Opinión

Um 25 de julho em Compostela

Cada vinte e cinco de julho repete-se o mesmo esquema de celebração em Santiago de Compostela. Por uma parte uma celebração religiosa, de caráter muito formal, à que acodem as autoridades políticas e religiosas mais elevadas, e na que se lhe faz uma oferenda ao apóstolo na que lhe expõem os principais problemas políticos e lhe pedem que remedeie o que eles não querem ou não são capazes de corrigir e, além disso, que o faça de acordo com os critérios políticos e interesses do peticionário. Polo que eu li, o oferente não lhe pediu ao apóstolo, como é habitual nestes casos, que resolvesse os problemas do país senão que se limitou a relatá-los e expressar alguma que outra boa intenção, ou seja, uma mini-sessão do Parlamento, neste caso político-religioso, mas em aborrido. Suponho que o apóstolo não gostaria de que ponham em questão a sua grande efetividade doutras oferendas anteriores. 

Por outra parte, uma jornada laica, também política, festiva e reivindicativa dos direitos do povo galego. A denominação do dia não é uniforme. Para uns é o Dia da Galiza, para outros, o Dia Nacional da Galiza e, para os mais, o Dia da Pátria Galega. A palavra pátria deriva do termo latino pater, pai, e num princípio tinha uma função adjetiva na locução "terra patria", terra do pai. Mais tarde passou a ter uma função substantiva já simplesmente como "pátria". O The Oxford Universal Dictionary Illustrated apresenta para fatherland, terra do pai, junto a "The land of one's birth" uma segunda acepção: "The land of one's fathers; mothers country". O mother country ou, país da mãe ou mátria, como lhe chamam à pátria os cretenses, expressa o sentimento amoroso ligado á palavra pátria, por ser como a mãe de que saímos ao mundo e a encarregada de fornecer amor e proteção e, portanto, como diz o advogado, poeta e agrarista Salvador Golpe, “lembra a mãe que nos levou no seu seio, que nos manteve com o seu sangue, que nos agarimou no seu colo, que guiou os nossos primeiros passos, que temperou e modelou a nossa alma com os agarimos do seu amor, que nos abençoou com as suas olhadas e nos alentou com os beijos nos nossos esmorecimentos...; e algo isso, mistura de céu e terra, de material e imaterial, de sonhos e realidades, algo como isso é a entidade docíssima, centro e raiz de todos os afetos que guarda o coração humano”. Quando se fala de pátria como terra dos pais, já vai incluída, ainda que não explicitamente, a mãe, e como a mulher de hoje reclama, legitimamente, visibilidade, tem todo o direito a que se fale de "Dia da Mátria Galega", com o significado de Dia da Mãe Galega, enquanto que Galiza é também a terra das nossas mães, além de ser a potência germinativa e nutritiva que nos alimenta com os seus frutos. O uso de mátria não é inovador, mas o que sim é inovador é o despertar da consciência de dignidade das mulheres galegas e a sua vontade de contribuir a mudar a nossa realidade. 

Da palavra pátria deriva patriota, e quiçá devamos começar a utilizar também, como derivado de mátria, matriota, para significar aos defensores e defensoras da nossa pátria-mátria. Um defensor da pátria-matria não deve limitar-se ao âmbito dos afetos, a uma afecção pola terra natal e polos nossos antepassados, que não coincidem com os de Aznar, senão que tem que elevar-se ao nível político, assumindo que Galiza é um sujeito político de seu, é uma nação, e, como tal, tem o direito de autodeterminação. Nos nossos dias, os militantes dos partidos unionistas, por citarmos um exemplo, não se podem chamar, nem eles mesmos se chamam patriotas galegos, porque têm que praticar, velis nolis, uma política sucursalista e nunca podem situar a Galiza como centro das suas preocupações políticas, senão que têm que dar prelação às políticas que determinam os seus dirigentes estatais. 

O uso de mátria não é inovador, mas o que sim é inovador é o despertar da consciência de dignidade das mulheres galegas

 

Neste passado vinte e cinco de julho constatou-se que as formações cindidas do BNG estão sumidas numa profunda crise. Compromisso por Galícia passa por um momento de escassa capacidade de convocatória e, consequentemente por uma etapa de irrelevância, com a única exceção e muito meritória de Rafael Cuiña, alcaide de Lalim. Esta formação teve como convidados os partidos PNB e PDeCat, partidos de centro que dirigiram e dirigem as comunidades do País Basco e Catalunha, respetivamente. Parece que Compromisso, depois do seu périplo pola esquerda, que eu pessoalmente desaconselhara no seu momento, quer situar-se numa posição mais centrada. Contudo, o seu autodenominado galeguismo não diferencia esta formação dum PSOE, por exemplo, no modelo de Estado. Uma formação política que tem complexos de defender o direito de autodeterminação dos povos corre o risco de ser fagocitado polos partidos claramente unionistas ou claramente nacionalistas. 

Anova amostra uma clara bicefalia, pois está dirigida por uma espécie de líder carismático e espiritual, com notória prestância social e incidência eleitoral, que se situa para além do bem e do mal, José Manuel Beiras, e um líder orgânico muito ocupado em impor desde arriba a Em Maré a alternativa desenhada desde Compostela Aberta consistente em reforçar o híbrido unionismo-nacionalismo galego, que tem garantido já desde o início as desavenças e as tensões entre os participantes, além de diluir a sua mensagem patriótica para convertê-la num galeguismo light, e todo em aras duma suposta unidade popular, que tem muito pouco tanto de unidade como de popular, já que, de facto, se identifica com um conglomerado de três forças minoritárias da esquerda com frequentes tensões. Não foi capaz de mobilizar mais que um cento de pessoas, o qual indica uma míngua na convocatória considerável a respeito de anos anteriores. 

Em Maré não teve capacidade de convocatória significativa e esgota grande parte das suas forças nas lutas intestinas polo poder entre os seus dirigentes e polas diferenças nas medidas políticas a aplicar. Todo indica que se está preparando o assalto definitivo para mudar os dirigentes atuais, nomeadamente a Vilhares, um líder entusiasta e otimista, com boa preparação e grande humanidade. Esta formação tem a vantagem de presidir concelhos muito importantes da Galiza, que, de retê-los nas próximas contendas eleitorais, podem deixá-la numa boa situação de partida para o assalto à Junta da mão de Vilhares, ou de Martinho Noriega se logra desbancá-lo, que é o seu objetivo prioritário. As frequentes críticas do Beiras às formações unionistas coligadas com ele são uma clara prova de que o partido instrumental não está servindo como instrumento válido para lograr o mínimo consenso entre os diversos atores e ligar o que de por si é heterogêneo, e igual que o pinheirismo não logrou galeguizar os partidos unionistas espanhóis, tampouco o Beiras vai lograr que os seus companheiros de viagem desistam das suas dinâmicas espanholistas e apliquem medidas favoráveis aos interesses da Galiza como nação de seu com direito de autodeterminação. 

E igual que o pinheirismo não logrou galeguizar os partidos unionistas espanhóis, tampouco o Beiras vai lograr que os seus companheiros de viagem desistam das suas dinâmicas espanholistas

 

A formação que amostrou um maior entusiasmo, uma maior unidade e muito notória capacidade de convocatória foi o BNG, que parece ressurgir da etapa de marasmo em que esteve instalado a raiz das cisões de 2012 em Âmio. Muitos dos nacionalistas que em anos anteriores apoiaram a Compromisso ou Anova, agora atenderam a convocatória desta formação. A sua líder Ana Pontón suscitou o aplauso entusiasta dos que enchiam a transbordar a praza da Quintana. As suas ideias claras e precisas e a sua magnífica oratória foram decisivas para lograr empatizar com o seu auditório. Todo indica que esta formação está num momento de ressurgimento que se traduzirá muito provavelmente num incremento do apoio nas próximas citas eleitorais. Esta formaç4ao política manifesta que está disposta a converter-se na casa comum do nacionalismo e que será generosa para integrar a todos, contudo a integração não se logra com manifestações e sim com a posta em prática das medidas precisas para que todos se sintam cômodos e que vejam que podem contribuir ao projeto comum desde a sua diversidade e participar em pé de igualdade com todos e cada um dos demais sem submissões a instâncias controladoras acaçapadas.

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