Opinión

Português da Galiza... vaia parvada

Eu nunca pensara nisso do português da Galiza, mas no ano 1994, o Conselho da Agal presidido por Maria do Carmo Henriquez Salido, decidiu organizar o V Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Seria em Vigo para o ano seguinte (o congresso foi-se demorando e teria lugar entre o 28 de outubro e 1 de novembro de 1996). Eu era membro do Conselho e residente em Vigo, e isso deu lugar a que algum trabalho específico me tocasse. 

Tivemos um dia um encontro com quem não era membro do Conselho, mas grande e eficiente colaborador em tudo, Martinho Monteiro Santalha. Lá estavamos numa cafetaria ele, Maria do Carmo, eu próprio,  acho também que Pedro Fernandes Velho e duas ou três pessoas mais, das que infelizmente não são quem neste momento de decorar os nomes.  Após tratarmos as questões que urgiam, a cousa entrou numa conversa demorada e lá saiu o assunto dos dous bem interessantes e importantes livros da editora lisboeta Sa da Costa, a  ver com a língua na Galiza. Um de Manuel Rodrigues Lapa Estudos galego-portugueses: por uma Galiza renovada.  Outro de Ricardo Carvalho Calero, Problemas da Língua Galega.

Martinho, manteve sempre um relacionamento muito estreito com Dom Ricardo Carvalho Calero. Eles trataram de todo o tipo de assuntos e compartiram muitas das suas propostas bem antes de serem publicadas.

Estava pois falando o Martinho, e respeito desse livro de Carvalho, e afirmou: Carvalho repetidamente susteve que ao colocar a intitulação enganou-se,  pois teria que se intitular Problemas do Português da Galiza.

Fiquei abalado, seguim escutando o que afirmava Martinho com muito interesse.

Dizia ele, para Carvalho  o termo galego, numa língua internacional, e para leitores instalados no português, era nadar contra corrente, pois exige muito esclarecimento, impossível de fornecer em todo o lado, e não a simpleza heurística, que como aponta Guilherme de Ockham e a sua navalha, e a verdadeira base do método científico.

Esse metodo aplicado a qualquer proposta que se fizer no campo da língua ou de qualquer outro campo, é chave do sucesso da proposta. E na Galiza levamos tempo demais botados a lutar contra as mais fortes correntes, sem examinar com a navalha de Ockham, qual é o jeito mais apropriado e simples para o sucesso.  Infelizmente, de um jeito ou outro sempre se acaba aceitando a taxonímia que o estado impõe, e desde ela questionando-a, o que faz impossível o sucesso ao lutar contra uma corrente poderosa e bem instalada.

Com o do português da Galiza e esse esclarecimento de Martinho, eu vim como uma luz, de facto passei dias e dias a remoinhar o assunto mais ou menos pela calada.

Na Galiza vimos duma tradição galeguista que nasce no século XIX, que para a língua gosta da designação galego-português, tradição que ssegue Agal, e todo o reintegracionismo, e eu próprio, como todos, os que bebem nessa tradição, e que bem esclarecia a intitulação desses congressos internacionais da língua galego-portuguesa na Galiza.

Essa tradição fora trucidada na transição (transição da ditadura a democracia, que mais que transição era transação) pela proposta espanhola do ILG (abençoada pela RAG)

Essa tradição de chamar a língua de galego-português, estava dizendo que a língua era uma só.

Carvalho, como todos os galeguistas que procediam da sua formação na época repúblicana inseria-se de jeito pleno nessa tradição.  Ele que foi o primeiro catedrático da nossa língua na Universidade Compostelã e que fez não pouco esforço na sua institucionalização universitária, não esqueçamos que não era catedrático de galego, se não catedrático de galego-português.

Aposentado Carvalho e chegado Fraga ao governo, o ILG muito argalhou para acabar com essa denominação, que é contrária, ao virus que representam, em palavras de Carlos Quiroga, e pronto, antes de rematar o primeiro ano de Fraga, uma Ordem da Junta, mudava o de galego-português a galego e português, mas o ILG seguiu argalhando até  que o português desapareceu.

No ano 1996 coincidim num ato com Dom Antom Fráguas, um dos poucos galeguistas “históricos” que era ainda uma ligação viva com o galeguismo de ante.guerra, e que seguia a pesar da sua idade bem avançada muito lúcido. Era de conversa amena e agradável. Na conversa perguntei-lhe: Que acharia de chamar a língua da Galiza, português da Galiza?

Olhou para mim abraiado e diz-me: Vaia parvada. Durante muito tempo foi aceite o de galego-português que agora já não está na moda, mas como criadores da língua, seriam os portugueses os que teriam que chamar a sua língua galega.

Tentei esclarecer que a Galiza criadora da língua, não foi a Galiza administrativamente espanhola, se não uma Galiza bem mais grande, que ia bem mais ao sul, e esses galegos, que em palavras de Herculano eram os criadores de Portugal (Entrevista no jornal do Porto Primeiro de  Janeiro, 187 e algo. Citado por António Sérgio em Breve Interpretação da História de Portugal), tinham todo o direito a colocarem o nome do estado à língua, acaso os castelhanos não andam a fazer o mesmo.

Mas ao homem o assunto o incomodava, e acabamos a conversa.

No meu relacionamento com portugueses descobrim bem deseguida que o de português da Galiza, conetava com grande força; e reparei de seguida que o nome galego-português, que forma parte das matérias que se estudam em Portugal, fai refeência a textos antigos devido a professora alemã Carolina de Michaëlis ,  quem achou mais útil de chamar aos textos da primeira etapa da língua de galego-portugueses, em vez de aclarar que o português nos primórdios do reino se chamava galego.

Chamar a língua da Galiza em Portugal ou em qualquer outro lugar do espaço internacional da nossa língua, português da Galiza, gera uma empatia desde o início que voa por cima incluso da qualidade e modelo de língua, entanto que galego, ainda se escrevendo exatamente com a mesma orthographia, cria uma barreira, do tipo mas se é galego...não é português, e vamos a achar diferenças. E claro esse termo galego sempre precisa de esclarecimento.

No ano 2000 ou 2001 assistia eu (e uns quantos galegos mais) a um encontro sobre função pública no quadro normativo europeu no salão da Escola de Administração pública (INAP) em Mdrid. Lá falava o responsável sueco (usou inglês), a Diretora geral da função pública de Portugal, e o Secretario de Estado da administração espanhola Ignácio González (quem viria a ser certificado, andando o tempo, como mais um grande corrupto segundo modelo PP).

Com a Secretária geral de Portugal (da que infelizmente não lembro o nome) tivem longa conversa antes do ato, ainda que tinha a palestra preparada em inglês ia usar o castelhano por deferência ao público.  Convenci-na de fazer a palestra em português. Dizia-lhe achas que si se deslocarem a Lisboa para falar algum do estado espanhol usaria o português, diz-me, não. E além disso fornecia o INAP tradutor de português castelhano, e auriculares para escutar.

Foi a tradução mais horrível que achei na minha vida a palestra estava entupida de falsos amigos, por exemplo reforma, -referido a jubilação- e o tradutor dizia reforma, de facto ninguém entendeu muito do que ela diz.

Havia logo um turno de perguntas e eu aproveitei que havia tradução de português para fazer-lhas na minha língua. 

Erguim-me, trazeram o microfone, e comecei, Voi hazer una pergunta a la senhora Diretora geral, e aprovechando que hái traducion la voi hazer como galhego em mi lengua, el português... Foi dizer portuguès e na Sala erguerom-se vozes iradas e berros, que dificultou o seguir com a pergunta... Berros do tipo “tu eres galhego, que es esso de português”... aguardei a que se calmara a cousa e esclarecim no português da Galiza...Após o esclarecimentoi aquilo era um escândalo ainda maior.

Aguentei bastante templado. E quando acabou a sessão e saim para fora, fum arrodeado duma dúzia de pessoas, e mais que andavam a pedir-me esclarecimentos, como podia ter declarado aquela burrada. Achavam que vinha de cometer um delito de lesa pátria. Estava na palestra o amigo José Manuel Outeiro (quem participara e argumentara comigo na conversa com a diretora geral para que fize-se  a palestra em português), e com o seu estilo firme e calmo apareceu para me defender. Estavam outros galegos incluso algum com cargo de partido nacionalista, mas ficaram calados, e tudo o que chegaram a dizer era do tipo o Alexandre és como és...

Percibim muito claro que essa denominação remove a política espanhola de nacionalização do galego, entanto este não desaparecer como língua regional da Espanha, e só da Espanha, de jeito bem simples e sem muito trabalho (como diz Momam, como é que nenhum grupo político, tem nunca reclamado a existência do galego em Portugal, nem sequer em Castro Leboreiro ou nos Tras os Montes, e como é que um Xocas -Joaquim Lourenço- podia dizer na república, que no Baixo Límia falavam igual que em Lindoso e Soajo, português e hoje a raia é a exata raia de duas línguas?).

O nome certo é a primeira alavanca de sucesso, e aquele que não precissar de esclarecimento dada a sua transparência é o melhor. Que o estado não goste, é como certificar a sua força.

Sobre a importância das denominações e não aceitar as suas toxonímias, eis um caso bem interessante. No mês de junho a começos houve uma intervenção no Congresso espanhol, acho que duma deputada de Junts, que começou falando em Catalã, e a presidenta Maritxell Batet, cortou-lhe a palavra...Aqui há que usar a língua comum de todos, o espanhol, isso  acompanhado com as expressões de fúria e berros de partidos  da direita e da direta extrema. Porém a deputada catalã, acho que de Junts, respostou à presidenta do Congresso em Catalã, eu estou a falar todo o tempo em espanhol, e penso seguir falando em espanhol.

A presidenta ficou descolocada com essa intervenção, fez uma consulta com os secretários e com assessores, e ao cabo dum bocado diz, a única língua que se pode usar no Congresso, é a que estabelece como oficial a Constituição, o castelhano.

No dia 21 de junho houve um acordo de todos os deputados dos países com língua nacional, de reclamarem a presença das suas línguas no Congresso. E foram cortando-lhes a palavra. Aqui em castelhano. A palavra espanhol não se voltou a escuitar no Congresso desde aquela, nem sequer quando Nestor Rego na sua intervenção falava do espanhol. Desde aquela, no Congresso ao castelhano se lhe chama castelhano, nos termos legalmente estabelecidos, língua imposta a outros territórios e não língua comum e natural do estado.

Espanhol é uma apropriação, um usar a força da corrente de jeito bem simples. (As denominações não podem ser boas para eles e a vez para ti, algúm está enganado que diria Sun Tzu)

Essa declaração de espanhola leva o corolário de somos  espanhóis falamos espanhol....e já te obriga a esclarecimentos contra a corrente. Sem entendermos que um pode reclamar-se espanhol como fazia Camões mas isso contrapondo-o a domínio castelhano, por isso eu prefiro a denominação Castela/espanha, mais transparente mais real, pois a Espanha funciona como um estado étnico castelhano, em todas as questões de fundo desse estado; por isso o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha está formado por castelhanos, mas não só esse, e podem se pôr inúmeros exemplos.

Se um pertence a uma comunidade nacional, onde o nacionalismo é muito profundo, e o sentido de pertença a Espanha, muito escaso, um pode usar a denominação de espanhol, pois o público alvo entende bem o conteudo da mensagem. Se um pertence a Galiza onde a identificação como não espanhois, não supera o 10 por cento da população, ao aceitar essa denominação, essa corrente, não se consegue o objetivo, pois o público alvo está sendo arrastado pela corrente.

Impulsionado por Chrys Chrystelo e a sua esposa Helena, nasceram os Colóquios da Lusofonia, em 2002, e neles realizou-se um grande contribuno ao relacionamento da Galiza como iguais com o resto de espaços que formam a Lusofonia.

Nos Colóquios obviou-se o que é óbvio e não se discutiu de nomes, no sentido do que pensava Carvalho Calero; o português da Galiza, (pt-gz) foi um português mais como é o pt-br, ou o pt-an, ou pt-ti etc etc, sem perder nada de seu.

Nos Colóquios colocaram-se as primeiras pedras para o nascimento da AGLP (Academia Galega da língua Portuguesa), e foi desde os Colóquios onde se fizeram os alicerces, para essa Academia ser reconhecida como igual, por todas as demais academias lusófonas que trabalham com a língua.

Os colóquios foram a chave para abrir o IILP à Galiza, aos reintegrantes, por cima das estruturas de estado etc etc. e todo isso funcionou por a questáo mágica de chamarmos às nossas falas com o nome com o que elas são conhecidas internacionalmente.

Temos acaso mais direito nós sobre a língua que o que tenhem os galegos que construiram Portugal?.  Como dizia Murguia em1891 nos Jogos Florais de Tui: Nós não podemos pagar e deixar de agradecer tudo o que fez Portugal pela nossa língua, que seria de nós sem eles.

Quando estivem de Presidente da Agal, no relacionamento com a Lusofonia e de jeito especial com Portugal, usei sempre como nome dela português da Galiza.

E qual foi o resultado?, um interesse, empatia e solidariedade de todos os lados, inimaginável, inacreditável. Um dia achei-me com o dinámico e emprendedor José.R. Pichel, fora um encontro ao acaso. Ele acabava de chegar de Lisboa.  E perguntou como o figeches?, está a Galiza e a sua língua em todos os meios, peguei na rua dous jornais gratuitos e falavam também da língua na Galiza e seus problemas.

A cousa era muito simples, a AGAL informava, mandava comunicados, tinha os meios portugueses como elemento chave de dar informação, e nos sempre falavamos da situação do português na Galiza.

Henrik Brandão Jonsson, é um sueco que se namorou de Portugal e a Lusofonia, e escreveu este simpático livro Os 7 Pecados Capitais da Colonização Portuguesa. Diz que há uma cousa muito simpática, todos os lugares que foram colonizados por portugueses são muito mais tolerantes que os outros. Como os galegos, que somos mais tolerantes que os castelhanos. 

Quando foi a recuperação da independência de Timor Leste, ele estava em Cabo Verde e ficou impresionado pela alegria que havia em todos por isso.  Ele sabia como se vivia o submetimento de Timor-Leste a Indonésia, como algo muito doloroso para os portugueses, e o trabalho fantástico que fez a muito eficaz diplomacia portuguesa.

A Galiza sob Castela/espanha tem muitos problemas, estamos numa situação de esmagamento e opresão onde não tem dado certo nada do que se fez. Portugal tem de parceiro peninsular Espanha é a Galiza até se pode perceber como um problema para eles, um problema não pequeno para Portugal, mas a solidariedade que gera afirmar a nossa condição da nossa língua é português da Galiza, é brutal, e além disso fica desmontado todo o processo da estatalização linguística, pois o português náo é língua espanhola do estado.

Dizia Carlos Quiroga nesta entrevista que há um virus que esta matando o galego, e que se chama ILG, e por cima da sua atividade que pode ser até interessante olhada desde a distância, é demolidor de cara a se construir um projeto de verdade e de futuro.

Esse virus está incutido em universidades e sistema de ensino com grande força, e se para o virus o de galego-português da tradição galeguista, que tão bem representava Carvalho Calero era anatema, e era anatema até o ponto de reescreberem a história da matéria galego-português na universidade compostelana. O termo português da Galiza funciona para eles, como para os espanhois exaltados de Madrid que citava antes, como um poderoso antibiótico, pois sentem que isso vai certinho contra  a política estupefaciente que patrocinam de desaparecimento da língua na Galiza. 

Como dizia o criador do vírus Constantino Garcia, não importa se a língua se fala ou não o nosso trabalho não vai disso.

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