Opinión

O euro: dez histórias de sucesso e uma canção desesperada

No 1 de janeiro deste ano a posta em circulação das moedas e das notas do euro nos estados integrantes da União Económica e Monetária Européia, entre eles o espanhol, fez dez anos. Mas a divisa como moeda oficial daqueles doze estados europeus nascera três anos antes (1 de janeiro de 1999).

No 1 de janeiro deste ano a posta em circulação das moedas e das notas do euro nos estados integrantes da União Económica e Monetária Européia, entre eles o espanhol, fez dez anos. Mas a divisa como moeda oficial daqueles doze estados europeus nascera três anos antes (1 de janeiro de 1999). Para celebrar esta primeira década de existência, o governo da União Européia (a Comissão Européia) publicou em 2009 uma brochura intitulada “Os dez anos do euro. 10 histórias de sucesso”. Como é de imaginar no panfleto aparecem narradas bondades da moeda única, esquecendo os graves problemas económicos que provocou e que já naquela altura eram muitos e muito graves.

O cinismo do texto mostra-se desde os primeiros parágrafos: “O euro trouxe mais opções, mais certeza, mais segurança e mais oportunidades à vida diária dos cidadãos. Nesta brochura, apresentamos alguns exemplos do modo como o euro conseguiu, e continua a conseguir, melhorias reais no terreno para as pessoas em toda a Europa”. Depois disto são enunciadas estas dez melhorias, decoradas com o mesmo número de histórias pessoais de sucesso, ainda que fictícias, estariam a descrever situações típicas com base em dados reais, isto é, tirados das estatísticas da Eurostat.

Dando uma vista de olhos muito rápida às dez histórias e aos seus protagonistas, assemelha incrível que naquela altura puderam ser escritas. Hoje, com tudo o acontecido, seriam motivo de goze ainda maior, se detrás delas não existiram pessoas reais a sofrer as conseqüências desse experimento.

Por exemplo, para louvar a proteção do nível de vida, graças à existência de uma moeda estável e de uma inflação muito baixa, aparece uma profissional sanitária portuguesa a apreciar esses benefícios na sua conta de poupanças. A narração finaliza sem dizer a quantia dessas poupanças e a sua evolução posterior. Contudo já advertia dos rendimentos relativamente baixos da trabalhadora portuguesa.

Naquela altura o governo do PSOE principiou com as medidas de ajuste que o PP continua a levar adiante

 

A esquizofrenia continua com a terceira história, onde aparece uma família grega a comprar a sua própria habitação graças à forte descida nas taxas de juro. Apenas ficamos sem saber se na atualidade esta família continua a usufruir a sua casa.

O conto a seguir fala em dois estudantes letões a viajar pela Europa sem trocar moeda, poupando os custos cambiais, mas esquecendo o facto de que a moeda oficial da Letónia não é o euro (segue a ser o lat) e que a Europa é muito mais que os quinze estados que naquela altura assumiram o euro como moeda oficial.

A história número sete intitula-se “Finanças públicas mais sólidas”, sendo os atores principais um casal reformado irlandês. Um ano e uns meses depois a UE aprovava o resgate financeiro da Irlanda. No comment.

E assim para a frente, poderia continuar, mas vou acabando e para isto pego na experiência de uma empresa valenciana de azulejos que graças ao euro passou de fornecer cerâmica apenas ao Estado espanhol, a “não ser o caso”, palavras literais da brochura, mas sem dizer qualquer outra coisa. Supomos que a crise imobiliária terá afetado de qualquer maneira aos seus rendimentos.

Mas para além da propaganda oficial, a realidade das pessoas é a que é. Quem nos governa também são quem são, e naquela altura o governo do PSOE principiou com as medidas de ajuste que o PP continua a levar adiante. Esta tomada de decisões ajusta-se tanto à necessidade económica atual, como as histórias da brochura anterior à realidade descrita. Nem uns nem os outros, nem por suposto, a Comissão Européia falam em que o euro foi o culpável das bolhas imobiliária e financeira, causas desta crise e continuam a mentir apresentando os ajustes como a solução da mesma, quando a ciência económica propõe outras medidas para sair desta terrível crise.

As responsabilidades políticas são enormes, mas também assemelham contar com total impunidade. Esconder essas responsabilidades em motivos económicos, quando as decisões são apenas políticas, isto é, tomadas na defesa de uns interesses muito concretos, deveriam supor uma contundente resposta neste âmbito por parte da cidadania. É o único caminho para sair desta situação. As mobilizações deste verão haverão supor o princípio deste câmbio e assim fugir do naufrágio. Desse horizonte sem futuro da canção desesperada do poeta,

 Todo te lo tragaste, como la lejanía.

Como el mar, como el tiempo. ¡Todo en ti fue naufragio!


Manuel César Vila.

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