Opinión

O enigma do acomodo geostratégico (I)

"A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo 
sem lutar" (Sun Tzu, A arte da guerra)

Num artigo publicado em 1904 para a Royal Geographical Society, Halford John Mackinder criou o conceito do pivô geopolítico, localizado na Heartland, um território focado no centro da Eurásia, estendendo-se do Volga ao Yangtzé e do Himalaia ao Ártico. O Estado que controlasse a Heartland teria acesso aos mares abertos do Atlântico, Pacifico, Índico, Mar Vermelho e Mediterrâneo. Controlando a Ilha Mundo, desde Eurásia a África do norte, dominando os Montes Urais e o istmo de Suez.

Para evitar o domínio da Ilha Mundo por parte do poder Russo, os Britânicos utilizaram a estratégia da "anaconda", de contenção do Império Russo, domínio das suas fronteiras e tentativa de ir cercando o gigante euro-asiático até provocar o seu estrangulamento.  Uma etratégia ainda em uso por parte do poder ocidental actual, mas com menos força efeitiva. Para realizar esta contenção era vital controlar as Rimland, ou territórios limítrofes do poder Euro-asiático, como a China, Europa ou Oriente Meio. Segundo a doutrina de J. Spykman, domina o mundo aquele que é capaz de cercar Eurásia, não existindo, para Spykman, outra hipótese que o cerco da Eurásia pela América ou o cerco da América pela Eurásia. 

Com a perda do Afeganistão, aparenta os EEUU ceder parte do controlo do pivô geostratégico hegemónico em favor da China e Rússia, perdendo grande capacidade de cercar Eurásia. Ainda não podemos prever como vai a configurar-se o próximo cenário no Meio Oriente e que repercussões terá a retirada norte-americana do Afeganistão, em particular entre os países de maioria islâmica (sabendo que a comunidade muçulmana abrange perto do 1.800 milhões de pessoas). 

A retirada de tropas não significa directamente a retirada das equipas e serviços de inteligência. Um pequeno reduto do Pashmir, de etnia tayika, pode servir de base para incendiar de novo a zona. Porém, que Tajiquistão e Paquistão estejam mais interessados na oferta comercial e económica da nova rota da seda chinesa é algo que pode resultar num bom factor de estabilização, se souberem mover as fichas adequadas.Sendo o Irão já membro da Organização de Cooperação de Xangai (e tendo a China intenções de investir perto de 400 mil milhões de euros em infraestrutura no país para garantir o petróleo necessário para a sobrevivência da sua industria em expansão); sabendo do corredor geostratégico Irão, Paquistão (que oferece saída ao mar à China, livrando o escudo ocidental de pressão sobre os mares orientais); somando agora o Afeganistão, num cenário de estabilização da região, favorecer-ia eminentemente os interesses geopolíticos de Pequim e Moscovo, como a activação dum poder Euro-asiático, que pode mesmo afectar a posição privilegiada de Israel.

Algo que Ocidente vai tentar evitar.

Ocidente deve, pois, manter a pressão sobre o Oriente Meio, pois a virada do pivô geopolítico pode afectar seriamente a hegemonia global do império ocidental. Mesmo uma virada geopolítica da Índia, firme aliada de Ocidente mas sempre com a mão tendida a Moscovo (de cujo armamento mais se nutre) seria uma possibilidade a longo prazo, em caso das grandes rivalidades com a China ser suavizadas pela Rússia, no seio dos Brics. O mercado indiano, similar em dimensões e expansão como o chinês (ainda que não tão regulamentado e firme), não pode ser deixado de lado pelo Ocidente. Assim, a Índia se torna prioritária para uma aliança de confronto com Pequim. Sendo Austrália, Japão, a Grã-Bretanha (virada a favor da Commonwealth, uma vez retirada da Europa) e o Coreia do Sul, o muro de resistência contra a China, em aliança com o Vietname comunista. 

Desde a implosão do poder económico ocidental em 2007-2008 (bolha que atingiu Wall Street e Londres, significando a quebra do máximo biológico de expansão imperial), a contracção inerente começou a deixar espaços vazios onde novas potencias se começaram a situar. Tendo Afeganistão sido o ponto de investimento de 5 Impérios (Persa, Grego, Mongol, Britânico e Soviético), não seria estranho imaginar o derrubo final do Império Ocidental a partir da queda "eminente?" dos EEUU... Mas como sempre não devemos adiantar acontecimentos, no entanto existem já dados muito preocupantes sobre a saúde real dos Estados Unidos.

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