Opinión

O espaço do discurso

para Ernesto Vázquez Souza

“O poder externo que priva o homem da liberdade

de comunicar os seus pensamentos públicamente

priva-o ao mesmo tempo da liberdade de pensar”.

E. Kant

Quando Malcolm X acompanhou o jornalista M. S. Handler ao restaurante que a Nação do Islão tinha na avenida Lenox, aproveitou para explicar-lhe como, “por uma mera questão de sobervivência, o preto tinha aprendido a ocultar e dissimular os seus auténticos pensamentos. O preto diz ao homem branco só aquilo que crê que o homem branco deseja ouvir. Por efeito dessa arte da dissimulação, tinha-se chegado a um estremo em que nem sequer os mesmos pretos eran capazes de dizer verazmente aquilo que pensavam os seus próprios irmãos (1)”. Quiçá nem sequer saberiam mui bem quais eran as suas próprias opiniões, como lhe sucederá àquela senhora da RDA que após a queda do muro de Berlim “não podia de repente “falar abertamente” ou “dizer o que pensaba””, pois “nem sequer sabia mui bem “o que pensaba”” (2). A elaboração dum pensamento próprio necesita dumas condições sociais de possibilidade que, num contexto de subordinação, incluem a dotação dum espaço –material e simbólico- próprio onde guarnecer-se; como os restaurantes dos pretos estadounidenses ou o quarto próprio de Virginia Woolf

A elaboração dum pensamento próprio necesita dumas condições sociais de possibilidade que, num contexto de subordinação, incluem a dotação dum espaço –material e simbólico- próprio

A carência destes espaços de segurança, de elaboração e difusão da cultura disidente, deixa as suas gentes à mercê dos discursos hegemónicos, sem poder-se defender mais do que com recursos tácticos, e sempre respeitando as regras do jogo do inimigo; por exemplo: o tabu independentista, que obriga sempre o soberanismo a pedir desculpas continuamente pola sua existência e a fazer promesas de não levar os seus razoamentos até o final. O galeguista foi, polo menos desde certas circulares internas de Víctor Casas, um especialista em desmentir o seu separatismo. Mas demasiado amiúde atribuem-se estes complexos ou incoerências discursivas a carências teóricas, quando na realidade têm muito mais a ver com as citadas condições sociais de produção discursiva. 

Se o nacionalismo galego se distinguiu por uma ambígua consciência nacional –cujo corolário é esse cripto-independentismo- não é tanto polos falhos teóricos como por uma tradição de desleixo na construção de espaços de sociabilidade alternativa, que dem segurança à sua base social. Já para as primeiras décadas do século XX sustém Beramendi que “os nacionalistas non son quen de montar ningunha asociación comparable ós ateneos republicanos, ás casas do pobo socialistas ou ós círculos católicos, coa única excepción da Coruña (3)”. Exceção notável, pois o local que as Irmandades da Fala tinham em Maria Pita era um fervedoiro: sala de atos com cenário de teatro para as representações dos domingos, conferências de todo tipo nos sábados, concertos, bailes e exposições, escola de primeiro ensino e de adultos, escritórios de redação de A Nosa Terra… Contudo, “en clara continuidade coa tradición das Irmandades, o PG optou nun principio polos mecanismos clásicos do proselitismo individual, a propaganda e a acción electoral e institucional para crecer exclusivamente como partido, renunciando a establecer unha rede de organización sectoriais satélites e a crear lugares de socialización alternativa (tipo batzokis ou casas del pueblo)” (4).

O tabu independentista obriga sempre o soberanismo a pedir desculpas continuamente pola sua existência e a fazer promesas de não levar os seus razoamentos até o final

Quim Arrufat costuma explicar de maneira mui didática a necessidade de levar a luita a três espaços: o institucional, onde se desputam os imaginários e se podem erguer pequenos muros defensivos; a rua, onde as mobilizações botam os pulsos ao poder e se dam os contrapesos à política institucional; e por último, a quase sempre esquecida na Galiza, construção de uma institucionalidade própria. Se esquecemos este último espaço reduzimos os debates uma falsa dicotomía entre “a rua” e “o institucional”. Falsa porque se continua a pensar na mobilização como um valor de troca no mercado eleitoral, mas também porque “o movimento popular não pode estar ativado de forma permanente, […] é necessário construir espaços de permanencia (5)” que vaiam materializando a nova sociedade, desconetando-nos das relações de dependência do Estado e o Capital, e que também podam servir de laboratório. Mobilizações multitudinárias uma tras outra em defesa da língua evidenciarom cruelmente os limites deste modo de atuação órfão de espaçs próprios –escolas, jornais, etc. – que nutrir com esas vagas mobilizatórias. A cacarejada “acumulação de forças” –que, como diz Raul Zelik, às vezes parece que se trata-se de acumular areia- não se pode fazer em manifestações permanentes neme m eleições, senão na construção desses espaços próprios que só dependem do nosso esforço, e cuja ampliação, interconexão e profundização dará verdadeira conta da transformação social.

O local que as Irmandades da Fala tinham em Maria Pita era um fervedoiro: sala de atos com cenário de teatro para as representações dos domingos, conferências de todo tipo nos sábados, concertos, bailes e exposições

Chegar a esta reflexão foi, com certeza, o mais importante que fijo o independentismo na última década, pondo-se mãos à obra desde então e demonstrando, com uns recursos mui escasos, que é perfeitamente possível manter centros sociais que sejam o motor cultural das suas comarcas, abrir escolas que garantam a supervivencia do galego nas ciudades, fundar cooperativas que instauram novas relações laborais, etc. Quanto se poderia avançar contando com mais mãos!

NOTAS

1.-Malcolm S, Autobiografía, Barcelona, Ediciones B, 1992, pp. 11-12

2.-Jon Elster, Rendición de cuentas, Buenos Aires, Katz, 2006, p. 133.

3.-Justo Beramendi, De provincia a nación. Historia do galeguismo político, Vigo, Xerais, 2007, p. 735.

4.-Ibidem, p. 869.

5.-Marc Casanovas entrevista Quim Arrufat, “El movimiento popular debe avanzar por sus propios caminos estratégicos y no sometido al de la lógica institucional”, Viento Sur nº 143, dezembro de 2015, p. 64.

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