Opinión

A Covid-19 e Carvalho Calero: nova normalidade ou velha anormalidade?

Quem, como eu, lê habitualmente este jornal deveu reparar em que, desde os começos do mês de julho, o aparecimento de novos casos de pessoas infetadas com coronavírus em vários territórios do país, especialmente na Marinha, ganhou especial interesse informativo.

Por exemplo, na ediçom de 11/07 a capa do jornal referia que “Sanidade fala dun “abrocho controlado”. No desenvolvimento da matéria, na página 2, o título era “O brote da Mariña segue a medrar ás portas do 12-X”. Passados uns dias, a 14/07, o título da notícia da página 7 falava da “estabilización do brote na Mariña”. No corpo do texto “o xerente da área sanitaria, Ramón Ares, cualificaba onte de “boa” a evolución do abrollo” (ênfases nossas). Essa vacilaçom terminológica era o síntoma dum problema na hora de designar essa realidade epidémica.

Na ediçom de 29/07 Nós informava sobre a soluçom fornecida pola Academia Galega: “di adeus a “brote” e ola a “gromo””, e no dia 4 de agosto conhecíamos as posiçons reintegracionistas, reivindicando a opçom confluente com o português, isto é “surto”. Os argumentos que sustentam ambas as teses podem ser consultados na rede, tanto no vídeo do presidente da AGAL (que subscrevo quase na íntegra), como num texto do diretor do Seminário de Lexicografia da Academia Galega no próprio site da instituiçom.

Apesar de divergentes em quase todo, ambos coincidem na abordagem do problema como se se tratasse de um neologismo, umha nova realidade que precisa de um novo nome. No entanto, o único elemento novo no cenário é o vírus (para os que somos algo novos, também a dimensom pandémica). Ainda há poucos meses tivemos situaçons semelhantes na Galiza com umha doença menos nova, a papeira. E como falárom desse assunto alguns meios de comunicaçom em galego? Empregando a palavra “andaço”, que (1) nom precisava de qualquer alteraçom no dicionário da RAG, (2) é confluente com as outras normas do português aquém e além-Atlântico, e (3) nom produz estranhamento a respeito do galego culto nos falantes populares e patrimoniais, pois é a que eles empregam habitualmente.

Voltando às páginas do jornal, paralelamente ao esforço em nos informar sobre a situaçom sanitária e a sua gestom política, até fins do mês passado o Nós empenhou-se com fôlego na divulgaçom da vida, obra e, sobretodo, o pensamento de Carvalho Calero através da reediçom de muitos dos seus ensaios de teor linguístico.

Já que ainda estamos no ano Carvalho Calero, parece-me interessante o exercício de nos interrogarmos sobre o que pensaria o professor ferrolano nesta situaçom. Na verdade, Carvalho deixou-nos a resposta, especialmente numha conferência de 1981 (!), posteriormente publicada como artigo em Da Fala e da Escrita, intitulada “O idioma galego e os problemas da linguage técnica”. Na epígrafe sobre a “osmose galego-portuguesa” afirma Carvalho: “é mui antieconómico escrever um texto técnico galego sem consultar os textos homólogos escritos ao sul do Minho, onde estám resoltos todos os problemas que, se cadra, nos afanamos nós magoadamente em resolver”.

Na mesma intervençom, insisto que há quase quarenta anos, já advertia sobre a inconveniência do recurso ao “directório lingüistico para resolver periodicamente os problemas que se apresentarem, pronunciando ditames ou alvitrando expedientes que, naturalmente, nom teriam nengumha viabilidade”.

Há anos que os galegos nom dispúnhamos dum jornal diário em papel integralmente em galego, e o Nós veu colmatar essa lacuna. A sua funçom é especialmente importante nom só em termos informativos e normalizadores da língua, mas também e sobretodo, é umha ferramenta poderosíssima na fixaçom dum padrom, um modelo de língua culta, para o galego. Espero que este exemplo de que nos ocupamos, e a lembrança das ideias de Carvalho Calero acerca de como resolvermos autonomamente problemas semelhantes contribuam para melhor escolhermos entre a velha anormalidade (os castelhanismos e as prescriçons do diretório linguístico) ou umha nova normalidade para a língua (a dignificaçom das soluçons patrimoniais e a confluência com a lusofonia).

Comentarios