“A Alemanha procura a ocupação dos países do Sul por via da dominação económica”

Fernando Bessa, doutor em Ciências Sociais, foi convidado pelo centro social a Gentalha do Pichel para vir a Compostela este 25 de Abril impartir uma palestra sobre a vigência do Grândola (21 h, Centro Social O Pichel).

Fernando Bessa
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O professor da Universidade do Minho falou com Sermos Galiza no 39 aniversário da Revolução dos Cravos sobre o presente e o futuro de Portugal e a Galiza.

-Por que vir à Galiza um 25 de Abril?

Eu vim à Galiza porque fui convidado por companheiros galegos que entenderam que nestes momentos justifica-se lembrar e discutir o significado histórico do 25 de Abril, em Portugal mas também na Galiza. Neste contexto, o nosso futuro, o galego e o português, está cada vez mais ligado. A luta do 25 de Abril volta estar de actualidade. Eu creio que no fundo é lutar pola democracia sobretudo no contexto da União Europeia porque nós vivemos numa União Europeia que é muito pouco democrática.

-Quais são as causas dos problemas económicos da Galiza e Portugal?

A primeira causa foi a crise que estalou nos Estados Unidos no ano 2008. É verdade que a situação portuguesa não é exactamente igual que a situação no estado espanhol e, nomeadamente, na Galiza. Nós não tivemos os problemas que vocês tiveram com o sector imobiliário. Os nossos problemas são de tipo financeiro. Mas há que perceber que logo da crise na Europa, a Alemanha e os seus pequenos aliados do norte quiseram salvar as suas economias com políticas muito duras aos países do Sul.

-Embora ser europeísta, você sempre disse que a Alemanha quere colonizar os países do Sul da Europa.

Não podemos falar da existência de um projecto na Alemanha para colonizar os países do Sul porque continuamos a existir em quanto somos estados com governos próprios. Embora, a tua pregunta faz todo sentido, porque vivemos longe, no contexto da União Europeia, dumas políticas de solidariedade entre os estados membros. Nós não estamos em crise porque somos maus trabalhadores ou porque somos preguiceiros. Nós estamos em crise fundamentalmente porque a Alemanha decidiu impor determinadas políticas económicas que servem os interesses do poder industrial e financeiro. Essas políticas estão a provocar não apenas problemas sociais graves na própria Alemanha, mas também uma tragédia económica enorme nos países do Sul. Isto é absolutamente crucial para nos apercebermos as rações fundas da crise. A Alemanha instituiu uma política de repressão salarial que permitiu ganhar enorme competitividade os países do norte de Europa com respeito dos do Sul. Ao mesmo tempo, foi alimentando a especulação imobiliária e o consumo através da concessão de créditos os cidadãos. Portanto há um desequilíbrio gerado pola Alemanha. Aliás, promoveu uma moeda comum que é muito fraca para a sua capacidade económica e que produz desequilíbrios enormes nos estados da União Europeia. Estão a surgir uns sentimentos nacionais anti alemães nos demais estados e isto vai correr mal para o projecto europeu.

Como Pierre Bourdieu, você reivindicou uma união para a Europa, além do mercado, também no social.

Claro. O que está a acontecer na Europa procede duma construção que é absolutamente deficiente. Nós temos uma união monetária que é o pilar direito da construção europeia, mas nós não temos o pilar esquerdo que é o pilar social. Nessas circunstâncias, isto só pode dar num sofrimento humano enorme, medido em número de desempregados, em despejos, a emigração em masa e moitas pessoas que vivem e comem por via da ajuda social. Muitos teriam de roubar ou passar fame e portanto esta situação é insustentável. Pierre Bourdieu referia-se justamente que a união monetária, sem uma união política e social, não iria lá. Haveria de federalizar o estado social. Isto é, que a protecção social não seja uma responsabilidade de um estado A, B ou C mas si seja responsabilidade da União Europeia.

Alguns espertos falam em V Reich. É inevitável o ressurgir do sentimeno anti- alemão?

Este é um sentimento muito humano. Nós não podemos falar de um IV Reich à imagem do modelo do Terceiro Reich porque a Alemanha não tem condiciones nem vontade política de impor a dominação os outros países por via da ocupação militar. Mas a dominação mais eficiente não se faz por via da ocupação militar, faz-se justamente por via da dominação económica e, nesse sentido, a Alemanha está a colocar no quadro europeu a sua visão nacional e os seus interesses porque é o país mais forte da União Europeia. Mas eu creio que o problema vem porque os nossos dirigentes não nos representam. Eles representam os interesses da Alemanha e do sector financeiro. Nós precisamos doutros representantes que possam colocar uma outra visão para Europa, uma outra Europa que não seja esta Europa.

-A crise do 2008 foi uma boa nova para o liberalismo?

Claro! Escudados num argumento da crise, da austeridade e sobretudo da não-existência de qualquer outra alternativa, o que eles fazem é procurar convencer os cidadãos da instabilidade do estado social para reforçar o liberalismo. Em Portugal, o governo não assume que é sua responsabilidade salvar o estado de providência. Portanto, nós não podemos pagar a divida, em boa parte especulativa, nem os custos políticos se eles estão a destruir os nossos direitos porque o estado social é popular.

-Coincide com o dito “@s galeg@s e @s portugues@s não protestam, emigram”?

Parcialmente. Não podemos dizer que não há disponibilidade ou consciência política suficiente para um protesto popular de contestação à atual situação. Até 2012, houve convencimento popular de que havia de fazer sacrifícios para pagar a divida em Portugal mas também na Galiza. Mas estas coisas têm limites e os limites estão à vista. De facto, o povo tem feito recuar o governo em algumas das suas decisões. Os governos procuram ocultar as suas decisões porque sabe o que pode significar uma contestação radical e a violência de rua. O governo está preocupado porque sabe que a sua sobrevivência política pode estar em causa e os interesses dos credores também. E, portanto, nós emigramos mas também sabemos protestar. Estou convencido que o protesto vai crescer a medida que a situação económica, em Portugal e também na Galiza, se vai degradar.

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