Opinión

O crime de lesa-língua da RAG-ILG, posto a nu em duas estampas natalícias

 

Sendo o galego umha das variedades nacionais da língua galego-portuguesa —junto com o lusitano e o brasileiro, entre outras—, e encontrando-se desde o século XX muito ameaçado na sua existência por umha intensíssima subordinaçom ao castelhano, processo menorizador cuja eficácia social, hoje exacerbada, se baseia na maciça difusom entre os galegos de umha consciência de enorme inferioridade cultural e económica da língua autóctone da Galiza a respeito da língua de Castela, da Espanha e da Hispano-América, nom parecerá injusto qualificarmos de muito lesiva para a sobrevivência e florescimento do galego a açom de umhas instituiçons, a Real Academia Galega e o Instituto da Lingua Galega, que, desde os últimos decénios do século passado, tenhem optado teimosamente por apresentar o galego aos galegos (de modo falaz, é claro!) como língua meramente regional —circunscrita a quatro províncias espanholas—, largamente afastada da modernidade e dos modelos de sucesso social e económico e extremamente deficitária em produtos culturais de todo o género [1]. Como, se nom, qualificaríamos a açom de alguém que ocultasse a um pobre o facto de este possuir um bilhete de lotaria generosamente premiado, ou de alguém que, dispondo, nom de umha metralhadora, mas si de umha lança bem aguçada, como arma defensiva apenas fornecesse um vime a umha pessoa atacada por um tigre?

 

bom_natal_ilgAtuando como instrumento necessário de um poder político monopolizado polo nacionalismo espanhol e nada interessado em aproximar minimamente o galego de um —na verdade, inatingível— bilingüismo harmónico hipocritamente proclamado e nunca alvejado, a RAG-ILG cometeu, e continua a cometer, o crime de lesa-língua que acabamos de descrever através de umhas escolhas normativas que ocultam à generalidade da populaçom, para grave prejuízo de todos os cidadaos —e especialmente para os cidadaos cultos que desejamos viver de forma plena em galego—, a natureza radicalmente galego-portuguesa da nossa língua e, portanto, as suas riquíssimas potencialidades culturais e económicas. Tais escolhas normativas da RAG-ILG —que, na esteira de Manuel Portela Valadares, e de umha óptica galega, nom cabe julgarmos senom como engendradas num "cego impulso de arredamento"— som, globalmente, de sinal castelhanizante e de efeito isolador a respeito das covariedades do galego socialmente estabilizadas (lusitano e brasileiro), e correspondem a todos os ámbitos constitutivos da língua, mas, sobretodo, à ortografia prescrita e ao léxico efetivamente empregado e difundido. É, precisamente, centrando-nos no importante domínio vocabular que neste artigo pretendemos mostrar a um público geral, e de maneira muito gráfica, o irracional e o prejudicial da estratégia isolacionista praticada pola RAG-ILG, e fazemo-lo através de duas eloqüentes estampas casualmente captadas ou capturadas polo articulista durante esta época de Natal.

 

A RAG-ILG continua a cometer o crime de lesa-língua através de umhas escolhas normativas que ocultam a natureza radicalmente galego-portuguesa da nossa língua

 

A primeira destas estampas natalícias apresenta-nos o crime de lesa-língua no seu palco e na sua essência e corresponde a um tuíte recentemente enviado polo ILG para felicitar o Natal (v. ilustr. anexa). Dado que na Galiza, a partir do século XVI e até agora, o galego-português, em contraste com o que acontece em Portugal e no Brasil, passa a ser umha língua socioculturalmente subordinada e deixa em larga medida de escrever-se e de cultivar-se em ámbitos formais, regista-se no léxico galego contemporáneo umha importante variaçom geográfica sem padronizaçom, o que significa que, num grande número de casos, para designar um dado conceito, nom está socialmente consagrada, para os usos formais da língua, umha única soluçom comum supradialetal, antes concorrem na fala duas ou várias ou muitas variantes geográficas, mais ou menos similares entre si, que se distribuem polo território galego formando áreas discretas. Facto adicional de importáncia e transcendência enormes neste contexto é que, na esmagadora maioria desses casos de variaçom geográfica na Galiza, algumha das variantes lexicais galegas já foi consagrada como supradialetal no ámbito luso-brasileiro e, portanto, é usada e reconhecida por cerca de 250 milhons de pessoas em todo o mundo. Justamente, como mostra o tuíte do ILG, dous desses milhentos casos de variaçom geográfica do léxico galego som os representados, por um lado, polo adjetivo masculino antónimo de mau (duas variantes geográficas no território galego: e bom) e pola designaçom genuína da festividade que no cristianismo comemora o nascimento de Jesus Cristo (duas variantes geográficas: Nadal e Natal).

 

Em condiçons de racionalidade, ou seja, de preservaçom dos interesses culturais e económicos dos utentes de galego e da sociedade galega, um organismo chamado a codificar o léxico galego, a estabelecer um modelo lexical culto e supradialetal em galego, nos casos (como os de ~ bom e Nadal ~ Natal) em que a variante geográfica galega coincidente com a luso-brasileira supradialetal (bom e Natal) nom é, em absoluto, marginal na Galiza (v. distribuiçom relativa das variantes nos dous mapas inclusos no tuíte do ILG), escolhe e declara, logicamente, essa variante comum galego-luso-brasileira como forma padrom tamém na Galiza, pois, mesmo que na fala espontánea da Galiza contemporánea essa variante nom seja a maioritária, ela, de facto, será a variante galega dotada, de longe, de maior peso demográfico (variante ecuménica, com mais de 250 milhons de utentes em todo o mundo) e, com isso, tamém a de maior importáncia cultural, científica e económica, representando umha verdadeira variante áurea do léxico galego (por exemplo, o número de textos de matéria cirúrgica escritos nas diversas variedades de galego-português que falam de rim é imensamente superior ao dos textos de tema cirúrgico que falam de ril, sendo rim e ril, entre outras, variantes galegas; o número de catálogos de móveis que falam de madeira de cere(i)jeira é imensamente superior ao daqueles que falam de madeira de cerdeira). E fazermos coincidir o galego culto com o lusitano e com o brasileiro nesses casos de variaçom geográfica na Galiza, no quadro da sintonia comunicativa galego-portuguesa de que abaixo falaremos, fai todo o sentido, porque a esmagadora maioria das restantes palavras patrimoniais (de surgimento anterior ao século XVI) da língua —bem como as estruturas gramaticais!— já som comuns à Galiza, a Portugal e ao Brasil: assim, por exemplo, selecionando na Galiza como supradialetais as variantes galegas bom e Natal, um enunciado como "Desejei boas festas, bom Natal e feliz ano novo aos amigos e parentes" fica comum a toda a Lusofonia ou Galaicofonia.

 

Ora bem, o que tem feito a RAG-ILG com os casos de variaçom geográfica como ~ bom e Nadal ~ Natal? Escandalosamente, numha atitude irracional que lesa os interesses comunicativos dos galegos, e como patenteia o tuíte do ILG aqui reproduzido, para resolver o problema da variaçom geográfica sem padronizaçom, a RAG-ILG nom tem em conta, em absoluto, a coordenaçom com o luso-brasileiro! Assim, em muitos casos, paradigmaticamente representados por fiestra ~ janela ~ ventá, a RAG-ILG parece nom estar consciente do problema e abstém-se de intervir, pois nom procede a selecionar umha variante geográfica como supradialetal; além disso, nos casos em que si decide intervir, a RAG-ILG seleciona freqüentemente como supradialetal umha variante diferente da comum com o luso-brasileiro, mesmo que a variante comum, como é o caso de bom e Natal, esteja bem representada na fala espontánea do galego contemporáneo. A triste conclusom, como se vê no tuíte do ILG, é: num elevado número de casos de variaçom geográfica, a RAG-ILG propom como forma padrom umha variante lesiva e gratuitamente isolacionista (Bo Nadal!) ou, entom, patrocina umha incapacitante dispersom designativa: assim, na linha do gracejo tuiteiro "Bo Nadal! / Bom Nadal! / Bo Natal! / Bom Natal!", tamém temos os menos engraçados fiestra oval / janela oval (esta, a formulaçom ecuménica galego-portuguesa!) / ventá oval, fiestra em chamas / fiestra em lapas / janela em chamas (a formulaçom ecuménica!) / janela em lapas / ventá em chamas / ventá em lapas, etc., etc.

 

A esmagadora maioria das restantes palavra patrimoniais (de surgimento anterior ao século XVI) da língua —bem como as estruturas gramaticais!— já som comuns à Galiza, a Portugal e ao Brasil

 

Abordemos, agora, a segunda estampa natalícia, que surge numha fotografia tirada em dezembro de 2018 numha das portas da escola de ensino primário Curros Henriques de Ourense (v. ilustr. anexa). Focalizemos aí o cartaz anunciador de umha atividade subscrito polo Concelho de Ourense e pola "ANPA" do centro educativo [2]: ele mostra o peculiar segmento "MERCADIÑO NAVIDEÑO". Esta expressom é assaz peculiar porque, referindo-se a um mercadinho (ou feira, feirinha, feirote, feirom) organizado com fins benéficos e que tem lugar durante o Natal (ou Nadal), ou no qual se vendem objetos próprios do Natal (ou Nadal), ela inclui o adjetivo berrantemente incoerente *navideño, denotativo de ‘próprio do Natal/Nadal’ e estranhamente derivado do equivalente castelhano de Natal, ou seja, Navidad. Como é que pessoas cultas, como aquelas que, indubitavelmente, fôrom responsáveis pola redaçom desse cartaz, chegárom a produzir esta aberraçom expressiva? A resposta é simples: por causa de umha castelhanizaçom sociocultural (associada à estagnaçom, ou absoluta falta de enriquecimento, do léxico galego pós-medieval), que a RAG-ILG nom ajuda a combater e, ainda, infelizmente, reforça. Com efeito, a RAG-ILG, com a sua codificaçom e com as suas soluçons isolacionistas, oculta à generalidade da populaçom galega a radical e essencial unidade lingüística galego-portuguesa, privando muitos cidadaos cultos das ferramentas conceptuais e metodológicas, bem acessíveis e fáceis de utilizar, que lhes possibilitariam compensar eficazmente as imensas lacunas dos materiais lexicográficos e documentais produzidos no galego oficialista. Evidentemente, essas ferramentas compensatórias que a RAG-ILG furta à sociedade som, em essência, a disposiçom e a capacidade para naturalizar em galego os ricos e congeniais recursos expressivos oferecidos polo luso-brasileiro através de umha exploraçom proveitosa dos inúmeros bens e produtos culturais da Lusofonia [3]. Deste modo, ainda que no muito pobre e deficiente dicionário da RAG nom surja hoje qualquer adjetivo com o significado de ‘próprio do Natal’, se os redatores do cartaz que anuncia o mercadinho tivessem sido devidamente informados sobre a essencial unidade lingüística galego-portuguesa, e tivessem sido devidamente formados na eficaz exploraçom de textos compostos em luso-brasileiro, teriam podido ver, fácil e autonomamente, que tal neologismo, em galego —a norte, como a sul da raia minhota e transmontana—, de modo natural, coerente e económico, deve revestir a forma natalício -a, para constituir, portanto, a idiomática legenda MERCADINHO NATALÍCIO [4].

 

navideñoEm conclusom, podemos dizer que, com a sua codificaçom irracionalmente isolacionista, a RAG-ILG, para além de frustrar as imensas potencialidades culturais e económicas do galego, está a condenar inúmeros galegos cultos a umha deplorável indigência expressiva na língua autóctone da Galiza. Quando se fala nas importantes vantagens que, para os utentes de galego, acarretaria a assunçom conseqüente por parte da sociedade galega da evidente unidade lingüística galego-portuguesa, costuma salientar-se o efeito projetivo que tal assunçom suscitaria, no sentido de se facilitar enormemente a difusom no seio da comunidade internacional lusófona (ou galaicófona) dos produtos de todo o tipo elaborados na Galiza; porém, quer-nos parecer que, no momento presente, o subseqüente efeito injetivo ainda seria mais importante, e esse consiste, consistiria, na possibilidade de umha plena regeneraçom, formal e funcional, do código expressivo galego. Nesta altura do ano, propícia para desejos de renovaçom, esperemos, por conseguinte, que, imbuído do espírito natalício que o ILG parece invocar no seu tuíte delator, o oficialismo lingüístico, em benefício do galego, nom demore muito a corrigir o seu rumo lesivo e a cessar no "cego impulso de arredamento".

 

Notas

[1]. Para patentearmos essas enormes carências culturais do galego oficialista, politica e irracionalmente isolado do luso-brasileiro, refira-se aqui apenas um dado, mas muito eloqüente, que nos toca de perto: há poucos meses acometemos e publicamos a traduçom em galego de um livro alemám de divulgaçom científica (Recordes dos Seres Vivos, de K. Richarz e B. P. Kremer, ed. Laiovento), acontecendo que esta obra véu a fazer o número 5 dos livros de divulgaçom científica até agora traduzidos para galego, ou seja —facto confrangedor!—, apenas estám disponíveis hoje cinco títulos desse género traduzidos em galego-português da Galiza! Mas é claro que há centos de obras de divulgaçom científica traduzidas em galego-português de Portugal e do Brasil, e que podiam ser aproveitadas com normalidade polos galegos, se cessasse a política isolacionista do oficialismo, favorecedora da subordinaçom do galego ao castelhano.

 

[2]. "ANPA" —é de crer em benefício do rigor e da coerência— é sigla que pretende condensar a expressom, sexualizadora e impugnadora do tradicional e economizador masculino inclusivo, "Asociación de Nais e Pais de Alumnas e Alumnos" (nae, diga-se de passagem, nom é a variante geográfica galega ecuménica, mas mae). Ora bem, quer-nos parecer que, nesse caso, a sigla correta, embora assaz antieconómica, seria "ANPAA"!

 

[3]. É verdade que a RAG-ILG postula como princípio orientador da sua codificaçom do galego, nas Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego (2003: 12), que "As escollas normativas deben ser harmónicas coas das outras linguas, especialmente coas romances en xeral e coa portuguesa en particular, evitando que o galego adopte solucións insolidarias e unilaterais naqueles aspectos comúns a todas elas. Para o arrequecemento [= enriquecimento] do léxico culto, nomeadamente no referido aos ámbitos científico e técnico, o portugués será considerado recurso fundamental, sempre que esta adopción non for contraria ás características estruturais do galego". No entanto, o facto de a codificaçom da RAG-ILG ser, globalmente, de sinal assaz isolacionista e castelhanista e, sobretodo, o facto de na ediçom mais recente do seu (muito deficiente) dicionário abundarem as soluçons contraditórias com esse princípio codificador (soluçons, essas, surgidas por neologia de invençom ou, sobretodo, por neologia castelhanizante, que deveriam, e devem, conceituar-se, em justiça, como nom normativas!) fam com que, entre o público geral, tal declaraçom de (boas) intençons tenha, infelizmente, muito pouca influência regeneradora.

 

[4].Observe-se, tamém, como a consagraçom como supradialetal em galego da variante áurea Natal (e nom Nadal) facilita a acomodaçom, a partir do galego-português de Portugal, do neologismo derivado natalício -a ‘próprio do Natal’. De resto, neste caso, o galego-português do Brasil utiliza, nesse sentido, o adjetivo natalino -a (porém, nos casos de divergência lexical entre Portugal e o Brasil, parece mais natural e prático priorizarmos na Galiza a soluçom lusitana).

 

 

 

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