A língua mais difícil do mundo

O galego é a língua mais difícil do mundo: tanto o é que poucos som hoje os textos institucionais compostos no nosso idioma e endereçados ao público que nom apresentam algum tipo de deficiência expressiva. Um caso paradigmático poderá ser o seguinte, em que o emissor do texto é o Governo Galego, junto com a empresa Ecoembes, e em que a mensagem corresponde a um anúncio publicado na imprensa no passado abril: "O mundo precisa un xiro. Pasa do usar e tirar á economía circular, na que reciclando latas pódense fabricar lámpadas. Latas, briks e envases de plástico sempre ao colector amarelo". Este texto exortativo revela-se especialmente clarificador porque, apesar da sua brevidade, e para além da sua defeituosa pontuaçom, patenteia as três circunstáncias que tornam o galego a língua de uso formal mais difícil do mundo: trata-se de um idioma mal codificado, mal ensinado e mal aprendido. Poucos som hoje os textos institucionais compostos no nosso idioma sem algum tipo de deficiência expressiva Codificaçons O galego é um idioma mal codificado polo oficialismo. Para já, é claro que a ortografia da RAG=ILG, polo seu pendor castelhanizante, o impede de atualizar as suas capacitantes e prestigiadoras potencialidades galego-portuguesas, e, pola sua natureza isolacionista, o peja com soluçons aberrantes (como xiro, por giro), que distorcem as bases etimológicas do vocabulário culto pan-europeu (ex.: no oficialismo, os formantes gregos de exógeno confundem-se [esóxeno] com os iniciais de esotérico e xenofobia!). No entanto, é no domínio do léxico que a RAG=ILG, mediante a sua deficiente codificaçom, em maior medida fai fracassar o texto acima transcrito. Insistimos em que aos codificadores oficialistas falta, de modo escandaloso, inteligência lingüística, o que nom é insulto gratuito, mas triste constataçom objetiva. Assim, se no galego genuíno tirar significa ‘extrair’ e ‘obter’ (“tirar água do poço”, “tirar conclusons”, “tirar a carta de conduçom”) –o que é documentado no próprio DRAG–, nesse texto, em “usar e tirar”, este verbo é utilizado em sentido antagónico, no de ‘botar fora’ (!), uso, castelhanizante e paradoxal, avalizado polo DRAG (uns codificadores competentes teriam padronizado para o galego culto, de harmonia com o luso-br., atirar, e nom tirar, com o sentido de ‘lançar, disparar’). Além disso, o que significa nesse texto “fabricar lámpadas”?, porque, segundo o DRAG, lámpada pode denotar, de harmonia com o luso-br., ‘aparelho elétrico (em forma de ampola) produtor de luz’ (= cast. bombilla), mas também, de harmonia com o cast., ‘utensílio de iluminaçom que pode portar umha ou mais lámpadas’, ou seja, aquilo que no gal-port. de Portugal se chama candeeiro! Precisamos, entom, de umha reflexom lógica e da inspeçom da ilustraçom anexa para concluirmos que, provavelmente, aqui, os publicistas se refiram a candeeiros! Provavelmente! Já no cúmulo do repintalgado, esse texto, depois de ostentar um neologismo castelhanizante, *lámpada ‘candeeiro’, encerra-se com um vistoso neologismo de invençom, *colector ‘contentor de’, o qual quebra de forma antieconómica qualquer coerência racional (se coincidimos com o luso-br. em dizermos conter e lixo, por que nom também em contentor de lixo?!). O galego, mal ensinado e mal aprendido O galego é um idioma mal ensinado e mal aprendido. Em larga medida, porque a ideologia oficialista –que, de forma antinatural, nos apresenta o luso-br. como língua estrangeira– priva a populaçom de umha exposiçom eficaz aos usos (cultos) da nossa língua, confinando o galego numha indigência de materiais que nem sequer docentes tam comprometidos como Carme Adán parecem saber superar (v. art. no ND “Imposible estudar Filosofía en galego”). De facto, a minha experiência docente em Traduçom indica que só umha reduzida fraçom dos alunos chega à Universidade com conhecimentos sólidos de léxico e de gramática galegos, e, p. ex., só uns poucos dominam a colocaçom do pronome átono. Precisamente, esse é outro dos lapsos do texto focalizado: no segmento “na que reciclando latas pódense fabricar”, a subordinaçom da cláusula exige a colocaçom pré-verbal do pronome (“se poden”), erro gramatical, este, o da posposiçom constante dos pronomes clíticos, cada vez mais estendido (a interposiçom do [breve] segmento “reciclando latas” entre a marca de subordinaçom e o verbo nom introduz aqui, num texto formal, exceçom à regra geral). Enfim, se o galego tivesse prestígio e, portanto, outra codificaçom, o texto criticado tornaria-se em “O mundo precisa de umha virada. Passe do usar e botar fora [ou descartar] para a economia circular, em que, reciclando latas, se podem fabricar candeeiros. Latas, tetrabriks e embalagens de plástico, sempre ao contentor amarelo”. Mas, claro, se o galego tivesse prestígio, e outra codificaçom, umha companhia elétrica do país nom se chamaria Xenera, nome que nom gera nem regenera.