Origem dum dos hinos mais populares de Portugal

Uma revolta com nome de mulher: Maria da Fonte

Tem nome de mulher, de muitas mulheres. É a revolta de Maria da Fonte, a revolta do Minho, musicada, romanceada, analisada, feita carne de teses de doutoramento, submetida à imaginação popular. Mas sempre viva.
 

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photo_camera Revolta da Maria da Fonte, 1846. Gravura de Bordalo Pinheiro en "A Ilustração".

Em abril de 1846, em paralelo com a revolução havida na Galiza, corre em Portugal uma revolta com nome de mulher: a revolta de Maria da Fonte, também chamada revolta do Minho por se ter iniciado na Póvoa de Lanhoso e progressivamente estendido por todo o norte. 

As razões de tal revolta, enquadrada no contexto do após-guerra entre liberais e miguelistas, ficam fora deste comentário, interessando mais nas repercussões que tal facto teve na consciência popular, incluída a da Galiza. Com todo, cabe citar o que diz o Dicionário Histórico de Portugal: “A causa imediata da revolta foram umas questões de recrutamento, e a proibição dos enterramentos feitos dentro das igrejas, em que desempenhou um papel irrequieto e activo uma desembaraçada mulher das bandas da Póvoa de Lanhoso, conhecida pelo nome de Maria da Fonte. Os tumultos multiplicaram-se, tomando afinal as proporções sérias duma insurreição, que lavrou em grande parte do reino”.

Modificações no sistema de enterramentos, que com as novas normas devem ir para o exterior das igrejas, a obrigação de participar no recrutamento militar e outros descontentamentos com o governo propiciaram a revolta.

Tudo começou à morte da Custodia. O enterramento na igreja estava proibido. Muitas mulheres armadas de paus e dos mais variados instrumentos agrícolas dispuseram-se a impedir o enterro fora da igreja. Assim aconteceu tudo: “Quatro (mulheres) agarraram no caixão e todas as acompanharam em correria, ao longo de um quilómetro, até ao mosteiro onde sepultaram a vizinha sem esperar pelo serviço religioso. À frente, de vermelho, empunhando a cruz e com uma pistola à cintura, ia Maria Angelina, irmã do sapateiro de Simães e a única que escolhera uma arma de fogo. Esta Maria da Fonte deveria ter cerca de 20 anos, estatura média, uma aparência robusta e, como as outras, terá gritado vivas à rainha e morras aos Cabrais e às leis novas”.

Estes factos derivaram em prisão para quatro “Marias da Fonte”: Joaquina Carneira, Maria Custódia Milagreta, Maria da Mota e Maria Vidas, o que motivou que se reuniram milhares e decidiram libertar as companheiras arrombando com machados as portas da cadeia. Com pistolas, com machados, como taberneira, muitos foram os rostos de Maria da Fonte. Tantos que mereceu um hino.

Modesto Castilla, no livro Historia de la Junta de Defensa de Galicia, publicado em 1894, confirma a popularidade de Maria da Fonte ao comentar a revolta do Porto, de 1867, contra os impostos de consumo e indica que “aos três dias de começar no Porto a resistência passiva, caiu todo o ministério, venceu o povo e cantava-se em todas as populações o hino popular de Maria da Fonte.

O hino, composto no mesmo ano de 1846 por Paulo Midosi, foi interpretado por vez primeira em público o 24 de Junho, um mês após os principais incidentes revolucionários. E hoje continua a ser utilizado em actos cívicos e militares.

O hino apresenta uma das muitas figuras que se popularizaram de Maria da Fonte. De facto Joana Maria Esteves, Joaquina Carneira, Josefa Caetana, Maria Angelina, Maria Custódia Milagreta, Maria da Fonte do Vido, Maria da Mota, Maria Luiza Balaio, Maria Vidas, todas podem ter sido a Maria da Fonte que deu nome à revolta de 1846, um motim popular dirigido por mulheres, por muitas e não apenas por uma. Mas o hino popularizou só uma: a Maria que leva pistola na mão:  

Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os cabrais
Que são falsos à nação 

disposta a matar os Cabrais, na altura com altas responsabilidades no Governo.

Não foi o hino a única representação literária de Maria da Fonte. Camilo Castelo Branco escreveu um livro com o título Maria da Fonte, que trata minuciosamente deste assunto. Também são interessantes os Apontamentos para a historia da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte, escritos pelo padre Casimiro, que mesmo chegou a pagar uma quantidade importante de dinheiro para obter a informação. Na Biblioteca do Povo e das Escolas, o número 167 esta dedicado à história da Revolução da Maria da Fonte, contada por João Augusto Marques Gomes. Um dos primeiros trabalhos do romancista Rocha Martins intitula-se Maria da Fonte. E Zeca Afonso escreveu a canção “As 7 mulheres do minho”; mulheres que põe nas páginas mais brilhantes da história de Portugal, para lembrar este facto.

Hino de Maria da Fonte: 

Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os cabrais
Que são falsos à nação 
É avante Portugueses
É avante não temer
Pela santa Liberdade
Triunfar ou perecer 
É avante Portugueses
É avante não temer
Pela santa Liberdade
Triunfar ou perecer 
Viva a Maria da Fonte
A cavalo e sem cair
Com as pistolas à cinta
A tocar a reunir 
É avante Portugueses
É avante não temer
Pela santa Liberdade
Triunfar ou perecer 
Lá raiou a liberdade
Que a nação há-de aditar
Glória ao Minho que primeiro
O seu grito fez soar


As 7 mulheres do Minho

As sete mulheres do Minho
mulheres de grande valor
Armadas de fuso e roca
correram com o regedor
Essa mulher lá do Minho
que da foice fez espada
há-de ter na lusa história
uma página doirada
Viva a Maria da Fonte
com as pistolas na mão
para matar os Cabrais
que são falsos à nação.

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