Os Papéis de prisão de Luandino Vieira

No passado 24 de novembro a  Fundação Calouste Gulbenkian acolheu a apresentação do livro Papéis da Prisão. Apontamentos, diário, correspondência (1962-1971) da autoria de José Luandino Vieira. O processo de escrita destes Papéis tem como termos cronológicos e fronteiras espaciais a entrada do escritor no Pavilhão Prisional da PIDE de São Paulo de Luanda (1961) e a sua saída do Tarrafal (1972).

luandino

 Em sinopse, facilitada pela editora, diz-se que o livro reflecte os 12 anos de cárcere efetivo de José Luandino Vieira, anos em que “coligiu um acervo considerável que agora publicamos, graças ao apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e à investigação realizada no Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, sempre em estreita colaboração com o autor". A materialidade destes cadernos é composta por aproximadamente 2000 frágeis folhas manuscritas onde José Luandino Vieira anotou a sua visão do cárcere como observatório excecional da nação angolana, manifestou os seus projetos políticos e literários, evidenciou o projeto comunitário de Angola como o veículo da união e resistência coletiva e expressou as angústias e sonhos pessoais.

Os cadernos estão datados e apresentam um assinalável valor humano, literário e político no que diz respeito às lutas de libertação, José Luandino Vieira à nação angolana, ao projeto literário de José Luandino Vieira, a questões de história e literatura angolana.

A revolução é uma bicicleta, se paras de pedalar cai

Arnaldo Santos, amigo de Luandino, falou sobre a importância destes materiais para reconstituir o clima social e político em Angola: “Há muito material capaz de interessar aos angolanos, provavelmente não só, para reconstituir um clima social e político que para nós é muito importante” e Margarida Calafate apresentou o texto como “uma obra sobre a liberdade, sobre a importância da liberdade e sobre o que temos de fazer, como temos que lutar quando ela falta”.

"O que está aqui não é um livro, são 12 anos da vida de uma pessoa, multiplicados por cada segundo que, nesses 12 anos, eu multiplicava por tudo quanto me vinha à cabeça"

Mas foi o próprio Luandino que começou  a intervenção pedindo “aos que puderem ler, que o leiam apenas com o sentimento” de que “o que está aqui não é um livro, são 12 anos da vida de uma pessoa, multiplicados por cada segundo que, nesses 12 anos, eu multiplicava por tudo quanto me vinha à cabeça - e nem sempre eram coisas recomendáveis, como verão; duma maneira geral eram coisas injustas, como também repararão. Mas fui convencido a deixar publicar isto antes de morrer, porque estes papéis soem ser publicados depois de morrer, exatamente apenas por duas razões: uma porque ao reler-me encontro em todo ainda uma pequeníssima fagulha de qualquer coisa que precisa de ser  soprada; esse é um ponto; e outra porque publicar depois de morto é muito fácil".

Nunca serei um mal nacionalista

“Quando eu estava ainda nas lutas de rua durante aquele terrível ano de 1975, em Luanda, eu li uma frase numa parede, penso que era maoista, não cometo nenhum pecado em dizer que era maoista, agora, que dizia: A revolução é uma bicicleta, se paras de pedalar cai. Nessa tarde eu fiquei a pensar nessa frase, para mais tarde me espantar com a imensa criatividade do nosso povo que está aqui retratada em quase todas as páginas deste livro, onde falam, onde há a intervenção dos meus colegas de prisão que em metade do livro eram lumpemproletariado, eram os presos de delito comum e na outra metade, como é que hei de chamar, incluindo-me a mim próprio, eram lumpemburguesia. Essa também é uma divisória destes cadernos".

Finaliza a intervenção com uma homenagem, mais bem lembrança, de Luandino a Arnaldo Santos e ao quimbundo, como língua e cultura que está na base da atual Angola e também de boa parte dos Papéis. Finalmente, uma cita de uma carta a sua mulher: “O meu amor por Angola é afinal uma forma de amor pela humanidade. Nunca serei um mal nacionalista”.

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