As refeições no Tavares dos Vencidos da Vida

Screen Shot 2018-06-15 at 13.33.43
photo_camera Un aspecto do interior do Tavares

Por toda a parte há restaurantes que formam parte da história de uma ou outra cidade. Um destes fica em Lisboa, é dos mais antigos do mundo e tem as paredes e o teto forrados em ouro 24 quilates. Os lustres de cristais, os espelhos venezianos, as estátuas, as cadeiras forradas de veludo, copos de cristal lapidados… proporcionam um nível de elegância digno de um rei, caso a elegância ser compatível com a realeza. 

Falamos do Tavares Rico, no bairro do Chiado, a oferecer uma excelente experiência desde 1784 ano em que abriu com o nome de “Talão” e servia “refrescos, ovos fritos e outras bebidas“. Em 1861 foi comprado por Vicente Marques Caldeira com o intuito de o transformar no “lugar mais chique de Lisboa“. Diz-se que os irmãos Tavares, que deram nome ao local, trajavam sempre de jaqueta e sapatos de ourelo e dirigiam-se aos fregueses sempre em verso. 

O Restaurante Tavares é o mais antigo de Portugal e pelos seus salões passaram algumas das mais ilustres personagens da sociedade portuguesa e estrangeira. Destacam-se entre essas personagens, um grupo de intelectuais que nele se reunião periodicamente em finais do século dezanove, os Vencidos da Vida, grupo que incluía entre outros, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e Eça de Queirós. Foi Eça que escreveu sobre as excelentes refeições do Tavares no seu romance Os Maias, de 1888.

Na atualidade segue a ser muito concorrido mas é possível conseguir uma mesa mediante reserva (pode reservar online). 

Uma curiosidade é que as mesas levam nome de celebridades. Fiquem com as palavras de uma delas, Eça de Queirós, e desfrutem com ele do almoço, do bife, da perdiz fria … e da conversa:

 


-Bem, gritou ao cocheiro, vai ao café Tavares...

Screen Shot 2018-06-15 at 13.33.51No Tavares, ainda solitário àquela hora, um moço areava o sobrado. E enquanto esperava o almoço Ega percorreu os jornais. Todos falavam do sarau, em linhas curtas, prometendo detalhes críticos, mais tarde, sobre esse brilhante torneio artístico. Só a Gazeta Ilustrada se alargava, com frases sérias, tratando o Rufino de grandioso o Cruges de esperançoso: no Alencar a Gazeta separava o filosofo do poeta; ao filosofo a Gazeta lembrava com respeito que nem todas as aspirações ideais da filosofia, belas como miragens de deserto, são realizáveis na pratica social; mas ao poeta, ao criador de tão formosas imagens, de tão inspiradas estâncias, a Gazeta desafogadamente bradava "bravo! bravo!". Havia ainda outras abomináveis sandices. Depois seguia-se a lista das pessoas que a Gazeta se recordava de ter visto, entre as quais "destacava com o seu monóculo o fino perfil de João da Ega, sempre brilhante de verve". Ega sorriu, cofiando o bigode. Justamente o bife chegava, fumegante, chiando na frigideira de barro. Ega pousou a Gazeta ao lado, dizendo consigo: "Não é nada mal feito, este jornal!".

No Tavares, ainda solitário àquela hora, um moço areava o sobrado. E enquanto esperava o almoço Ega percorreu os jornais

O bife era excelente: e depois de uma perdiz fria, de um pouco de doce de ananás, de um café forte, Ega sentiu adelgaçar-se enfim aquele negrume que desde a véspera lhe pesava na alma. No fim, pensava ele, acendendo o charuto e lançando os olhos ao relógio, naquele desastre praticamente encarado só havia para Carlos a perda de uma bela amante. E essa perda, que agora o angustiava, não traria depois compensações? O futuro de Carlos até aí tinha uma sombra - aquela promessa de casamento que irreparavelmente o colava pela honra a uma mulher muito interessante, mas com um passado cheio de brasileiros e de irlandeses... A sua beleza poetizava tudo: mas quanto tempo mais duraria esse encanto, o seu brilho de deusa pisando a terra?... Não seria por fim aquela descoberta do Guimarães uma libertação providencial? daí a anos Carlos estaria consolado, sereno como se nunca tivesse sofrido -e livre, e rico, com o largo mundo diante de si!

O relógio do café deu dez horas. "Bem, vamos a isto", pensou Ega.


Nota: na imaxe interior aparece João da Ega por Wladimir A. de Souza.
 

 

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