Opinión

Liberalismo e neoliberalismo, esclarecendo a relaçao entre eles

Como apurado exemplo explicativo, dizer, que o liberalismo é ao neoliberalismo, como o conservadorismo e ao fascismo, como a seguir direi.

Que é o liberalismo

O liberalismo é uma doutrina filosófica, social e política, que tem as suas raízes num acúmulo de fatos e posicionamentos que se produzem ao longo do tempo. O liberalismo alimentou-se em primeiro lugar, da reforma protestante, que colocou a semente para o livre pensamento, sem este ser dirigido.

Em segundo lugar da revolução filosófica, que se desenvolveu nos séculos XVII e XVIII e que encetou um Spinoza (cuja língua familiar era a nossa), e um Hobbes, Locke, Descartes, Kant, Rousseau e Voltaire. Podemos dizer que as suas primeiras raízes políticas tem lugar na Gloriosa Revolução britânica de 1688, e eclosionaram logo na revolução francesa de 1789. Ainda que a expressão e afirmação liberal com toda a sua força de ação social e política não se produz e consagra até o século XIX.

Do liberalismo nasce tudo. Os posicionamentos socialistas e comunistas nasceram como uma radicalização do pensamento liberal. O liberalismo era contrastivo frente ao pensamento conservador, ele também legítimo. Eram as posições de esquerda frente às de direita numa simplificação. Nos países anglosaxónicos, as pessoas de esquerda seguem a ser chamadas de liberais.

Que carateriza ao liberalismo

O Liberalismo vem de liberdade. Liberal é o que defende a liberdade, a começar pola liberdade de pensamento frente o direito divino do monarca; a secularização frente ao estado confessional; a igualdade frente aos privilégios hereditários etc; Frente a economia estamental pre-capitalista, o liberalismo defende a liberdade económica, a iniciativa, o livre mercado e o livre comércio.

O liberalismo adoptou-se como uma maravilhosa luva ao nascente capitalismo, mas também tinha a semente para que as críticas mais potentes contra este, nascessem dentro do movimento liberal. O liberalismo é o leito no que se geraram a democracia e as liberdades civis, o sistema parlamentar, as liberdade do indivíduo etc. Em muitos países o liberalismo identifica-se com o estado de políticas de bem-estar, verbi gratia o Japão. Não existiria democracia no mundo se não existir o pensamento liberal.

O liberalismo é muito plural mas há uma série de questões que são gerais: Direitos individuais, é dicer os direitos civis (liberdade de imprensa, e de expressão) e os modernos direitos humanos, e direitos linguisticos, secularismo do estado e liberdade religiosa (de pensamento) dos indivíduos; liberdade económica, e dizer liberdade de iniciativa e de empresa.

E uma visão do estado como um factor poderoso, mas que pode ser uma ameaça, e que de facto o é em muitos casos; e pois logo, o liberalismo concebe o estado como elemento a ser limitado e controlado, e onde o bom equilíbrio entre os três poderes, legislativo, executivo e judiciário, garantem um bom funcionamento, e um travamento eficaz, para que nenhum dos poderes se possa sobrepor aos outros.

Na última década do século XIX e começo do século XX o liberalismo divide-se de forma clara entre liberais e liberais radicais ou socialistas. Os liberais radicais, são aqueles para os que as liberdade individuais, tem que estar num quadro de fraternidade e de igualdade consequente. E os liberais clássicos aqueles para os que a iniciativa individual e a liberdade da pessoa em todos os campos é o elemento principal, e isso está por cima das diferenças que a ”livre escolha” da lugar entre os indivíduos. E a intervenção corretora nunca pode pôr em questão as liberdades.

Os liberais radicais acabaram modificando a visão do estado, que passa a ser o único elemento fulcral para que a igualdade e a fraternidade possa ser levada de jeito efetivo à prática, dando lugar ao nascimento dos movimentos socialista e comunista, nas suas mais diversas gradações.

Que é o neoliberalismo

Ainda que o termo neoliberal tenha sido usado várias vezes na história, o seu significado naqueles momentos, nada tinha a ver com o uso que modernamente o consagrou. Podemos dizer que o moderno neoliberalismo nasce na poderosa escola de Chicago sob a direção do professor Milton Friedman, nos anos sessenta. Os regimes liberais sofreram um grande golpe com a depressão nascida após a grande crise económica de 1929. O estado liberal deixou de facto de funcionar.

E frente a crise apareceram os estados totalitários, fascistas, nazistas etc, e por outro lado a proposta americana de welfare state. Franklin Roosevelt chegou à presidência em 1934, e em 1935 lançou a lei de Social Security Act, onde se colocam os alicerces do estado de bem estar. Mas a recuperação nos USA não se produziu de jeito total até que a segunda guerra mundial e a mobilização de recursos, a colocaram de novo nos trilhos.

Milton Friedman dedicou toda a sua vida professoral à pesquisa sobre a depressão económica de 1929, e da análise da mesma, tirou os alicerces para a construção da sua peculiar teoria económica (neoliberal). Ele desenvolveu uma potentíssima teoria económica. Começou como mais um economista liberal, porém a sua teoria económica é muito potente.

Ele escreveu muitíssimo e teve inúmeros discípulos, ele como professor não ensinava economia, ensinava uma nova teoria da "liberdade económica", O que Bourdieu chama de mito Walrasiano: "Esta teoria tutelar é uma obra de pura ficção matemática, fundada, desde o princípio, numa formidável abstração: essa que, em nome de uma concepção tão estreita como estrita da racionalidade identificada à racionalidade individual, consiste em pôr entre parêntesis as condições económicas e sociais das disposições racionais e das estruturas económicas e sociais que são a condição de seu exercício.

Para compreender o tamanho desta omissão, basta pensar no sistema de ensino, que nunca é considerado enquanto tal num momento em que possui um papel determinante na produção de bens e serviços, assim como na produção dos produtores.

Deste pecado original, inscrito no mito walrasiano[i] da “teoria pura”, brotam todas as falhas e deficiências da disciplina económica, e a fatal obstinação com a qual ela se apega à oposição arbitrária, que ela mesma faz existir, por sua própria existência, entre a lógica propriamente econômica, fundada na concorrência e portadora da eficiência, e a lógica social, submetida à regra da igualdade". É um pouco como a teoria marxista desenvolvida por Karl Marx, que os seus epígonos apresentaram como um determinismo económico; e das suas analises tirava-se a construção de um mito, a sociedade comunista, que como toda teoria "pura"quando ele se leva a prática, parece funcionar só se existir uma enorme força coactiva e compulsória sobre as pessoas. No mito neoliberal passa-se o mesmo, tem tanta força a teoria, que ao perceber tudo como entraves a teoria, só pode funcionar sob condições fortemente autoritárias e coactivas.

É ao ser profundamente arrasadora "do social" com tudo o que o acompanha, faz que seja abraçada por neo-evangelistas pentecostalistas, católicos reacionários como a liderança de Vox, 13 tv e por todo aquele, que quer destruir todo rascunho de liberdade, é dizer o novo neofascismo . O primeiro estado do mundo onde a ideologia neoliberal triunfou, foi no Chile da ditadura do general Pinochet, que adoptou essa ideologia política após a violenta carnificina do golpe militar de 11 de setembro de 1973. No mundo ocidental começou a botar raízes a fins dos anos 70 do século passado, e consagrou-se com os governos de R. Reagan e M.Thatcher nos Estados Unidos de América e no Reino Unido, respectivamente. A sua penetração foi muito forte no mundo ocidental, sobretudo nos Estados Unidosii, e no latinoamericano; e muito fraca no mundo asiático. Os resultados estão à vista, Ásia liderará o planeta do futuro.

Que carateriza ao neoliberalismo

O liberalismo era um canto à liberdade...em todos os campos. O neoliberalismo, é pura teoria económica, produzindo de vez uma ruptura entre a economia e as realidades sociaisiii. Toda ação humana é percebida como um problema para a lógica do mercado puro, as liberdades interferem com o mercado. Pierre Bourdieu definiu o neoliberalismo como um programa de destruição metódica do coletivo. Nos anos 60-70 do século passado apareceu nos USA o movimento neoconservador, um movimento que queria enfrentar a modernidade, e até se diria que em matéria social e ética, estava muito além do que estavam os movimentos conservadores, diria-se que eles em realidade sonhavam, com uma sociedade cristã como a norte america do século XIX, que percebiam idílica, e uns USA militarmente senhores intocáveis do mundo.

O movimento neoconservador em seguida percebeu que o neoliberalismo era a melhor alavanca destruidora da modernidade, e de todo tipo de pensamento e liberdade, que eles percebiam tudo como criação do marxismo cultural, -essa palavra de ordem inventada por Goebbels nos anos 30 do século passado-. Para eles tudo era marxismo cultural: Feminismo= marxismo cultural. Políticas LGTB =marxismo cultural. Livre pensamento=marxismo cultural. Liberdade de cátedra=marxismo cultural, etc etc, governo não neoliberal=marxismo de todo tipo.. O neoliberalismo para poder empolgar o seu programa necessita imperiosamente de grandes doses de autoritarismo e violência, para conseguir esse espaço de pureza económica, há que usar muita coação, autoritarismo social e violência descarnada.

Para a pureza económica e a luta contra a inflação, o neoliberalismo põe no centro do sistema o mundo financeiro, como um jeito de se recuperar a taxa de ganho decrescente do capital.

O neoliberalismo modificou a ideia de Montesquieu dos très poderes que se equilibram e acrescentou um novo, o Banco Central independente, que passa a ser a verdadeira máquina da política económica, pero como o mundo financeiro se coloca no plano principal, os bancos centrais deixam de ter o seu role principal, que sempre fora o do financiamento barato das políticas públicas. É bem certo que quando isso se faz descontroladamente a inflação é brutal, e o dinheiro torna-se nada

O grande economista liberal John Kenneth Galbraith, explica essas funções e seus problemas num seu livro clássico Money, ele que foi o gestor da emissão de dinheiro nos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial. E claro, após os estados perderem esse jeito de se financiarem, bem barato, para os seus investimentos de capital, o estado passa a ter que pedir em qualquer caso o dinheiro, não ao banco central, e sim ao sistema financeiro. Isto levou a verdadeiras aberrações . No século XIX um activista católico publicou um livrinho de grande sucesso El Liberalismo es Pecado. Nele fica bem retratado o liberalismo frente ao pensamento conservador.

Para Salvany o Liberalismo era demolidor do dogma e da religião. Atualmente todos os movimentos ultraconservadores e neofascistas cristãos são radicalmente neoliberais, porque esse neoliberalismo é a alavanca de destruição do social, entendendo o social como todo aquilo que viveu e se desenvolveu graças ao liberalismo. Isto é como a prova do algodão, pois se o neoliberalismo fosse liberal, garante das liberdades todas, toda essa mada reacionária não teria acolhida nessa toca do neoliberalismo.

Apontamento final

Na esquerda é onde o neoliberalismo produziu mais confusão, ao não saberem entender que o neoliberalismo não é liberalismo, deixando que desse jeito se apoderarem do campo liberal as personagens mais tétricas, truculentas, reacionárias e o novo neofascismo.

Teve algo de positivo o neoliberalismo?

O programa económico neoliberal, teve um efeito não procurado, de diminuição das disparidades económicas mundiais, como esclareço eu neste artigo. Logicamente progrediram os que não adoptaram o programa neoliberal, e potenciam a produção. O programa de pura teoria económica neoliberal, teve a sua importância positiva nos desenhos das modernas políticas monetárias dos bancos centrais, ligadas às profundas crises económicas vividas, e que estão muito marcados polas pesquisas de M. Friedman sobre a crise de 1929.

Liberal é uma palavra bem anterior no tempo, a palavra liberalismo, mas o seu significado não tinha a carga que adquiriu como ideologia política e social, Bourdieu afirmou que o neoliberalismo destruiria os Estados Unidos, e há que reconhecer que o está logrando, destruiu lá o estado de bem estar e por pôr um exemplo, em muitos campos o seu nível já é o dos estados latinoamericanos pobres, por exemplo na esperança de vida, que leva 30 anos de retrocessos.

iiiSindicatos, agitação social, salários, localização do trabalho...tudo eram entraves para a teoria económica pura. E bem interessante que estados como o Brasil, ao que lhe foi imposta uma regressão neoliberal, não se aplicaram essas ensinanças do Friedman sobre a gestão económica das crises, e não se fez porque o objetivo de destruição neoliberal é muito mais importante, que o combate à crise.

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