Opinión

Aspetos essenciais do reintegracionismo escamoteados no discurso público

Na seqüência da aprovaçom da Lei Paz Andrade, e em resposta ao interesse social que a dedicaçom do Dia das Letras a Carvalho Calero suscita em volta do legado filológico do Mestre ferrolano, está a incorporar-se ao atual discurso público, embora de forma tímida, a questom da conveniência de a Galiza pôr em prática estratégias para tirar proveito da unidade lingüística galego-portuguesa. Nesse pequeno espaço discursivo felizmente ganho para a proposta reintegracionista, está a avultar, porém, um elemento conceptual que, longe de refletir verazmente a configuraçom desse projeto cultural, dele oferece umha imagem distorcida, a qual, além disso, contribui para prejudicar a sua recetividade social. Tal elemento discursivo, especioso e desvantajoso, como aqui veremos, é o chamado binormativismo.

Com o uso do termo binormativismo no atual discurso público está a evocar-se umha situaçom em que na sociedade galega conviveriam de forma oficializada e enriquecedora duas normas do galego: por um lado, a que hoje, com caráter exclusivo, é reconhecida pola administraçom, ou seja, a da RAG-ILG, isolacionista a respeito do luso-brasileiro e baseada em larga medida no castelhano, e, por outro lado, a reintegracionista, que reflete a unidade lingüística galego-portuguesa. Ora bem, como toda a pessoa bem informada sabe (mas, infelizmente, muitos galegos ainda ignoram!), a proposta reintegracionista nom é totalmente homogénea e, de facto, desde há tempo, ela surge articulada em duas normas ou codificaçons coerentes, bem definidas, as quais, ainda que nom sejam de todo excludentes entre si, si som nítida e essencialmente distintas: por um lado, a norma lusitana, estabelecida e regulada em Portugal, e, por outro lado, a norma reintegracionista galega, estabelecida e regulada na Galiza pola Comissom Lingüística da AEG (continuadora, desde 2016, da da Agal). Portanto, se, na nova situaçom alvejada, nom quigermos deixar no ostracismo umha das duas normas reintegracionistas, nom parece oportuno o termo binormativismo, devendo-se, entom, preferir umha alternativa do tipo bimodalismo, que remete para dous modos de codificaçom, para umha codificaçom bimodal, complementarmente isolacionista e reintegracionista.

O convívio dentro do reintegracionismo entre as normas lusitana e galega nom se deve escamotear, nem sequer num discurso público que se pretende simplificador, porque, em primeiro lugar, se trata de umha disjuntiva essencial. Se, em relaçom à adjacente variedade lusitana do galego-português, a norma galega isolacionista se revela secessionista, a norma reintegracionista lusitana é subordinacionista, enquanto a norma galega reintegracionista é coordenacionista. A questom essencial que aqui se coloca é, na orientaçom luso-brasileira da codificaçom reintegracionista do galego, quanto de particularmente galego deve legítima e rendivelmente incorporar-se ao padrom lingüístico da Galiza? O público geral deve saber que, para além do contraste emblemático entre a terminaçom -ão (pão, canção, irmão) e as terminaçons -ám/-om/-ao (pam, cançom, irmao) —um contraste nom «insuperável», mas também nom meramente ortográfico—, há outras diferenças, mais importantes, que singularizam as opçons reintegracionistas subordinacionista e coordenacionista, e que correspondem, sobretodo, a aspetos morfológicos e lexicais.

Se os introdutores no discurso público do especioso termo binormativismo tenhem recorrido à situaçom comunicativa da Noruega em apoio da sua proposta, permita-se-nos também aqui botarmos mao, e talvez com maior proveito, doutra referência lingüística exterior, nomeadamente a das germanófonas Suíça e Áustria. Assim, em relaçom ao padrom lingüístico da Alemanha, o alemám codificado na Suíça e o alemám codificado na Áustria apresentam, dentro de umha substancial unidade, numerosos particularismos prosódicos, morfológicos, lexicais e sintáticos, de forma a constituírem o alemám como verdadeiro sistema pluricêntrico. Por exemplo, ‘pataca’ di-se no padrom da Alemanha Kartoffel, mas Erdapfel no padrom da Áustria, acontecendo que Erdapfel também se utiliza na Baviera, mas aqui com caráter dialetal. Do mesmo modo, a importante disjuntiva reintegracionista poderá formular-se em termos como: pataca e carabunha (vocábulos também presentes no norte de Portugal!) fam parte do padrom lexical do galego-português da Galiza, ou som meramente dialetais, frente aos supradialetais próprios do padrom lusitano (respet., batata e caroço)? A Galiza, como a Áustria ou como a Baviera?

A distinçom entre as duas opçons reintegracionistas, ambas legítimas (e, insistimos, nom totalmente excludentes entre si!), também nom se deve escamotear porque, na Galiza hodierna, elas poderám desfrutar de diferente recetividade social. A esse respeito, quer-nos parecer que, enfim, a opçom preferida por Carvalho Calero, o reintegracionismo coordenacionista, se inserirá com maior facilidade nos esquemas de umha Galiza politicamente independente de Portugal, de marcado particularismo lingüístico e possuidora de umha tradiçom cultural e literária autónoma.

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