TORRE DE TREZENZóNIO

Três corpos numa ilha, outro na montanha

Aparecem os corpos de três homes irlandeses, enterrados detrás dum pub, e não é uma brincadeira. Os três corpos pertencem á cultura do Vaso Campaniforme, que tivo lugar entre o final do Neolítico, já com emprego do cobre, e o princípio da Idade de Bronze. O Vaso Campaniforme ou Bell Beaker é um recipiente que se empregava para o consumo duma bebida alcóolica, provavelmente um tipo de cerveja ou augamel —pero canto tempo levava ali esse pub?—. São irlandeses de há bastante tempo, os dous mais antigos são de 2.000 ane (antes da nossa era) aproximadamente e o mais recente de cerca de 1.500 ane, o que dá mais de 3.500 anos de antiguidade para o mais recente.

Illa de Rathlin
photo_camera Illa de Rathlin


A ilha de Rathlin

Rathlin é uma ilha situada na costa da Irlanda do Norte a pouca distância da Escócia. A ilha só tem uns 11 quilómetros de longo e quilómetro e médio de largo.

Um dos genomas, do que se obtivo uma sequência bastante complete, mostrava uma herdanza genética substancial procedente da Estepe e de poucas gerações mais atrás o que indica um influxo de população desta origem na Irlanda poucos centos de anos antes. O parecido destes irlandeses da Idade de Bronze é mais forte cos irlandeses, escoceses e galeses modernos e vários marcadores importantes na Irlanda de agora já estavam presentes. Incluindo os da capacidade de digerir a lactasse, os olhos azuis. O grupo R1b do cromossoma Y, e uma variedade característica da enfermidade da hemocromatose. O paper pode-se descarregar aqui.

Em conjunto, estes irlandeses da pré-história parecem-se mais do esperado á população actual da Irlanda e isso é um problema com duas variantes.

O problema da maioria do ADN

O ADN Y é um só cromossoma que procede do avó paterno e por tanto não nos informa sobre o resto dos cromossomas deste avó. E, desde logo, nada sobre a genética dos outros três avós, para isso há que avaliar o resto do genoma.

O perfil genético dos corpos de Rathlin encaixa sem problemas coa população irlandesa de agora mesmo. Isto implicaria que a população da Irlanda não recebeu aportes significativos depois da época do vaso campaniforme, e que a população da Irlanda estava já formada há 3.500 anos.

O perfil genético dos corpos de Rathlin encaixa sem problemas coa população irlandesa de agora mesmo

Isto não seria um problema se não for por que o consenso entre os principais especialistas em línguas célticas era que o gaélico não chegou á Irlanda até a Idade de Ferro, e provavelmente não antes do 300 ane. Um livro recente —do 2013— de J. P. Mallory, considerado o principal especialista em línguas indo-europeias, ainda propõe este cenário como algo evidente.

J.P. Mallory: The Origins of the Irish

Os corpos de Rathlin praticamente descartam essa hipótese: se a população irlandesa era a mesma que agora há 4.000 anos, mais de 1.000 anos antes de começar a Idade de Ferro, então quem levou o gaélico á Irlanda?

Precisamos uma emigração o bastante numerosa como para impor o seu idioma aos nativos e não parece que houvera nenhuma de 3.000 anos para acá. Logo, o gaélico ou uma língua que evoluiu para se converter no gaélico já se falava na Irlanda arredor do 1.500 ane

O problema do R1b na Europa Ocidental

A princípios deste século, começaram aparecer os primeiros estudos genéticos das linhagens do ADN mitocondrial (as mulheres) e do cromossoma Y (os homes). Os livros de Brian Sykes e Stephen Oppenheimer sobre o povoamento da Europa em geral e das Ilhas em particular oferecem um bom resumo.

Entre as linhagens mais destacadas nestes estudos aparecia uma R1b que é maioritaria na Europa Ocidental. Mais do 80% dos homes no País Basco, em Catalunha ou na Irlanda; e mais do 50% dos homes em Europa Ocidental coa exceção de Asturies. As conclusões destes primeiros estudos eram que estas linhagens ao ser as mais abundantes no Ocidente da Europa seriam também as mais antigas. A explicação mais simples era que eram as mais estendidas porque eram as que chegaram primeiro e tiveram mais tempo para povoar a Europa.

Mas os primeiros estudos de ADN antigo não acharam rastro desta linhagem, o mais famoso é o caso de Ötzi, o home que apareceu num glaciar, mas há outros muitos estudos menos conhecidos. Até agora a linhagem R1b não aparecia na Europa central e Ocidental até a época do Vaso Campaniforme, co que os homes de Rathlin seriam dos europeus ocidentais mais antigos registrados com esse marcador.

A situação não está clara já que só há dous corpos da Europa Ocidental da época paleolítica dos que se conhece a linhagem Y. O de La Braña em Leão e o de Lochsbourg em Luxemburgo. Não se conhecem genomas dessa época na maior parte da Francia nem na Galiza, Portugal, ou as ilhas etc. Por tanto não se pode descartar que essa linhagem já estivesse presente só que ainda não se achou.

Se a população irlandesa era a mesma que agora há 4.000 anos, mais de 1.000 anos antes de começar a Idade de Ferro, então quem levou o gaélico á Irlanda?

Este estado de opinião vem reflectido no livro de Jean Manco: Ancestral Journeys: The Peopling of Europe from the First Venturers to the Vikings. Há uma web com dados genéticos actualizados aqui e outro livro sobre os celtas que vem dizer praticamente o mesmo no que a genética se refere.

O último capítulo deste enredo apareceu em Nature a semana passada. Num estudo, publicado o 2 de Maio, sobre as linhagens dos homes europeus do Paleolítico vem incluído um R1b de há 14.000 anos em Villabruna, Itália e outro de há cerca de 8.000 anos do norte da Península, já do Neolítico, os mais antigos da Europa Ocidental com muito. O artigo é de pago mas pode-se ver um bom resumo, em inglês, aqui. O home de Villabruna andaria pelo 12.000 ane, uns 10.000 anos mais antigo que o primeiro dos corpos de Rathlin.

O enterramento de Villabruna

A importância destas linhagens deriva de que correspondem com bastante precisão coas linguas Indo-Europeias ocidentais (R1b) e orientais (R1a). As línguas Indo-Europeias mais difíceis de classificar, como por exemplo o grego, correspondem com populações onde se misturar R1a com R1b e com outras linhagens, mas sem que nenhuma dominar claramente.

Conclusões

Segundo as provas genéticas, os habitantes da Irlanda do período do vaso campaniforme já deviam ser celtas ou proto-celtas. Mas tem uma relação coas estepes que vêm confirmar outra das lendas irlandesas, Que os gaélicos vinheram da Escitia. Um comentário aqui. Na época do mais recente dos corpos de Rathlin há uma cultura descoberta há bem poucos anos: o grupo Vilanova-Atios que coincide bem coa lenda da invasão da Irlanda pelos filhos de Mile Spanne.

O grupo Vilanova-Atios

Cando a publicação do meu primeiro artigo sobre os celtas, vai alô de dez anos, o marco aceitável era La Tene, sobre o 500 ane e os que propunham uma data entre o 500 e o 1.000 ane eram considerados pouco rigorosos, e dizer que as línguas celtas já tinham que estar formadas ao começar o Bronze Atlântico, sobre o 1.200 ane parecia pura fantasia.

A dia de hoje, já se pode propor a época do Vaso Campaniforme, uns 1.000 anos mais atrás.

Vai chegando o momento em que não vai quedar mais remédio que tomar em sério, as tradições lendárias; que não é o mesmo que tomá-las ao pé da letra. Tomar em sério mesmo as que estarem recolhidas por monges medievais pouco de fiar, e não falo só das da Irlanda.

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