Opinión

O Brasil vai visitar o inferno 

Em realidade um país que regista mais de 60 mil homicídios/ano e tem mais de 52 milhões de pessoas por debaixo do limite da pobreza já vivia muito à beira do averno. Sabemos que às vezes o inferno, ou a proximidade dele, traz mais inferno porque as pessoas não sempre acertam a conceber mundos distintos àqueles que experimentam no dia a dia. O que fez este domingo o Brasil é dar mais um passo rumo à desintegração social e à destruição da democracia, artefacto este muito delicado que apenas merece esse nome se realmente empodera a maioria social e serve para ir liquidando toda forma de opressão. A pergunta é por que? Por que o Brasil aposta em mais inferno, por que se entrega nas mãos dum fabricante de ódio ao pobre, de ódio ao negro, de ódio ao homossexual? Necessariamente temos de ir aos clásicos para explicarmos essa sorte de patologia que leva os povos a respaldarem aquilo que os dana, esse fenómeno de alienação estudado por Marx que empurra setores das classes populares (também elementos da pequena burguesia) a votarem em candidatos que apenas defendem os interesses da oligarquia, seja no Brasil ou na Alemanha dos neo-fascistas da AfD. Vale, de acordo, até aqui nihil novum sub sole: largas massas de obreiros a votarem em oligarcas (isso já há muito que se passa em França com o lepenismo). OK. Mais o fenómeno do Brasil é que esse mesmo povo que agora vota em Bolsonaro há bem pouquinho votou em Lula e logo em Dilma (desde 2002 até este domingo 28-O, o PT vencera todas as eleicões presidenciais). E se isso foi asi até há nada por que foi de outro jeito agora? Pois porque o PT, que fez muitas coisas boas e tirou milhões de pessoas da pobreza, cometeu, porém, erros sérios que fizeram com que boa parte da sua base social se distanciasse dramaticamente dele. Porque em políticas macro-económicas vestiu o fato neoliberal demasiadas vezes (nomeadamente no segundo mandato de Dilma), porque não alterou a estrutura de propriedade do país (sim repartiu melhor o dinheiro publico, mais sem tocar as raízes profundas das desigualdades), porque não foi assaz contundente quando a corrupção aninhou no seu seio, porque só recorreu à movimentação social quando já se viu quase derrotado.

Por todas essas razões o PT foi visto por milhões de brasileiros como o reitor do inferno  —extrema violência, estancamento económico, corrupção generalizada—, não como o partido que os pudesse resgatar para o paraíso. Bem, agora um ultra assume a presidência. Uma tragédia para um país epítome da fatalidade (nação enormemente rica e enormemente empobrecida). Milhões de brasileiros ex votantes do PT votaram em Bolsonaro —maciçamente respaldo, claro está, pelos ricos e as clases altas— porque acreditavam a sério que já não tinham nada a perder. O drama é que estão equivocados, o drama é que a democracia no Brasil —sem a qual os avanços na luta contra a pobreza não teriam sido possíveis— está em sério perigo, o drama é que o monstro vai ser presidente e vai trazer mais sofrimento para as capas populares do país. E o drama é sobre todo que a esquerda perdeu conexão com o seu povo e neste momento está desacreditada. Só recomporá a sua figura se aprender da história e dos seus erros. Só assim estará em condições de derrotar o fascismo que agora chega ao governo do país perante o olhar comprazido do imperador Trump.
 

 

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