Opinión

Mundo maquinábel, de Táti Mancebo

Mundo maquinábel oferece petiscos da vida comum à luz de uma perspetiva mágica e misteriosa


Mundo maquinábel [disponível na nossa loja, nota de Sermos] oferece petiscos da vida comum à luz de uma perspetiva mágica e misteriosa, de modo a revelar-nos nos pequenos fatos da existência o sentido oculto da vida, a autêntica, substanciosa e profunda que corre sob a superfície do quotidiano.

O mundo torna-se «maquinábel» porque aquelas energias tão simples ou vulgares podem ser entendidas como manifestação de uma poderosa máquina que, por ação e inação de alavancas e processos ocultos, produz as realidades que percebemos como nosso destino. Assim, tudo o que existe se comporta como o que é devido ao misterioso funcionamento da grande máquina universal que dá lugar ao mundo. É uma perspetiva de partida mais mecanicista do que espiritual, e porém esotérica à vez que materialista.

Neste poemário de Táti Mancebo floresce, no quadro destas energias irrefreáveis, uma rebeldia patente, um afã contestatário

Entre as experiências fundamentais da vida figuram percepções básicas como o «frio» (“O frio é o que primeiro se esquece”; “E aínda me pergunto quanto frío son capaz de atesourar”), o «percurso vital» (“Atravesamos unha ponte que desaparece ao noso paso”), a «incerteza perene» (“Cheiráballe tanto a súa confusión”; “Unha dúbida marca o movemento”) e a “experiência do outro” (“Ti devólvesme o eu multiplicado”).

Mas neste poemário de Táti Mancebo floresce, no quadro destas energias irrefreáveis, uma rebeldia patente, um afã contestatário que visa valorizar os sucessos atingidos e promover um controlo, ao menos parcial, do funcionamento da grande máquina: “[…] creamos a noite. / Faceis ben a nos temer”. Surge deste modo a presença do inimigo e a vontade de luitar contra a injustiça, de procurar um lugar para evoluir (“[…] ansias de atopar un lugar entre as serpentes”); e a par do inimigo o colaborador na procura da transcendência: “Promete que me venderás a túa alma a prezo de amigo”.

En definitiva, este poemário fala da dimensão transcendental de aqueles fatos breves constantemente repetidos, da importância da intenção mais do que a da ação. E de como as perceções, por erro, tantas vezes nos ocultam a verdadeira maquinaria do mundo em que vivemos. É um apelo sincero para uma nossa maior atenção aos pormenores, até porque as realidades mínimas da vida têm com frequência um significado colossal.

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