Opinión

The Revenant, explícito e vazio

Entendemos que o Cinema mundial anda de capa caída quando lemos por aí as críticas ao grande blockbuster de 2016, que Hollywood tão árdua e dedicadamente tem cultivado. The Revenant, o último filme do mexicano Alejandro González Iñárritu, é, sem dúvida, o pior filme do realizador, principalmente depois de nos ter oferecido verdadeiras pérolas como Amores Perros, Biutiful ou até, mais recentemente, BirdmanThe Revenant tinha tudo para dar certo mas não passa, infelizmente, da expressão vã e vácua de um imaginário masculino ultrapassado, baseado na violência gratuita e explícita, no individualismo extremo e no elogio da vingança.

Se estivermos de acordo em que o grande cinema é aquele que coloca o aparato de produção e o virtuosismo técnico ao serviço de uma boa estória, aqui saímos da sala de cinema com uma triste sensação de desapontamento. Em The Revenant, a câmara é, de facto, revolucionária, com a Direcção de Fotografia assinada pelo mexicano Emmanuel Lubezki, o génio da cinematografia que está por trás dos filmes A Árvore da Vida, de Terrence Malick, e Birdman, do próprio Iñárritu. Só que Iñárritu não é Malick. Iñárritu nem sequer precisa de ser Malick.

The Revenant tinha tudo para dar certo mas não passa, infelizmente, da expressão vã e vácua de um imaginário masculino ultrapassado

Um dos problemas neste filme é que a fotografia, a pujança da natureza captada pela grande angular, os eloquentes planos sequência e o flutuante ponto de vista que atravessa o espaço como se estivéssemos lá não são suficientes para compensar a ausência de argumento e de profundidade de que padece The Revenant e os seus personagens.

A saga de Glass (Leonardo DiCaprio), o pai que depois de assistir, impotente, ao assassinato do seu filho, desafia a própria morte e a natureza mais hostil alimentado pela sede de vingança, deixa muito a desejar. Há, por um lado, muitas lacunas no guião, que não cria os tempos necessários para aprofundarmos na psicologia dos personagens, excepto através de flashbacks de chichés sussurrantes, que não chegam para empatizarmos com o sofrimento emocional de Glass, para além do óbvio: pois será sempre trágico um pai assistir à morte de um filho.

Do início ao fim, o filme é um desfile de episódios de violência física. É certo que a violência faz parte do mundo, mas a questão aqui é como ela pode ser tratada. É justamente esta espécie de elogio à violência, fetichista, explícita e hiper-realista, que faz deste filme um pobre e barulhento exercício cinematográfico. Uma violência que tantas vezes se esbanja gratuitamente, perdendo assim o sentido e a força, numa vaidosa ostentação de recursos técnicos. Não se trata de ser contra a exposição da violência nos filmes, mas sim de como isso se faz, com que justificação e propósito. Caso contrário estamos perante uma banalização da brutalidade, do estupro, da mutilação, da decapitação, do genocídio e da guerra, que não acrescenta nada de bom aos nossos dias.

É justamente esta espécie de elogio à violência, fetichista, explícita e hiper-realista, que faz deste filme um pobre e barulhento exercício cinematográfico

Por vezes, parece que vivemos na era da hiper-exposição das entranhas, da morte bruta, fria e rápida. Como bem lembrou Carole Cadwalladr, na sua dura crítica a The Revenant no jornal britânico The Guardian, a brutalidade dos vídeos do Estado Islâmico nada mais é do que uma simplificação inspirada nestes enredos de Hollywood, em séries como Game of Thrones ou outros sucessos do entretenimento audiovisual dos nossos dias, que levam a violência ao limite do possível.

The Revenant é uma história de homens. Homens brutos, solitários, violentos, vingativos. Os personagens femininos do filme, além de serem pouquíssimos, são mulheres passivas, vítimas semi-mudas da violência, como os animais de caça. O filme vive desse fetiche masculino da luta pela sobrevivência, do confronto épico entre o Homem e a Natureza, da justiça pelas próprias mãos, com um breve intento atrapalhado de evocação da justiça divina.

Sempre fui fã dos filmes de Iñárritu e nem me importaria que DiCaprio ganhasse o Óscar de uma vez por todas. Mas se a Academia premiar The Revenant, como tudo parece anunciar, será o triunfo desnecessário e vergonhoso da vaidade sobre a arte, a vitória da ostentação de meios técnicos sobre a criatividade, e a premiação de um tipo de cinema que se esqueceu definitivamente do poder da sugestão. Mostrar tudo, no cinema, não é perceber tudo. Mostrar tudo converte-se, muitas vezes, em esconder o mais importante, o mais transformador, o mais revelador. A banalização da violência não nos ensina nada sobre a violência. Pelo contrário.

Nota de Sermos: Este artigo viu a luz em RedeAngola.Info o 9 de Fevereiro, antes da entrega dos Óscars. Finalmente DiCaprio si ganhou o prémio, não assim The Revenant, sendo superada por Spotlight.

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