Opinión

Encarniçamento sintático castelhanizante e plebeizante

I maginemos que um traço sintático (gramatical) é muito peculiar do castelhano e que nom ocorre (nom é gramatical) em lusitano nem em brasileiro; suponhamos, além disso, que a freqüência desse traço sintático tem aumentado no castelhano de Espanha nos últimos tempos. Imaginemos agora que esse traço sintático peculiar do castelhano, e ausente do luso-brasileiro, surge também no galego popular, e que neste a sua freqüência de uso também tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos. O que caberia esperarmos da legitimidade em galego desse traço gramatical? É claro que todo apontaria para umha interferência sintática induzida polo castelhano, socioculturalmente subordinador, no galego, socioculturalmente subordinado, de modo que um galeguismo lingüístico sensato, naturalmente interessado em reforçar a genuinidade do galego, a sua personalidade frente ao castelhano e a sua comunicatividade com as variedades lusitana e brasileira do galego-português, rejeitaria tal traço do modelo de galego culto.

Esse traço sintático castelhanizante insinuado no parágrafo anterior é o redobro pronominal do dativo nominal, também chamado dativo pleonástico, e consiste em utilizar um pronome de complemento indireto a acompanhar redundantemente um nome (próprio ou comum) que já funciona como CI. Assim, p. ex., em castelhano "El padre le dio a su hija un obsequio", e em galego interferido *"O pai deu-lhe à filha um obséquio", frente ao galego genuíno e ao luso-brasileiro "O pai deu à filha um obséquio". Observemos que, por esse redobro do CI ser semanticamente redundante, e por existir em galego alternativa idiomática, tal construçom também pode ser conceituada de "plebeizante" ou, no mínimo, de deselegante (similarmente a outras construçons pleonásticas como "ambos os dous" ou "tampouco nom"). Que o dativo pleonástico nom representa umha legítima particularidade gramatical do galego frente ao luso-brasileiro, e si umha assimilaçom castelhanizante, é também indiciado pola ocorrência no galego contemporáneo de outras claras interferências morfossintáticas suscitadas polo castelhano: a perda de vitalidade do infinitivo flexionado, a extinçom do uso produtivo do futuro do conjuntivo, as construçons castelhanizantes dos nexos relativos com preposiçom e do CD (com abuso da preposiçom a)...

A esse respeito, ponto especialmente lamentável é que, se os agentes codificadores oficialistas, polo menos de forma parcial, advogam a revitalizaçom do infinitivo flexionado e a reintroduçom do futuro do conjuntivo, no caso do dativo pleonástico, a RAG, longe de o identificar como interferência do castelhano, desde há uns anos está a promover o seu uso constante no galego formal, como pretenso traço genuíno e caraterizador, cuja peculiaridade frente ao castelhano radicaria, precisamente, na sua freqüência exacerbada. De facto, nesse insensato entusiasmo polo dativo pleonástico, o oficialismo tem chegado a declarar agramatical nom o utilizar de forma sistemática (o que deixaria fora da correçom fórmulas tradicionais como "Bocado de mau pam nom o comas nem o dês ao teu cam" ou "Quem empresta a um amigo fai um inimigo") e, no cúmulo de um encarniçamento plebeizante, mesmo violenta o regime do verbo afe(c)tar, que, no dicionário da RAG, anomalamente surge como intransitivo para avalizar aberrantes construçons do tipo *"As novas tarifas aféctanlles aos usuarios de autobús" (s.v. "afectar6"; genuíno: "As novas tarifas afectan os utentes de autocarro").

Neste contexto, enfim, revela-se assaz ilustrativo lermos o interessante estudo que, sobre o dativo pleonástico, Andrea Expósito Loureiro publicou no número 1 da revista Cumieira (2016), no qual fica patente que a freqüência de tal construçom tem aumentado nos últimos tempos em galego de forma paralela ao castelhano, e que, em todo o caso, a sua ocorrência na fala dista muito de ser constante, polo que a exacerbada prescriçom oficialista nom está justificada. Fiquemos, entom, com as sábias palavras do Prof. Freixeiro Mato, quem, no seu indispensável Lingua de Calidade (pág. 83), afirma que a utilizaçom no nosso idioma do dativo pleonástico "nin é obrigada nin especialmente recomendábel na perspectiva de harmonización co sistema lingüístico galego-portugués".

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