Moara Crivelente, do Partido Comunista do Brasil

“Para Bolsonaro direitos humanos é um termo pejorativo”

Moara Crivelente (Marília, Brasil, 1987), representante na Europa do Partido Comunista do Brasil esteve na Galiza para falar de Brasil baixo o Governo Bolsonaro, perspectivas da esquerda dentro do Foro Internacionalista que organiza a UPG.

[Foto: Irene Pin] Moara Crivelente, esta quinta-feira na redacción de Sermos
photo_camera Moara Crivelente, esta quinta-feira na redação de Sermos Galiza

Quem é Jair Bolsonaro?

Ele tem uma longa carreira como deputado, foi capitão no Exército. Tem uma ficha bastante duvidosa como militar, mas ele se valeu disso durante os seus mandatos como deputado para se colocar como um militar que procura reordenar a política e colocar ordem no Brasil. Ele tem uma agenda regressiva, tanto nos costumes quanto na política e também na economia. Foi mais famoso na época do impeachment da presidenta Dilma Roussef, do golpe de estado de 2016, quando no seu voto -sem argumento nem humanidade- homenageou um dos chefes da tortura da ditadura militar, o general Brilhante Ustra, que inclusive monitorou o programa de tortura do que foi vítima a presidenta Dilma Roussef. Ele é um defensor da ditadura militar, que é o regime que gostaria de reinstaurar no Brasil. Alguns dizem que é precisamente para isso que ele trabalha. Então é uma pessoa completamente avessa a qualquer valor democrático, contrário ao valor e respeito dos direitos civis e políticos. Ele vai-se estabelecendo assim num período de crise bastante profunda no Brasil, e se colocou como uma alternativa praticamente anti-sistêmico tanto à esquerda quanto à direita mais moderada.

Que estava a acontecer no Brasil para o Bolsonaro se tornar presidente?

Nós vimos dum processo relativamente longo no Brasil de avances democráticos e socioeconômicos bastante importantes. Um processo de consolidação bastante conflituoso e cheio de contradições que se mostram no tempo todo. Um país muito desigual, com uma concentração de renda brutal. E essas foram as principais prioridades no Governo Lula-Dilma, os principais desafios que eles afrontaram: a redistribuição da renda e a inclusão social, e o fortalecimento também do papel do Brasil como um ator internacional relevante que desse prioridade para temas de soberania, mas também de integração regional e de estabelecimento de cooperação com outros países que não são as potências ocidentais.

Desde 2013-2014 vinha-se manifestando no Brasil um descontentamento com a desaceleração do crescimento econômico. As elites já estavam bastante insatisfeitas com o fato de terem perdido privilégios nesse projeto de integração socioeconômica. Milhões de pessoas foram tiradas da miséria e de repente começaram a frequentar os aeroportos e as mesmas faculdades que os filhos das elites. Isso gerou animosidade nessa classe. E num processo de crise, a classe média que foi sendo criada durante o período de crescimento avantajado no Brasil também viu os direitos que eles foram conquistando desacelerando também. Nesse período, a direita investiu muito na culpabilização da esquerda como incompetente e como corrupta por causa dalguns escândalos de corrupção. Escândalos que foram trazidos à tona justamente por causa do esforço dos Governos Dilma-Lula, impulsando a investigação para o julgamento desses crimes. Mas a direita se aproveitou disso e também do descontento social para colocar o foco contra a esquerda nesse processo e, principalmente, sobre pessoas específicas como a Dilma e o Lula, que acabavam personificando o que era a esquerda para eles.

A direita criou um processo difamatório da esquerda que deslegitimou a política em geral 

Já em 2014, nas eleições presidenciais a presidenta Dilma venceu. Só que já foram umas eleições controladas. A direita também criou um processo bastante difamatório da esquerda em geral e tentou a todo custo no Parlamento impedir o Governo da presidenta Dilma. Criava situações e votações de propostas de lei bastante controversas -nós chamávamos pautas-bomba-, que eram processos mais desestabilizadores do que realmente propostas específicas. Eram mais para dificultar o Governo do que avançar alguma coisa. Quando a Dilma venceu essas eleições esse contexto foi agravado. A direita já mostrava que não aceitava a continuidade dos Governos do PT (no que nós participamos também como PCdoB). Criou toda essa condição para uma desestabilização que levou não só a deslegitimação da esquerda, mas a deslegitimação da própria política diante dos olhos da população. Para a população nesses discursos mais extremistas, simplórios e superficiais, a política é corrupta em si. Então, todo candidato que se mostrasse anti-sistêmico ou que dizia que vinha para organizar e limpar a casa, como é o caso de Bolsonaro, acabou ganhando força.

Um processo similar ao que se está a dar nos EUA com o Donald Trump...

Como o Trump, o Bolsonaro não tem nenhum pulimento político. Diz o que vem na cabeça, é um populista... em fim, eles acham isso engraçado. E no Brasil, parte dessa elite e dessa classe média, sem um excesso de patriotismo, de nacionalismo, acabou por adoptar esse discurso do Bolsonaro de que o objetivo era seguir os passos dos EUA. Bolsonaro chegou a ser filmado batendo continência à bandeira dos EUA. Cada vez que ele se encontra com o Donald Trump... falta-lhe chorar de emoção.

Na fotografia que ilustra o cartaz do relatório (quinta-feira, em Compostela, sexta-feira, em Vigo) pode-se ler 'Brasil: emprego, democracia, soberania e diversidade'. Não há estas coisas atualmente no Brasil?

No Governo de Bolsonaro essas são palavras praticamente proibidas. Apesar de se colocar como uma força patriótica, as manifestações que o levaram ao poder, de se vestir de verde e amarelo... como se isso fosse demonstração de patriotismo deles... Ele é de todo menos patriótico. A soberania para ele realmente é algo que vai dificultar a entrada de investimentos no estrangeiro, que vai -não com essas palavras- mas dificultar o objetivo dele que é servir os EUA. As primeiras medidas desde o Governo de Michel Temer, depois do golpe contra a presidenta Dilma Roussef, foram a abertura e a entrega de empresas estratégicas do Brasil para o capital financeiro internacional. Das primeiras coisas que o ministro de Exteriores do Governo de Michel Temer fez -no período interino no que a presidenta estava só suspensa, não ainda derrubada- foi receber representantes de empresas petrolíferas estrangeiras, principalmente estadunidenses, mas não só para começar a repartir a Petrobras, que é uma empresa estratégica do Brasil não apenas de exploração, mas também de transformação de petróleo para exportação e consumo interno. Isso é uma mostra entre muitas outras de que o fortalecimento da soberania não é mesmo prioridade do Governo, nem do Bolsonaro, nem era do Michel Temer. Por exemplo, são cerca de 120 empresas públicas que estão sendo desmontadas. A Petrobras mesmo está sendo facejada em várias áreas para ser explorada por capital internacional ou privado. É um processo de entrega das riquezas do país e das empresas mais estratégicas que demonstram que a prioridade realmente é entregar o país e não devolvê-lo de forma soberana.

Com o Bolsonaro voltou a fome, uma mazela que o Brasil tinha superado

A respeito do desemprego, estamos em cerca de mais de três milhões já. Também, além desse número, tem o número de subutilização da força de trabalho, de pessoas que já não procuram trabalho por falta de perspectiva. Tem o aumento da pobreza e da miséria. A volta da fome que já era uma mazela que nós tínhamos superado durante os Governos anteriores... várias das conquistas que nós tínhamos alcançado.

E a diversidade?

A diversidade? Um presidente racista, machista... para ele os direitos humanos são coisa da esquerda comunista, que para ele é um termo pejorativo. Os direitos humanos para ele é -perdão da palavra- vagabundagem, como lhe chamam no Brasil. Coisas de gente que não trabalha, que só beneficiam do Estado.

Também a falta de proteção das comunidades indígenas quilombolas, formadas por ex-escravizados, que na época da escravidão no Brasil fugiram e estabeleceram comunidades de resistência. Hoje ainda existem comunidades remanescentes dessas. Para ele as terras indígenas e as comunidades quilombolas desvirtuam o projeto nacional -na cabeça dele- de ordem e de integração. Ele considera que as terras indígenas têm de ser abertas para a exploração por mineradoras, que os habitantes das comunidades quilombolas são gente que não gosta de trabalhar, que não serve para nada. Em fim, ele comparou num dos seus discursos uma destas pessoas com um boi, em termos de pesagem de gado. A visão dele dessas pessoas é de eliminação.

Como se explica a viragem ideológica da última década na América Latina?

Assim como no Brasil, outros governos da América Latina tiveram por muito tempo Governos de esquerda ou de centro-esquerda, progressistas, que também procuravam uma integração regional, de solidariedade e respeito à soberania entre eles; e de integração social. Mas, assim como no Brasil, também a direita se aproveitou de vários momentos de crise que possibilitaram essa volta deles. E por aí vai. Ainda sobramos com a esperança da Bolívia, da Venezuela, de Cuba...

A primeira coisa que fazem os Governos da direita é que se voltam para os EUA

Muitos destes novos Governos a primeira coisa que fazem é que se voltam para os EUA. Por exemplo, Macri está abrindo as portas da Argentina para a instalação de bases militares; o Brasil também está discutindo esse tema, e os EUA têm a quarta frota -que eles reativaram coincidentemente ou não na época em que o Brasil descobriu petróleo-; Colômbia, que já é por si soa uma grande base militar dos EUA... tudo para cercar a Venezuela. São movimentações que vão mostrando que o avance progressista dos projetos de integração regional, de fortalecimento da democracia na América Latina não interessam nada aos EUA.

Correción: Por un erro na redacción orixinal facíamos Partido Comunista do Brasil parte do PT, cando son partidos diferentes.

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