Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi um dos grandes nomes da poesia portuguesa do século XX e a primeira mulher a receber o Prêmio Camões, em 1999. Escreveu contos, artigos, ensaios e traduziu obras para o francês e para o português. Opositora do governo Salazarista, fez parte dos movimentos católicos contra o antigo regime e foi fundadora da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos. Em 1975 é eleita para a Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista.
O fogo secreto do poema
O encontro, – um “momento privilegiado para o estudo e debate de uma obra essencial da literatura moderna portuguesa”, como descreve a Fundação Calouste Gulbenkian, parceira com o Centro Nacional de Cultura na organização do evento, - será composto por duas dezenas de intervenções (distribuídas por quatro painéis) e quatro mesas-redondas, dedicadas aos temas “O Espaço”, “Os Outros Poetas”, “A Política” e “Arte e Poética”, em que intervêm Ana Luísa Amaral, Frederico Lourenço, Maria Filomena Molder e Richard Zenith, entre outros.
A sessão de abertura do congresso estará a cargo de Guilherme d’Oliveira Martins, Maria Andresen de Sousa Tavares (filha de Sophia), Fernando Cabral Martins e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
A poeta Adília Lopes abre o primeiro painel com uma intervenção intitulada “Adília sobre Sophia”, na qual demonstra o seu reconhecimento para com a homenageada, graças a quem diz ter descoberto o poema, com apenas 17 anos, quando leu “No poema”, da obra “Livro sexto”.
No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto.
“O mundo do poema é limpo e rigoroso. Nada de coisas farfalhudas, nada de aldrabices. Como estudava física, vi também que o poema desentropia [o oposto de entropia, que em física é a medida da desordem de um sistema]. Preserva da decadência, morte, ruína”, descreve Adília Lopes.
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim
Neste primeiro painel, falará também Helder Macedo, professor catedrático da Universidade de Londres e investigador da Universidade de Oxford, autor de vasta obra poética, de ficção e critica literária, que se vai debruçar sobre o “conto para crianças” intitulado “O Rapaz de Bronze”, e como este ganha uma dimensão maior quando relacionado com a poesia da autora, tanto em termos de critica social como de nostalgia adulta por uma totalidade perdida.
Segue-se “O caminho para minha casa”, em que Helmut Siepmann abordará dois aspetos centrais da obra de Sophia - o mar e o nascer do poema -, e “Poesia e realidade: a prosa de Sophia de Mello Breyner Andresen”, por Carlos Mendes de Sousa.
O MAR DOS MEUS OLHOS
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes…
e calma
Este painel conta ainda com uma intervenção de Silvana Rodrigues Lopes sobre o breve, o preciso e o indefinido na composição de poemas de Sophia, e será moderado pelo poeta brasileiro Eucanãa Ferraz.
O cheiro dos deuses
Da parte da tarde, o professor de literatura e ensaísta Pedro Eiras aborda os “encantamentos” nos trabalhos literários de Sophia e de Cristina Campo, e a possível relação entre eles, enquanto Anna Klobucka, especialista em literatura portuguesa e estudos de género, expõe as suas ideias sobre “Sophia e os cem anos da poesia de autoria feminina em Portugal”.
Cláudia Pazos-Alonso propõe-se pensar a questão da autoria feminina em Sophia, Paola Poma vai tentar uma aproximação da poesia de Sophia de Mello Breyner à de Wislawa Szymborska, poeta polaca, Nobel da Literatura, e Maria Lúcia Dal Farra refletirá sobre a questão da designação a dar a Sophia: poeta ou poetisa?
No segundo dia de colóquio, José Pedro Serra debruça-se sobre “A Grécia: Nudez e Revelação Poética”, isto numa altura em que a Assírio & Alvim reedita o ensaio de Sophia de Mello Breyner Andresen “O Nu na Antiguidade Clássica”, obra há muito esgotada, acompanhado de uma seleção de poemas que Sophia escreveu sobre Grécia e Roma.
No Golfo de Corinto
A respiração dos deuses é visível:
É um arco um halo uma nuvem
Em redor das montanhas e das ilhas
Como um céu mais intenso e deslumbrado
E também o cheiro dos deuses invade as estradas
É um cheiro a resina a mel e a fruta
Onde se desenham grandes corpos lisos e brilhantes
Sem dor sem suor sem pranto
Sem a menor ruga de tempo
E uma luz cor de amora no poente se espalha
É o sangue dos deuses imortal e secreto
Que se une ao nosso sangue e com ele batalha
Joana Matos Frias, Jorge Fernandes da Silveira e Fernando J.B. Martinho completam este painel sobre Sophia e a sua obra, relacionando-as com Brasília, com a Dinamarca e com Inglaterra.
“Mário Cesariny leitor de Sophia de Mello Breyner Andresen” é a proposta que Perfecto Cuadrado apresenta no painel da tarde, em que participam também Emília Pinto de Almeida, Pedro Lopes de Almeida, Sofia Sousa Silva e Gustavo Rubim, com temas tão diversos como a leitura do diáfano em Sophia, a sua geografia (paisagem, viagem e deslocamento) ou o uso do termo “projecto” na sua obra.
O encerramento dos trabalhos cabe a Maria Andresen de Sousa Tavares, Maria Calado, Guilherme d’Oliveira Martins e Graça Fonseca, ministra da Cultura.
Seleção de textos
Poema de amor de António e Cleópatra
Pelas tuas mãos medi o mundo
E na balança pura dos teus ombros
Pesei o ouro do Sol e a palidez da Lua.
Eurydice
Este é o traço que traço em redor do teu corpo amado e perdido
Para que cercada sejas minha
Este é o canto do amor em que te falo
Para que escutando sejas minha
Este é o poema — engano do teu rosto
No qual eu busco a abolição da morte
Mulheres à beira do mar
Confundido os seus cabelos com os cabelos
do vento, têm o corpo feliz de ser tão seu e
tão denso em plena liberdade.
Lançam os braços pela praia fora e a brancura
dos seus pulsos penetra nas espumas.
Passam aves de asas agudas e a curva dos seus
olhos prolonga o interminável rastro no céu
branco.
Com a boca colada ao horizonte aspiram longa-
mente a virgindade de um mundo que nasceu.
O extremo dos seus dedos toca o cimo de
delícia e vertigem onde o ar acaba e começa.
E aos seus ombros cola-se uma alga, feliz de
ser tão verde.
Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Mar sonoro
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
As rosas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
A paz sem vencedor e sem vencidos
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ter melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Os deuses
Nasceram, como um fruto, da paisagem.
A brisa dos jardins, a luz do mar,
O branco das espumas e o luar
Extasiados estão na sua imagem.
Data
Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo da ameaça
Pudesse eu
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
Mar
I
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
Inicial
O mar azul e branco e as luzidias
Pedras: O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida.
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num País sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Poema de amor de António e Cleópatra
Pelas tuas mãos medi o mundo
E na balança pura dos teus ombros
Pesei o ouro do Sol e a palidez da Lua.
Os ritmos
Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens esperando
E ninguém me podia entender.
Poema Azul
O mar beijando a areia
O céu e a lua cheia
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu
E a lua cheia
Que prateia os cabelos do meu bem
Que olha o mar beijando a areia
E uma estrelinha solta no céu
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu e a lua cheia
um beijo meu