Opinión

Democracia em Xeque

Ontem [o artigo foi redigido esta passada terça feira, escassas horas após os ativistas angolanos serem condenados]  a Justiça angolana escreveu mais uma página de vergonha e indignação na História do nosso país, depois de anunciada a sentença dos jovens activistas do caso dos “Quinze Mais Duas”.

Num exercício de total honestidade e em plena informação sobre o assunto, dificilmente haverá alguém, entre os 25.789.024 cidadãos que o censo contou, que negue o carácter político da decisão do Tribunal. Trata-se de uma violação da separação de poderes, um julgamento político daqueles que, no exercício dos direitos consagrados na Carta Universal dos Direitos Humanos e na Constituição desta República, ousam pensar diferente, ousam criticar o Governo e exigem uma Angola mais justa.

Ao longo destes meses cansados, fomos observando as inúmeras irregularidades deste processo. Vimos, em primeiro lugar, uma acusação grave que nunca foi comprovada com factos. Vimos como se aplicaram medidas desproporcionais de prisão preventiva. Vimos os prazos das mesmas serem desrespeitados. Lemos sobre a falta de assistência médica enquanto estiveram detidos, ouvimos sobre as agressões físicas e psicológicas que sofreram, assistimos ao desespero das suas famílias e à maneira como as vigílias de solidariedade foram reprimidas assim que possível, num esforço evidente de silenciar qualquer apoio aos activistas.

Vimos a imprensa internacional bradar aos céus que em Angola não se respeitam os Direitos Humanos mas também notámos quando se esqueceram. Vimos greves de fome – e continuamos a vê-las, no 20º dia sem comer de Nuno Dala –  que ameaçam a vida dos jovens, deixando os mais sensíveis com o coração nas mãos durante dias.

Mas nada se compara ao que vimos ontem. Ontem, vimos um tribunal submisso ao regime político vigente, provocando em nós uma total falta de confiança no Estado Democrático de Direito. Assistimos, estupefactos, à progressiva dissolução dos contornos democráticos do sistema político angolano, pondo em xeque os nossos direitos e garantias jurídicas, através de um processo judicial aleatório, com sucessivas auto-emendas de finalidade repressiva.

Vimos um tribunal submisso ao regime político vigente, provocando em nós uma total falta de confiança no Estado Democrático de Direito

Se houve a oportunidade de ser a Justiça a equilibrar uma deriva autocrática em Angola, apostando num último nutriente chamado independência judicial, ontem perdeu-se uma oportunidade de ouro.
Diante das penas pesadas, que a Defesa já anunciou que irá recorrer, faltou o mais importante, principalmente dada a gravidade da acusação. Faltaram as provas.

Será que alguém sabe que factos comprovam a acusação de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”? É possível que praticamente toda a linha da acusação assente na ideia tão frágil do “Governo do Facebook”? Era, realmente, crucial que houvesse provas decentes que justificassem todo este aparato desmedido: razões, argumentos, motivos para acreditarmos que a ordem pública de um país que investe mais em Segurança do que em Educação e Saúde juntas estava realmente comprometida, caso o grupo seguisse com os seus clubes de leitura de livros “subversivos” e encontros para criticar o Governo.

Não era preciso chegarmos até aqui. Mas no meio de tanta turbulência, continua a ser imperioso manter a calma, apesar de tudo, pois os combates de ideias devem basear-se no respeito mútuo e na honestidade. Aos combates de ideias basta-lhes a palavra, palavras como “paz”, palavras como “liberdade”, palavras como “justiça” e “igualdade social”, palavras como estas que escrevo, num dia triste como este. São dias tristes e decepcionantes para todos os angolanos que anseiam por um país realmente justo, realmente democrático, realmente livre, com espaço para todas as opiniões, para todos os livros, para todos os debates, para todas as ideias. Um país plural, inclusivo, sem medo do futuro.

Faltou o mais importante, principalmente dada a gravidade da acusação. Faltaram as provas

O sonho da paz foi ontem adiado, pois não há paz sem liberdade, sem confiança no Estado e na Justiça, não há paz sem democracia. E não há democracia sem justiça social. Angola é hoje um país que precisa urgentemente de travar essa fronteira que nos divide: de um lado um Governo cego e surdo, do outro um país desperto, não resignado mas consciente da sua própria vulnerabilidade, dentro e fora dos muros das siglas.

Hoje e durante os próximos dias, importa esclarecer e cuidar do estado de saúde de todos os presos, em especial de Nito Alves, que se mostrou visivelmente fragilizado na leitura da sentença, e de Nuno Dala, há vários dias em greve de fome e que nem sequer compareceu à sessão. Nunca é demais lembrar que é responsabilidade do Estado prezar pela integridade física de todos eles. Seria importante ainda que todos os activistas regressassem à prisão domiciliária enquanto se resolvem os pedidos de recurso.

Condenados que estão os corpos, fora das grades dormiram esta noite as suas ideias, à espera de acordar num país novo, livre e igualitário.

Este artigo viu a luz originariamente em RedeAngola.Info

Comentarios