Opinión

Até quando adiarmos a decisão?

Nas passadas semanas aparecerom na imprensa digital polo menos cinco artigos que refletem a questão do direito a decidir dum povo, da explicitação parlamentar de dito direito e, em resumo, do direito a exercer o que se poderia chamar o divorcio coletivo, nome metafórico do processo de independência. O primeiro deles —A capacidade de decidir: un debate necesario— tinha por autor a Francisco Rodríguez e apareceu em Sermos Galiza; outros três em Praza Pública: A permanente inoportunidade do direito a decidir, de Joam Lopes Facal, Eu son soberanista ... e agora que?, de Xoán Hermida e Sobre encrucilhadas, normas ortográficas e independência, de Teresa Moure. Finalmente, no dixital Terra e tempo, podia-se ler É o momento? outra vez de Francisco Rodríguez. Se num prazo de cinquenta dias cinco artigos (que eu saiba) aparecerem na imprensa sobre um tema que, como todo o mundo ignora, não interessa a ninguém, não há sombra de dúvida que se trata dum balanço notável. 

Sobre todos os artigos agia, em maior ou menor medida, a questão da autodeterminação, da oportunidade de desenvolver no momento presente dita ação e mesmo se, na conjuntura de hoje, cumpria sobrancear o eixo esquerda-direita ou o nacionalismo-estatalismo. Como pano de fundo, ao tempo, pairavam diferentes declarações que postulavam que as pessoas que estavam a formularem a questão da soberania não se inteiravam do que estava a ocorrer, que hoje não era o momento de apresentar umha moção de autodeterminação —que, quantitativamente não era possível ganhar— embora se deva reconhecer que umha tal moção não se apresenta para a ganhar, como demonstram as moções de censura de Felipe González a Suárez (1980), Hernández Mancha a González (1987), ou X.M. Beiras a Fraga (2001) —assegurando que se vivia umha situação limite e de exceção (como agora)—. Finalmente pairava também a ideia de que hoje, nesta nova situação de emergência nacional, é prioritária a luta frontal contra o sistema, o qual levava, do meu ponto de vista, um correlato: a questão nacional, agora, deve ficar adiada. E então: até quando? 

Vou tentar, não voltando sobre assuntos já vistos, fornecer o meu ponto de vista sobre um aspecto que esvoaça por acima de todos os processos de autodeterminação, quer pessoais, quer coletivos. Dito aspecto é o da identidade, esse, como afirmam os dicionários, conjunto de qualidades segundo as quais uma pessoa é quem diz ser, ou segundo as quais uma pessoa ou coletivo reconhece-se e identifica-se como ela própria, esses elementos que, como Teresa Moure sinala, “o estado espanhol nega”, elementos que compre defender “tanto como assegurar-nos a dignidade, como reconstruirmos a identidade coletiva”. Tentarei propor a hipótese de que só na diferença é possível pensarmos e reconhecermo-nos, só na particularidade é possível fazermos propostas globais. 

A questão da identidade, como a do nacionalismo, consiste em estabelecer uma correspondência dialética entre o Particular e o Universal. Ora, no momento presente, de crise econômica, de esmagadora pressão do Estado e os seus aparelhos de propaganda, misturam-se, de forma interesseira, diferentes noções, de tal maneira que o poder tenta fazer passar por Universalidade aquilo que é apenas Globalização capitalista, quer dizer, a universalidade do dinheiro. Segundo se está a ver, o cacarejado lema que postulava a livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais ficou restrito simplesmente para o trânsito dos últimos. Por isso, em grande medida, a defensa da particularidade constitui um fator essencial de oposição ao projeto capitalista. Não é por acaso que hoje o Partido (im)Popular esteja a deitar os eixos centrais da sua política nas direções complementares da privatização e a recentralização.

Aliás, essa suposta Universalidade, alicerça, justamente, na negação da Particularidade, da diferença, e começa, não digo que o seja, (ainda) a achegar-se perigosamente ao racismo —lembre-se o emprego por Aznar do vocábulo tribo para se referir aos nacionalistas— ou, em qualquer caso, a atitudes que têm a ver com a exclusão da diferença e o autoritarismo. Hoje vê-se como a Particularidade resulta insuportável para o Estado, para quem se definem como universalistas, para quem arvoram a falsidade de serem “cidadãos do mundo” quando em verdade são apenas “proprietários” dumha universalidade formal. Provavelmente isto é assim porque hoje o Estado Espanhol suporta também umha forte crise não só econômica, mais também de identidade, ameaçada polo processo de autodeterminação catalão, polo que existe, agora latejante, em Euskal Herria, pola situação sociopolítica no nosso próprio país, pola corrupção do PPSOE e pola vergonha dumha Casa Real herdeira da ditadura, impune durante décadas e não submetida á mínima fiscalização democrática. Hoje, quem se gabam de universalistas, para além de abolirem a diferença, falam ao mesmo tempo de Tolerância —a idea de “tolerância zero” não é aplicável a banqueiros, políticos corruptos e empresários ladrões—. Uma Tolerância que não é outra cousa que o limite que a Intolerância impõe e que não deve nunca ser ultrapassado, a risco de sermos tidos por intolerantes, talibãs ou fundamentalistas. Isto, do ponto de vista da direita, cujo álibi é o do Universalismo e o da cidadania mundial.

"Hoje vê-se como a Particularidade resulta insuportável para o Estado, para quem se definem como universalistas, para quem arvoram a falsidade de serem “cidadãos do mundo” quando em verdade são apenas “proprietários” dumha universalidade formal".

O problema basilar é agora para nós, pessoas de esquerda, definir qual é o tipo de identidade que desejamos construir. Sim, construir. Não é erro, construir, inventar, porque em toda identidade existem fatores de avanço e de recuo, destruidores e conservadores, de progresso e reação. Identidades há muitas, mas é preciso peneirar nelas, debulha-las e finalmente escolher, inventar umha concreta, de qualidades concretas. Aponta-o de maneira perfeita Alain Badiou: “tendes que inventar a Galiza, com efeito, contra o centralismo espanhol, contra o capitalismo, contra a devastação, contra o desterro, é verdade, contra todo isso, mais o ‘contra todo isso’ faz-se invocando o que vos ponhedes no nome da Galiza e que, em certa maneira, ainda não existe”, porque é bem certo que não é a mesma identidade galega a proposta polo nacionalismo político contemporâneo que a de Coalición Galega há case três décadas, ou a de Risco vai para um século. As identidades polas que paga a pena combatermos devem cumprir a condição de serem legíveis e entendíveis não só por nós, senão por toda a humanidade, reconhecíveis polo caráter de emancipação geral que possuírem. Assim, universais desde a sua “localidade”, forom as grandes particularidades que hoje nos convocam, nos movimentam e obrigam a nos olhar no seu espelho. Todas elas têm em comum nascerem num lugar concreto, porque qualquer proposta —não se deve esquecer— só é possível que agrome num ponto que, multiplicado, atravessa o espaço e o tempo, porque não existe outra maneira de atingir a universalidade se não é partindo da peculiaridade. Os grandes feitos aos que devemos lealdade acham-se inseridos em lugares concretos e possuem nomes próprios que, ao repeti-los, nos comovem e abalam: Treveris, Odessa, Stalingrado, Carral, Bairro Latino, Sierra Maestra, Dien Bien Phu, Compostela, Sierra Lacandona. Ou a nomes concretos: Shakespeare, Revolução Francesa, Karl Marx, Rosalía de Castro, Irmandades da Fala, Longa Marcha, Rosa Parks, Congresso Nacional Africano, Alexandre Bóveda. Por isso constitui umha armadilha tentar opor nação e classe social e só desde o interesse interesseiro se pode dizer que agora é o momento de levar a cabo a luta contra o sistema em toda a parte e adiarmos a questão nacional. Isto, do ponto de vista da esquerda espanhola, cujo álibi é o do Internacionalismo e a identificação de todo nacionalismo com conservadorismo e atranco. 

Proponhamos umha brincadeira: para sermos coerentes, para desenvolver então essa luta fundamental, cumpriria adiarmos não só a questão nacional, mas também as questões ecologista, feminista, a luta contra a exploração sexual e pola soberania alimentar, a da PAH e a das preferentistas, a solidariedade co povo palestiniano e contra o sionismo, as questões, em fim, que são aderentes aos combates emancipatórios ou democráticos contemporâneos. Haveria que renunciar a todas estas lutas? Ou será apenas a luta de libertação nacional a única que se tem de adiar? Porque se a resposta á primeira pergunta é um sim e á segunda um não, então estamos perante um grave problema. Poderia-se perguntar a feministas, ecologistas, gays, lesbianas, pessoas ciganas ou pretas, lutadoras de esquerda contra a marginalização linguística e cultural, anti-homófobas, a sua opinião sobre se a resolução  dos seus direitos pendentes são questões a resolver “a posteriori”. Infelizmente já temos notável experiência no discurso, que hierarquiza a urgência e que, mais ou menos, enunciava: agora é urgente fazermos a revolução e após dela, os problemas nacionais, da mulher, do meio ambiente e outros terão ajeitada e fácil solução. Quem estabeleça, desde umha perspectiva de verdadeira esquerda, um balanço do até hoje conseguido não pode ficar contente. E poderia-se mesmo tirar umha conclusão: nenhum aspecto transformador que não esteja inserido no programa inicial de emancipação vai ser mais nunca inserido. Acho que não faz falta ser muito mais explícito. Questões como as antes sinaladas relativas á mulher, ao meio ambiente ou as nações sem estado constituem umha proba do que estou a dizer. E isto é assim porque, incompreensivelmente, se considerava e segue a se considerar que a luta de libertação nacional é umha peja no processo emancipador quando, em realidade, deveria-se considerar umha alavanca máis que ajudasse no desenvolvemento do dito decurso e no derrubamento do sistema. Por dize-lo nessa linguagem da que gostam, e eu não, os parlamentarios profissionais, a questão nacional não resta, soma. Quem resta é, de certo, quem tenta pó-la á margem e quem procurar oposição onde não mais que complementariedade, já que libertação nacional e outros fatores “prioritários” são duas faces da mesma moeda: a procura da justiça e a supressão da dominação. 

"Um projeto emancipatório, teimo, deve incluir todo tipo de emancipação e se não inclui a emancipação nacional, a de gênero ou da luta pola biodiversidade vai ser, simplesmene, um projeto de libertação parcial"

Por isso acho que é sintomático dumha forma de ver as cousas que Xoán Hermida pergunte Eu son soberanista ... e agora que?. Do respeito mais profundo polo seu artigo, terei a ousadia de afirmar que dita frase somente pode ser pronunciada, justamente, por quem não é soberanista, ao invés do que o título do artigo enuncia. Porque se essa frase tiver sentido, do ponto de vista dum soberanista, também o teriam frases como Eu sou comunista (ou ecologista, ou feminista) ... e agora que?, que jamais acostumamos escutar, do ponto de vista de comunistas, ecologistas ou feministas. Um projeto emancipatório, teimo, deve incluir todo tipo de emancipação e se não inclui a emancipação nacional, a de gênero ou a da luta pola biodiversidade vai ser, simplesmente, um projeto de libertação parcial. Por isso acho sintomático, e signo dumha dupla linguagem, que se admita o direito de autodeterminação mais que se afirme que "Cataluña não pode decidir o seu futuro unilateralmente porque forma parte do Estado e o resto de espanhóis também têm de opinar”. Essa frase só se pode fazer desde o imaginário espanhol, porque quem as pronuncia sabe bem que nem os ingleses vão votar no referendo de independência da Escócia, nem os canadianos o fizerom no do Quebec, nem os franceses no da Argélia. Por isso acho sintomático que se admita o direito de autodeterminação, mais que um possível referendo catalão deve ser ganhado por uma diferença notável, que abale entre o 70 e 80%, quando nem no referendo da chamada Reforma Política nem no da OTAN, nem no escocês nem em nenhum outro foi necessária tal vantagem. Eu acho irrelevante a recente noticia segundo a qual o PP não considera a hipótese de introdução no Senado do catalão, euscaro e galego, porque a nossa luta não se acha centrada no feito de que o Senado acolha ou não o nosso idioma. Ora, de novo, acho sintomática que a esquerda não considere dita hipótese porque “o fundamental agora é lograr um acordo o máis amplo possível para 'desencorsetar' o Parlamento e o achegar á cidadania”. Não deixa de ser surpreendente que, quem falarem duma sociedade complexa, tenderem á simplificação da mesma e desbotarem lutas colaterais que somam efetivos no derrubo da injustiça. Essa posição postula a incompatibilidade de ditos processos, social e nacional, como se o feito de se escutarem no Senado os falares galego, basco ou catalão afastar o parlamento da cidadania e lembra —perdoe-se a macacada— o dito que assegurava que o George Bush Jr. não era quem de caminhar e machucar chiclete ao mesmo tempo. E é que, para alem do dito, esta formulação do estado da questão —que, ao cabo, não vem sendo outra cousa que a questão do Estado— pretendendo ser, se calhar, aglutinadora é, no fundo, de natureza dissolvente, porque, justamente, divide a esquerda. Porque essa suposta luta frontal contra o sistema ignora um dos grandes problemas que hoje tem acima da mesa o Estado Espanhol: a rotura territorial, problema que se formula, com maior ou menor intensidade, desde o século XIX. Não parece mui democrático, nem sequer politicamente hábil, tentar levar a cabo um projeto estatal minorando, quando não ignorando, a entidade dos nacionalismos de esquerda basco, catalão e galego. 

"Acho incompreensiveis o afervoamento da defensa de Palestina ou Venezuela -que compartilho- e a ausência do mesmo entusiasmo quando se tratar das nações sem estado da Península Ibérica"

Se fazermos, aliás, um discurso estritamente de esquerda internacionalista, não da perspectiva do nacionalismo, acharíamos que esse fator identitário, patriótico —não confundir com patrioteiro, olho!— fica em primeiro termo no melhor dos movementos emancipadores do século XX. Acho que convém refletirmos na ligação entre pátria e luta popular e como a dita ligação fica expressada de maneira literal no berro de Sandino, pátria libre ou morte, que a Frente Sandinista tomou para ela própria, no Palestina vencerá da resistencia e da intifada ou na luta de FNL-“Charlie” contra os USA. Quem deixe vadiar os seus olhos sobre as páginas que Vo Nguyen Giap, general das forças do Vietcong, deixou escritas poderá ver o lugar que a entidade Vietnam-nação  ocupa no seu pensamento e não poderá deixar de emocionar-se perante a importância que para ele supunha o mantemento a qualquer preço da rota Ho Chi Minh: naturalmente, manter aberta a via de fornecemento de vitualhas e armas, mais, sobre todo, sustentar, simbolicamente, a continuidade territorial entre o norte e o sul, afirmar a identidade da pátria vietnamita. Por isso, mais umha, vez acho incompreensíveis o afervoamento da defensa de Palestina ou Venezuela —que compartilho— e a ausência do mesmo entusiasmo quando se tratar das nações sem estado da Península Ibérica. Mais umha vez devo lembrar a indefensível posição de Partido Comunista Frances e a sua radical oposição ao referendo de autodeterminação da Martinica, e cuja disciplina, no momento da votação, só romperam os deputados comunistas martinicanos na assembleia nacional francesa.

E não vale dizer que se respeita, admite e defende o direito de autodeterminação. Também as palavras afirmam que o PSOE é um partido federal, que Jesus Vázquez e Anxo Lorenzo praticam um bilinguismo amável, cordial, flexível, harmônico ou filharmônico, segundo seja o caso, e que Feijoó não conhecia os trabalhos de Marcial Dorado. O falar não tem cancelas, salienta o dito popular.

Com o meu sincero e profundo agradecemento a Teresa Moure e Elias Torres.

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