a respeito do castelhano, embora concebidos para reforçar a personalidade do galego, revelam-se marcadamente nocivos para a nossa língua, porquanto, como aqui veremos, em primeiro lugar, eles atentam contra a coerência lexical do galego; em segundo lugar, prejudicam a coesom galego-portuguesa (ao constituírem-se, em simultáneo, em gratuitos diferencialismos entre galego e luso-brasileiro), e, em terceiro lugar, em bastantes casos, empobrecem a comunicaçom, ao empecerem a diferenciaçom de registos, a matizaçom semántica e a variaçom expressiva. Vejamos, a seguir, alguns casos. O dialetalismo acadar, a partir dos falares locais em que se regista, tem sido adotado no galego formal, por diferencialismo a respeito do castelhano, e através de umha maior ou menor adaptaçom do seu significado no galego popular, com o sentido principal de ‘alcançar’ (mas também com o de ‘obter’). No entanto, o uso de acadar é hoje arcaico ou dialetal no galego-português de Portugal, e também deve sê-lo entre nós, em galego: por um lado, nom há necessidade de o incorporarmos ao padrom galego, umha vez que, com os significados apontados, já dispomos dos vocábulos (propriamente supradialetais) alcançar e atingir, comuns com os padrons lusitano e brasileiro; por outro lado, a incorporaçom de acadar ao padrom galego e a elevada freqüência com que ele hoje surge nos textos orientados polo modelo da RAG som assaz artificiosas, dado o seu vincado caráter dialetal e a sua natureza improdutiva frente a alcançar: de alcançar, temos o substantivo alcance, mas acadar nom criou derivado algum. Assim, as muitas pessoas que hoje utilizam de forma constante ou predominante acadar, em detrimento de alcançar (e atingir), cometem crassa incoerência, porque, para dizerem, p. ex., "arma de longo alcance", tenhem de recorrer a alcançar!

Nalguns falares galegos, o verbo (a)topar apresenta o significado geral de ‘encontrar’. É sensato incorporarmos este uso ao padrom lexical galego, ao galego formal (supradialetal), como o dicionário da RAG fai? Evidentemente, nom!

Amos(s)ar, no sentido de ‘oferecer à vista’, como amostrar, é variante de mostrar, sendo esta última a única forma que o padrom lexical galego deve hoje acolher como vocábulo supradialetal (diferentemente de amossar ‘fazer mossa, ou entalhadura, em’). Caso a solidariedade com os padrons lexicais lusitano e brasileiro nom seja julgada suficiente (por evidente cegueira), em abono de tam sensata decisom podemos ainda aduzir a circunstáncia de o dialetalismo amossar, em contraste com mostrar, se revelar forma improdutiva, morfologicamente abortiva, umha vez que só a partir de (a)mostrar obtemos substantivos derivados, como amostra, mostra, mostrador e mostruário. Portanto, crassa incoerência, fomentada pola RAG, a de muitos utentes cultos, que usam de forma constante ou predominante amos(s)ar, em detrimento de mostrar, mas, depois, falam, inescapavelmente, de "mostra de fotografia", "amostra estatística", "mostrador de mercadoria", etc.

Nalguns falares galegos, o verbo (a)topar (com) apresenta o significado geral de ‘encontrar’. É sensato incorporarmos este uso ao padrom lexical galego, ao galego formal (supradialetal), como o dicionário da RAG fai? Evidentemente, nom! Em primeiro lugar, porque (a)topar (com) ‘encontrar’ é, frente ao extenso encontrar, umha forma dialetal, morfologicamente improdutiva e, com esse sentido, ausente dos padrons lusitano e brasileiro. Observe que as pessoas e organismos que enchem hoje os seus textos de atopar, como pretenso emblema de galeguidade, depois venhem ao rego de encontrar para dizerem o encontro e o reencontro! Mas, além dessas erosons da coerência e da coesom, o uso em galego culto de (a)topar (com) no sentido geral de ‘encontrar’ também causa prejuízo expressivo. Com efeito, nas variedades socialmente estabilizadas da nossa língua (lusitano e brasileiro), topar (com) apresenta o valor de ‘encontrar por casualidade’, e achar (com o seu substantivo o achado) funciona como sinónimo de registo elevado de encontrar. Portanto, se em galego só figermos uso de atopar, nom poderemos estabelecer matiz semántico nem diferenciar registos (ex.: "Hoje topei [com] umha pessoa que nom via há vinte anos" [foi por acaso]; "Encontrei-no/Achei-no após procura demorada").

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