Porsches ao fundo do mar, por Xoán Costa

No passado treze de março, após um incêndio iniciado o dia dez, o cargueiro italiano Grande América naufragou em La Rochelle, na costa francesa. Mas o alvo informativo não foi a poluição nem os quarenta e cinco contentores com substâncias perigosas, como ácido sulfúrico e ácido clorídrico que o barco transportava. Não, o foco informativo deste incidente foi uma única palavra: PORSCHE

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photo_camera Inundação causada pelo ciclone Ibai

No passado treze de março, após um incêndio iniciado o dia dez, o cargueiro italiano Grande América naufragou em La Rochelle, na costa francesa. Os 27 tripulantes a bordo foram todos resgatados a tempo e, como sempre acontece, o combustível do navio espalhou-se na zona e causou uma mancha de poluição no mar com cerca de 10 quilómetros que as autoridades francesas continuam ainda a tentar limpar e que põe de novo na mesa a questão da segurança e dos riscos associados ao transporte marítimo que representa quase o 90% do transporte total de mercadorias no mundo.

 

Mas o alvo informativo não foi a poluição nem os quarenta e cinco contentores com substâncias perigosas, como ácido sulfúrico e ácido clorídrico que o barco transportava. Não, o foco informativo deste incidente foi uma única palavra: PORSCHE. A bordo do navio italiano havia mais de dois mil veículos, agora estão todos no fundo do mar, a cerca de quatro mil metros de profundidade, e entre eles várias dezenas de carros de luxo exclusivos, como os quatro 911 GY2 RS da Porsche, cada um deles com um custo de 267 mil euros.

 

porA Porshe confirmou que trinta e sete carros da sua marca, incluindo quatro dos seus exclusivos modelos 911 GT2 RS, estavam a bordo do cargueiro italiano. Os Porsches seguiam de Hamburgo para o Brasil, para o porto de Santos, onde deviam ser descarregados, para serem entregues a clientes “altamente valiosos para a marca” como informa a carta que a empresa enviou às pessoas que adquiriram os automóveis e que os deviam ter recebido.

 

 

A Porsche já não fabrica os modelos 911 GT2 RS, mas dadas as circunstâncias, vai produzir novos carros para os clientes lesados e voltará à sua produção na sua fábrica de Hamburgo, prometendo ainda que os automóveis deverão estar prontos em Abril, para serem entregues no Brasil em Junho.

 

O mar para cima das casas

 

Apenas uma semana após este naufrágio outra palavra, noutra parte do mundo, deixou milhares de pessoas sem casa, sem terras, sem utensílios para cozinhar, sem nada, sem... vida.

 

A palavra agora é IDAI, nome com que foi batizado o ciclone que converteu em mar e destruiu boa parte de Moçambique, Zimbabué e Maláui e atingiu pelo menos 2,8 milhões de pessoas. Mia Couto, o escritor, natural da cidade da Beira, que ficou completamente inundada, descreve a situação como apocalíptica e escreve a seu editor: “Todo o centro de Moçambique está por baixo de água: estradas, casas, torres de energia e de telecomunicações estão destruídas. Não consigo saber dos meus amigos que vivem na Beira. ”

 

A notícia, recolhida em Sermos Galiza, não foi muito habitual na imprensa e nos noticiários desta parte do mundo e teve mais repercussão o afundamento de La Rochelle. A razão é óbvia: essa parte do mundo não oferece “clientes altamente valiosos”.

 

Tanto que a ajuda internacional prometida é menor que o valor da mercadoria transportada pelo Grande América! Mas resulta bem curioso que para solucionar ambos os episódios se utilize uma única palavra: RECONSTRUÇÃO. No caso da Porsche reconstrui pondo de novo em funcionamento uma linha de produção já paralisada; no caso da África, a reconstrução consiste no envio de palavras bonitas de solidariedade, em equipas de recolhida de cadáveres e em culpabilizar a Natureza de desastres que, sabemos, têm clara origem na agressiva actividade humana contra ela, se calhar mesmo na actividade desenvolta pelos destinatários desses exclusivos Porsches.

 

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