Opinión

O Brasil vive uma década de polarização

A primeira quinzena de março foi marcada por duas manifestações de alcance nacional.

A primeira quinzena de março foi marcada por duas manifestações de alcance nacional. 

No dia 13, sexta-feira, sindicatos e movimentos sociais organizados promoveram passeatas de apoio à presidenta Dilma Rousseff, sob pretexto de se posicionarem em defesa da democracia e da não privatização da Petrobrás. 

O foco na Petrobrás tem a ver com o desprestígio que acomete a maior estatal brasileira desde que se descobriu um enorme esquema de corrupção envolvendo seus diretores e as principais empreiteiras do país. Já o proclame a favor da democracia foi uma resposta antecipada às manifestações de dois dias depois, a qual tinha o impeachment  presidencial como um de seus motes. 

No domingo, dia 15, milhares de brasileiros, em coro maior do que o de sexta, protestaram contra a corrupção e contra o governo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Esses dois eventos são apenas o ato mais recente suscitado pela polarização para a qual a sociedade brasileira tende nesta década. Na base dessa bipartição, há dois conjuntos de causas. O primeiro, conjuntural, associa-se ao mau desempenho da economia e a mais um caso de corrupção envolvendo o PT. O segundo, estrutural, tem a ver com as históricas desigualdades sociais e com o reaparecimento da direita na esfera pública.

O DESGASTE DO PT — Há doze anos no comando do país, o Partido dos Trabalhadores enfrenta agora sua segunda e mais grave crise. A primeira foi em 2005, quando se descobriu um esquema de suborno de congressistas com o intuito de esses aprovarem projetos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente. A despeito do escândalo, batizado de mensalão, o PT se reelegeu, em 2006, graças ao talento político e ao carisma de Lula; ao fato de as investigações não o terem associado à orquestração da negociata; e, também, graças à bonança enconômica trazida pelo aumento dos preços internacionais das commodities.

 Há doze anos no comando do país, o Partido dos Trabalhadores enfrenta agora sua segunda e mais grave crise

O governo Lula elevou a renda entre os mais pobres. Surgiu, no país, uma nova classe social, a classe C — estrato similar às camadas médias ocidentais, em contraposição à tradicional classe média brasileira, a qual sempre teve poder aquisitivo relativamente alto. No contexto do boom das commodities, houve ainda margem de manobra para aquecer a economia mesmo com a crise internacional de 2008.

Sucede que nenhum governo do PT foi capaz de resolver os gargalos econômicos do país, em especial no que se refere a transporte, logística e burocracia tributária. Além disso, com o êxito das commodities, ficou em segundo plano a instauração da terceira revolução industrial (tecnológica) no parque nacional. Resultado: quando os preços dos bens primários despencaram, a economia brasileira entrou em recessão. 

Foram esses entraves que Dilma Rousseff encontrou em seu primeiro mandato (2011-2014) e os quais até hoje não conseguiu contornar. Para seu azar, sucedeu ainda que secas graves aumentaram o preço dos alimentos e prejudicaram o funcionamento das hidrelétricas, a principal matriz energética do Brasil, expondo ainda mais a fragilidade infraestrutural do país.

A marcha do dia 15 trouxe o retorno definitivo de setores de direita da sociedade civil à esfera de debate político

Se tudo isso, por si só, já era o suficiente para exaltar os ânimos contra a presidenta, o novo, gigantesco, escândalo de corrupção envolvendo o partido governista deteriorou ainda mais sua popularidade.

AÇÃO E REAÇÃO — Com o desgaste do PT, o descontentamento e rechaço ao mesmo ganham cada vez mais força. Tal fato se revelou incontestável na apertada disputa das últimas eleições presidenciais, em 2014, quando a vitória de Dilma Rousseff sobre o senador Aécio Neves, candidato pelo principal partido opositor, o PSDB, deu-se por um placar de 51,64% vs. 48,36% — diferença de 3,5 milhões de votos em um montante de 105,5 milhões de votos válidos. 

A marcha do dia 15, além de ter reiterado a amplitude da insatisfação com o governo, trouxe, como novidade, o retorno definitivo de setores de direita da sociedade civil à esfera de debate político. O trauma do duro regime militar (1964-1985) mantivera essas vozes afastadas até a década atual. Agora, o cenário começa a mudar. 

Muda porque há uma geração de jovens adultos que cresceu vendo o poder, há tempos, nas mãos de um mesmo grupo, de esquerda (na prática, de centro-esquerda), e que valoriza a mudança de representação.

 O apoio à volta do regime militar, ponto de pauta de alguns grupos presentes na manifestação do dia 15

Muda porque, tão logo constatou que era quem menos lucrava com a política do PT, a velha classe média se pôs contra o governo. Em alguma medida, seu empobrecimento relativo, agravado pela crise, fomenta discursos de ódio contra o PT e mesmo contra a classe C.

Muda porque a própria estabilidade da democracia brasileira permite, hoje, que mesmo discursos da direita radical sejam proferidos sem gerar grandes celeumas. O apoio à volta do regime militar, ponto de pauta de alguns grupos presentes na manifestação do dia 15, é exemplo disso.

Com o crescimento e visibilidade da ala direita da sociedade, muitos que se identificam com ideias de esquerda reagem tornando-se mais assertivos. Dessa dinâmica de ação e reação, polariza-se o debate, a sociedade. 

Em se considerando que o segundo mandato de Rousseff está apenas começando; que não há evidências de uma reforma imagética do PT a caminho; e que os resultados positivos das medidas de austeridade recentemente adotadas ainda tardarão a aparecer; não é ilógico inferir que essa polarização só tende a aumentar daqui para frente. 

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