Opinión

sempre Lídia

Das mulheres mais altamente escrevendo e talvez o nome de escritora mais reconhecidamente maiúsculo e em ativo das Letras Portuguesas, num raro e persistente caso de concórdia da crítica exigente e do público consumidor sem mais. Não por acaso. Um reconhecimento assim na Literatura contemporânea sustenta-se em sólidos argumentos a começar pelos seu trabalho continuado.

Das mulheres mais altamente escrevendo e talvez o nome de escritora mais reconhecidamente maiúsculo e em ativo das Letras Portuguesas, num raro e persistente caso de concórdia da crítica exigente e do público consumidor sem mais. Não por acaso. Um reconhecimento assim na Literatura contemporânea sustenta-se em sólidos argumentos a começar pelos seu trabalho continuado. Licenciou-se em Filologia Românica para ter uma profissão digna e preferiu ser professora do ensino secundário a assistente na faculdade para ter tempo para escrever. Casada e com dois filhos, leva 30 anos de carreira, 15 volumes maiores, afora várias dezenas em que andam ensaios, contos. A sua mestria no domínio da língua portuguesa fica bem patente neles, num estilo de sintaxe ampla a iluminar as profundidades por onde guia com naturalidade a leitura, que mesmo densa se torna sempre fácil. Eis o difícil. Que ela pratica tão bem.

Muitos títulos valeria a pena invocar. A vaga de reconhecimento chegou cedo, talvez imparável após A Costa dos Murmúrios (1988) que decorre na África da colonização portuguesa durante o período bélico. O sucesso desse romance abriu caminho para uma adaptação fílmica de Margarida Cardoso igualmente premiada. A força da vivência psicológica das experiências femininas já estava nesse livro, nas duas mulheres centrais, Evita e Helena. Também em Notícia da Cidade Silvestre está um binómio feminino, Júlia Grei e Anabela Cravo. Mulheres e densidade também na sua mais recente obra, precedida por O Romance do Grande Gatão (2010), Contrato Sentimental (2009), Praça de Londres (2008), O Grande Voo do Pardal (2007). E anteriores que já por aqui circularam com sucesso: Combateremos a Sombra (2007), história de um psicanalista que vai servir de pretexto para nos revelar uma ousada realidade de mistério absolutamente inesperada; O Belo Adormecido (2004), seis contos com protagonismo para jovens e adolescentes; O Vento Assobiando Nas Gruas (2002), confronto de duas famílias dissemelhantes, uma delas recém-chegada de África, história que recolheu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Correntes d’Escritas/Casino da Póvoa, e cuja publicação na Alemanha coincidiu com o Prémio Albatroz da Fundação Günter Grass pelo conjunto da obra. O Vale Da Paixão (1998), Prémio D.Diniz da Fundação da Casa de Mateus, Prémio PEN Clube Português de Ficção, Prémio Máxima de Literatura, Prémio Bordallo de Literatura da Casa da Imprensa e Prix Jean Monnet de Littérature Européenne. Enfim, a lista de prémios, como a de títulos, é cansativa, como também a enumeração dos países onde se acha publicada, França, Alemanha, Brasil, EUA, Espanha, Grécia, Suécia, Itália, Israel, Islândia, Jugoslávia, Reino Unido..., assim que voltemos ao presente.

A Noite das Mulheres Cantoras é o mais novo romance de Lídia Jorge. Retrata admiravelmente, como noutras ocasiões, as mudanças num quadro realista, histórico e social desta vez mais recente, a ação a rodopiar à volta do final dos anos 80 do século XX, e com um tema, como avisa a editora, "de inesperada audácia –o da força da idolatria e a construção do êxito– visto a partir do interior de um grupo, narrado 21 anos mais tarde, na forma de um monólogo". Grupo e construção do êxito dentro do ambiente da música, uma atmosfera exposta com autenticidade na que se inscreve a história de várias raparigas, banda de 'mulheres talentosas' aí mergulhadas, numa montagem em livro que consegue seduzir-nos desde a primeira à última página. Eis também a crónica das formas de vida de uma época que foi agora, um quadro social ainda vívido para a gente mais madura. As histórias pessoais, da meninice de Solange de Matos, com o seu retorno familiar de Angola e a nova existência rural em Sobradinho, passando pela juventude, formação do grupo das quatro cantoras em 1987, a frequência da Universidade Nova em Lisboa, até à noite triunfal do reencontro das amigas e de João de Lucena duas décadas depois, de certeza que falarão com maior intimidade à orelha de um público português sobre o contexto dos seus últimos 30 anos, mas o esplendor do relato convoca um entendimento sem dúvida universal. Um entendimento que sem dúvida particularmente na Galiza se acha –como em próximos meses se vai provar.

Nota de SG: Este artigo foi publicado no semanario Sermos Galiza no espazo semanal do autor "do outro lado do rio". 

A escritora Lídia Jorge foi escolhida pela AELG como "Escritora Galega Universal" (13-12-2012)

 

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