Macacos e cinopitecos

Ao longo da minha atividade como lexicógrafo e como estudioso e praticante da traduçom de textos científicos, tenho cunhado diversos termos em galego-português, nalguns casos referentes a aspetos da lexicologia do galego e, noutros casos, designativos de plantas ou animais exóticos até à data sem denominaçom vernácula na nossa língua. Precisamente, polo seu interesse para os leitores, focalizo neste artigo um de tais neologismos zoonímicos, por mim recentemente proposto para superar umha sensível deficiência designativa do gal-port. e porventura um dos termos da minha lavra com umha difusom potencial mais ampla. Para entendermos o neologismo, é precisa umha pequena contextualizaçom zoológica e filológica. Primates Dentro da ordem Primatas dos mamíferos, e deixando de parte os primatas inferiores, integrados por lémures e afins, os primatas superiores compreendem os macacos nom antropoides (= ingl. monkeys [sensu stricto]), os macacos antropoides (= ingl. apes: gibons, orangotangos, chimpanzés, gorilas) e o ser humano. Observe o leitor que, aqui, neste texto galego, para nos referirmos aos primatas superiores, utilizamos o vocábulo macaco, de harmonia com as covariedades normalizadas do galego, o lusitano e o brasileiro. Em gal-port. também existem os sinónimos símio, cultismo de uso técnico, e mono, mas esta soluçom, que triunfou em castelhano, em gal-port. ficou secundarizada. O vocábulo macaco provém de umha língua africana e os seus primeiros registos em gal-port. (como também os de mono) som do séc. XVI. Portanto, o estabelecimento da denominaçom vernácula preferente para designar os primatas superiores nom humanos verifica-se na nossa língua numha altura em que o galego, por causas políticas, já estava afastado dos usos formais e, portanto, nom tinha capacidade para criar ou acomodar de forma autónoma novos elementos lexicais. Por essa razom, o galego popular arrasta, a partir de entom, o uso, no sentido apontado, de mono, a soluçom imposta na Galiza polo castelhano. Ora bem, se os animais bem conhecidos entre nós antes do séc. XVI tenhem em galego um nome galego-português, como andorinha, coelho, coruja, doninha, lesma, lontra, minhoca e rola, num galego regenerado, também os animais bem conhecidos entre nós só depois do séc. XV tenhem de ter em galego um nome galego-português, e daí, portanto, em galego, macaco. Nesta linha de coerência constitutiva do sistema lexical galego, p. ex., o Nós Diario utiliza varíola dos macacos (varíola M na nova terminologia da OMS) em referência à doença conhecida em inglês por m(onkey)pox. Os animais bem conhecidos entre nós antes do s. XVI tenhem em galego um nome galego-português, como andorinha, coelho, doninha, lesma, lontra, minho, rola... Tendo ficado claro, pois, que macaco é a denominaçom vernácula normal e preferente em gal-port. para os primatas superiores nom humanos, chegamos ao nó da nossa questom. Acontece que, a partir do séc. XVIII, numerosas línguas europeias tomárom do gal-port. o vocábulo macaco, mas nom para denotarem os macacos em geral, para cuja designaçom já contavam com soluçons próprias, mas si para referirem um grupo integrado por 23 espécies de macacos de tamanho médio, gregários, habitantes de meios florestais da Ásia e do norte da África e subsumidos no género Macaca. Para este grupo particular de símios —conhecido, portanto, em cast. como macacos, e em ingl. como macaques—, de notável importáncia ecológica e médica, o gal-port., até agora, paradoxalmente, nom dispunha de umha denominaçom vernácula conjunta, embora si de denominaçons para cada umha das espécies do grupo: macaco-berbere (Macaca sylvanus), macaco-Reso (M. mulatta), macaco-japonês (M. fuscata), etc. Ora, que a nossa língua disponha de tal denominaçom é muito conveniente porque, até agora, a única soluçom designativa utilizável eram circunlóquios que incluíam o correspondente nome científico: "A link from the motor cortex to the brain stem coordinates the larynx muscles, a circuit absent in chimpazees and macaques". (Sci. Am.) &gt; 'Umha ligaçom do córtex motor ao tronco encefálico coordena [no ser humano] os músculos da laringe, circuito ausente nos chimpanzés e nos macacos do género Macaca'. (trad. nossa). Para preenchermos esta lacuna designativa, figemos a seguinte proposta neológica, primeiro na revista brasileira Confluência (2022) e, depois, no boletim A Folha dos tradutores portugueses na UE (2024): utilizarmos na nossa língua, dado que outras vias neológicas se revelárom improdutivas, a denominaçom paracientífica cinopiteco (etim., 'macaco-cam'), derivada do nome genérico obsoleto Cynopithecus, que algumha espécie do género Macaca apresentou no passado. Entretanto, o útil neologismo cinopiteco tem sido acolhido no dicionário e-Estraviz e no artigo "Macaca" da Wikipédia-pt, e cabe esperarmos que venha a ter uso e difusom em textos de toda a Lusofonia.