Opinión

Metodologia Pankhurst contra a mais-valia acumulada

Nunca crim na falácia de que o feminismo era um movimento...


“Para ele, ela era umha mercancia fragmentada cujos sentimentos e eleçons rara vez eram consideradas: a sua cabeça e o seu coraçom estavam separados das suas costas e maos, e a parte da sua matriz e vagina. As suas costas e os seus músculos estavam insertos no campo de trabalho [...] as suas maos exigíase-lhes cuidar e nutrir o homem branco[...] A sua vagina, empregada para o prazer sexual dele, era a porta de aceso à matriz, lugar onde ele fazia inversons de capital. O acto sexual era a inversom de capital e a criança que resultava dela era mais-valia acumulada”.

Barbara Omolade, 'Heart of Darkness', 1983.

 

Nunca crim na falácia de que o feminismo era um movimento nom violento. O feminismo é algo que te sacode de súpeto, sem permissos. Arrasa com toda a tua realidade levando por diante a quem seja e che explota com a verdade na cara, sem contemplaçons nem delicadezas, até deixar-te sem alento. Pessoalmente nom sou capaz de conceber algo mais violento. Deliciosa violência.

"O feminismo é algo que te sacode de súpeto, sem permissos. Arrasa com toda a tua realidade levando por diante a quem seja e che explota com a verdade na cara"

Corroe-me essa reapropiaçom patriarcal da luita feminista que pretende fazer crer que os direitos das mulheres foram acadados mediante a evoluçom natural dos povos ilustrados e nom como resultado da intensa loita e desobediência. Com contundência e ressurgência. Com as vidas perdidas (e atopadas) no percurso. Acaso Funmilayo Ransome-Kuti ajudou derrotar o governo colonial britànico mediante a contemplaçom? Josina Machel participou na Fronte de Liberação Moçambicana tam só com a arma da doçura?  As mulheres do Ejército Sandinista de Liberación estavam imersas na teorizaçom feminista?

Outro exemplo, desta vez europeu topamo-lo nas suffragettes de principio do século passado. As Pankhurst caracterizarom-se  pola sua radicalidade e por centralizarem a luita feminista na rua. Emily Wilding Davison morreu em 1913 derribada polo cavalo do rei Jorge V com a sua faixa a prol do direito ao voto feminino baixo o braço. Nesse mesmo ano a casa de campo do Ministro de Economia e Fazenda foi incendiada por un cóctele molotov para reivindicar a emancipaçom política das mulheres da época e das do futuro; é dizer de nós. Seriam tempos de cadeia, greves de fame e alimentaçons forçadas. Nom o podemos negar, nom somos submissas, somos filhas da violência. E isso é precisamente o que lhes doe. 

Exactamente cem anos depois as mulheres, categorizadas e entendidas como as receptoras da opressom da hegemonia capitalista heteropatriarcal, topamo-nos reclamando ainda a emancipaçom política dos nossos corpos.  E dentro dessa petiçom está o direito a decidirmos sobre a nossa (nom) maternidade. 

"Acaso Funmilayo Ransome-Kuti ajudou derrotar o governo colonial britànico mediante a contemplaçom? Josina Machel participou na Fronte de Liberação Moçambicana tam só com a arma da doçura?  As mulheres do Ejército Sandinista de Liberación estavam imersas na teorizaçom feminista?"

 

Para quem nom goste das metáforas abstractas, sempre lembrarei dumha anedota surdida no trabalho, num desses centos de contratos-lixo que tivem (e tenho como boa proletaria do meu tempo). Recem concluira os meus estudos da universidade e alí estava, num cocho de 8m² na triagem, classificando pacientes segundo gravidade na entrada de um serviço de urgências. Fazia muitíssima calor, e nem o ventilador nem as bebidas isotônicas valiam de nada depois de doze horas alí metida. Entom tocou-lhe a quenda a aquela rapaza que acudia ao hospital por umha suspeita de aborto. Logo das perguntas correspondentes havia algo na anamnese que nom encaixava. Umha peça que nom era quem de identificar por muito que repassara mentalmente os apontamentos da facultade. Finalmente os minutos estipulados por consulta, o resto de pacientes aporreando a porta porque entendiam que estava a demorar muito na sua atençom e porque nom dizé-lo, a minha inexperiência fixeram que me decantasse por un aséptico 'metrorragia em gestante de 6⁺⁵ semanas' e a derivasse diretamente ao serviço de ginecologia.

Hoje, quase dez anos depois com outro tipo de conhecimentos que nom oferece a universidade podo dizer com total seguridade que estava ante um aborto caseiro. E que as discordâncias da paciente eram as próprias dumha mulher atopada na incerteza de acudir ao centro sanitário no tempo justo, na fronteira exacta entre o desprendimento do cigoto e a salvaguarda da sua saúde.

"O imaginário da rapaza irresponsável deu passo a mulher de 38 anos que estava em trámites de divórcio, a mulher de 35 que sofria maus tratos, a de 25 que nom tinha nem ideia de qual era o nome do dono do gameto masculino, o homem de 30 que casualmente tinha um útero..."

Posteriormente nos Puntos de Atención Continuada de toda Galiza, em tempos que a pílula poscoital se dispensava alí, o imaginário da rapaza irresponsável deu passo a mulher de 38 anos que estava em trámites de divórcio, a mulher de 35 que sofria maus tratos, a de 25 que nom tinha nem ideia de qual era o nome do dono do gameto masculino, a de 28 que desejava ser mai mas ficara sem emprego, o homem de 30 que casualmente tinha um útero, a rapaza de 15 que nom tinha o suficiente empoderamento para pedir ao seu companheiro sexual que empregasse um condom... E muitas mais que tiverom a bem, acertadamente, nom dar-me nenhum tipo de explicaçom. Foi deste xeito, sem ánimo de comparar o aborto coa toma da chamada 'pílula do dia depois', como empiricamente figem um estudo que nunca me publicaram em The Lancet nem me puntuará para nenhum concurso-oposiçom: 
 

  • Conclussom I: O perfil de pessoas usuarias da pílula postcoital é qualquer pessoa que tenha um útero potencialmente fértil.
     
  • Conclussom II: o controle da natalidade ainda consiste num reduto de poder para a causa feminista de difícil manejo polo patriarcado e o sistema capitalista.
     

De socato todo isto desapareceu da práctica diaria laboral: casualidade ou a lei orgánica 2/2010 (com as clínicas privadas de protagonistas)?

No ano 2014 seica se leva o vintage e com elo o revival da 'caça de bruxas' na que as profissionais da saúde seremos perseguidas polo estado e queimadas nas fogueiras da sua democracia. Como mulheres treinadas na sororidade e com conhecímentos sobre a saúde topamo-nos na obriga de que nom convirtam a nossa mao de obra na cumplicidade patriarcal.

"No ano 2014 seica se leva o vintage e com elo o revival da 'caça de bruxas' na que as profissionais da saúde seremos perseguidas polo estado e queimadas nas fogueiras da sua democracia"

Namentres o povo se pom de acordo ou nom em fazer a revoluçom, nossoutras nom devemos/nom podemos aguardar, as filhas que nom temos nom esperam. Teremos que aceitar que a cadeia se presenta neste novo ano como um cenário factível, como peagem paradóxica na consecuçom da nossa liberdade individual e colectiva. Em 1908 Emmeline Pankhurst dixo ao jurado que a condenava: 'Estamos aqui nom por quebrantar as leis, mas polos nossos esforços em criarmos novas leis'. Estamos aqui, porque dizemos NOM! a sermos vitimizadas polos nossos próprios verdugos, a sermos consideradas meras produtoras de mais-valia. Por considerar-nos seres humanos de pleno direito. Pessoas emancipadas.

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