''Em Portugal já há professores que estão a pagar para trabalhar''

Mário Nogueira, presidente da lusa Federação nacional de professores, Fenprof, foi uma das pessoas convidadas entre as delegações internacionais que assistiram ao VI Congresso da CIG-Ensino. Conversamos com ele.

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photo_camera [Imaxe: SG]


Nogueira analisa para Sermos Galiza um panorama que nos é familiar. O governo de Portugal, afogado pela Troika, impulsionou medidas que resultaram numa taxa de desemprego de 122% entre o professorado em 2012 ou em mega-agrupamentos com 4.000 estudantes por escola. Na Finlândia só 2% dos centros têm mais de 600 pessoas. 

Sentiu em algum momento que a situação do ensino público que se descrevia não era a da Galiza, senão a do seu país?

Sim. As situações que ouvimos contar são muito semelhantes às que acontecem em Portugal porque, apesar de não haver no Estado espanhol uma intervenção oficial da Troika e, portanto, não haver um programa de resgate como lá, na verdade as medidas que têm a ver com as reduções dos salários, com o agravamento dos horários dos professores ou o incremento do número de alunos nas turmas... isso é também o que nós temos [sorri]

"Os professores são o setor que em Portugal, seja no setor público ou no privado, tem tido um maior aumento do desemprego registado oficialmente"

Sem conhecer no detalhe o que acontece aqui, de maneira geral os aspetos ligados à educação o que nós mais sentimos foram os cortes salariais dos professores, os cortes nos subsídios, foi um grande desemprego de professores --de 150.000 que tínhamos em seis anos conseguiram afastar 40.000--...

Falou no Congresso de uma percentagem de desemprego de 122% em 2012 entre o pessoal docente?

Assim é. De facto, os professores são o setor que em Portugal, seja no setor público ou no privado, tem tido um maior aumento do desemprego registado oficialmente. Porque depois temos muitos milhares de jovens professores que nunca conseguiram dar salas de aulas, que nunca foram sequer colocados numa escola. E muitos que emigraram para outros países. Estes não estão contados.

Agora bem, aqueles que têm direito a se anotarem no desemprego para receber o apoio social, a cifra de 2012 a respeito de 2011 subiu em 122%. Neste ano sabemos que em julho o aumento foi de 72% no que diz respeito a julho do ano passado, e em agosto foi de 44%. Falta por conhecer setembro, quando as cifras são maiores porque os contratos acabam o 31 de agosto.

"A lei diz que um acordo com a privada pode existir só se a escola pública está a mais de 4km ou, estando a menos, a pública está cheia. No mês de agosto aprovaram uma lei que acaba com os 4 km"

E em que condições trabalha o pessoal fixo?

Dos 90.000 professores que há lá, 18.400 ficaram sem um horário de trabalho estável. O governo não os pode despedir, mas alguns deles foram deslocados para escolas que distam daquela à que pertencem uns 300 ou 400 km.

Falamos de pessoas de 40 e muitos anos, 50 anos, que já estavam com família. Até se deram casos de casais de professores onde cada um foi enviado para um lado, que tiveram de alugar novas residências e os filhos tiveram que ficar ora com um ora com outro.

Para além da instabilidade laboral está também a instabilidade familiar e o facto de que neste momento há professores que estão a pagar para trabalhar. O que eles ganham não é suficiente para cobrir o que estão a gastar.

Prioriza o governo o ensino privado?

Sim. Há um claro intuito também de privilegiar o privado. O sistema público neste momento dá resposta a um pouquinho mais de 80% dos alunos e depois há uma franja de 20% que é ensino privado. Porém, dentro destes temos os privados onde os pais pagam e aqueles outros privados que têm um acordo com o estado.

"Há meninos que dão voltas imensas que quando chegam à escola já andaram uma hora de viagem"

A lei diz que esse acordo pode existir só se a escola pública está a mais de 4km ou, estando a menos, a pública está cheia. A própria Constituição da República diz que a resposta é o sistema público, porquanto o privado só pode receber financiamento do governo se está a complementar o sistema público.

Respeita-se isto?

Não. Que fizeram? No mês de agosto aprovaram uma lei que ainda não está em vigor mas que já foi publicada e que acaba com os 4 km. Que quer isto dizer? Que o governo pode financiar um colégio que está ao lado de uma escola pública! [sorri]

E pretendem instalar uma coisa que lhe chamam liberdade de escolha', que é uma forma de dizer que vão pagar o que escolham os pais. Isto é inconstitucional mas é o intuito deles. O orçamento do ano que vem corta 8,8% em educação. Tudo perde dinheiro, excepo o ensino privado.

"Nos últimos cinco anos fecharam mais de 5.000 escolas no rural"

Há mais um dado que deu o sábado que me resultou gritante: os mega-agrupamentos no rural com até 4.000 estudantes por escola. Segue o sistema público a cobrir as suas necessidades nessas condições?

Sim, mas com um sacrifício muito grande das crianças. Nos últimos cinco anos fecharam mais de 5.000 escolas no rural.

Começaram por fechar as que tinham menos de dez alunos, depois decidiram fechar as que tinham menos de 20 alunos e depois fizeram uma coisa: com dinheiro comunitário começaram a construir os grandes centros educativos, onde concentram os meninos às vezes de todo o município numa só escola na sede do município.

A Câmara autárquica está obrigada a transportar, mas como não pode ter um autocarro para cada lugar, que é o que faz? Há meninos que dão voltas imensas que quando chegam à escola já andaram uma hora de viagem.

"O orçamento do ano que vem corta 8,8% em educação. Tudo perde dinheiro, excepto o ensino privado"

O agrupamento pode ter aspectos positivos em termos de socialização ou de realizar um maior investimento em material, por exemplo. Não nos opomos ao encerramento de escolas, senão ao encerramento de ordem aritmética: tem dez alunos, fecha. Não.

O encerramento de escolas devera ser uma decisão tomada pelos municípios e pelos pais em função das necessidades. Porém, o que fez o governo central foi publicar listas de escolas para fechar e ponto final. Mesmo quando os municípios e os pais eram contra.

O inquérito para que as famílias avaliem o professorado foi adiante?

Não. Chegou a haver um projecto em que no modelo de avaliação dos professores era a dada pelos pais e em secundária pelos alunos. O grande problema dos modelos de avaliação não é esta, senão o que ela pretende.

A avaliação deve servir para fazer um diagnóstico dos problemas e dar com o remédio para os solucionar. Mas eles faziam-na para que o professorado não continuara na carreira. Repara: eram maus professores, mas podiam continuar! Só lhes pagavam menos... [ri] Só lhes interessava pôr gente fora e reduzir os gastos. 

As primeiras grandes mobilizações dos professores em 2008 --uma em março com 100.000 pessoas e outra em novembro com 150.000 pessoas-- tiveram na origem o problema da avaliação porque viam nessa ideia um sistema perverso que em nada ia contribuir para a melhora do ensino.

Quer o governo fomentar a formação de 'juventude empreendedora'?

[ri] Sim, quer muito isso. Tenta dar a ideia de que os jovens não estão a trabalhar porque não são empreendedores, porque não querem fazer nada. Isso não é verdade.

Mihares de jovens que procuraram criar um pequeno negócio não teve sucesso. Infelizmente nos últimos três anos o maior empreendimento dos nossos jovens ten sido comprar um bilhete de avião para emigrarem para outro sítio.

"Com dinheiro comunitário fizeram grandes centros educativos onde concentram os meninos de todo o município numa só escola"

Têm em Portugal algo semelhante à LOMCE espanhola?

A nossa Lei de bases do sistema educativo (1986) é positiva e consagra uma escola inclusiva, gratuita e de qualidade. Todos os professores têm o mesmo salário e todos são licenciados. Porém, já tentaram várias vezes remexer na lei.

A direita quando esteve no poder anos atrás tentou pôr o privado a nível do público e acabar com a gestão democrática das escolas.

Aprovou a reforma no Parlamento porque tinham maioria, mas o presidente da república, que naquela altura era Jorge Sampaio, vetou-a.

"O maior emprendimento dos nossos jovens tem sido comprar um bilhete de avião para emigrarem"

Agora, estamos preocupados. Conhecemos a lei de aqui, a direita voltou ao poder e o presidente do Conselho nacional de educação é o ministro que tentou alterar daquela a Lei de bases.

Têm a maioria. Corremos o risco de que tentem fazer o que estão a fazer aqui: pegar na lei. Não há nenhuma indicação ainda, mas preocupam-nos muito que possa acontecer.

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