O escritor José Eduardo Agualusa fala sobre o ciclone Idai

“Quando a Europa envia ajuda para Moçambique, não é um favor. É indemnização”

Um texto que publicava este meio a sexta feira ligava a tragédia acontecida em Moçambique com as mudanças climáticas devidas à actividade humana, sendo uma delas, talvez a principal, a indústria automobilística.
 

agualusa - foto pedro rios
photo_camera O escritor José Eduardo Agualusa. Foto; Pedro Rios.

Finalizava o texto salientando que "a reconstrução consiste no envio de palavras bonitas de solidariedade, em equipas de recolhida de cadáveres e em culpabilizar a Natureza de desastres que, sabemos, têm clara origem na agressiva actividade humana contra ela, se calhar mesmo na actividade desenvolta pelos destinatários desses exclusivos Porsches".


 
Hoje o escritor José Eduardo Agualusa, em entrevista para o Público, fala abertamente do papel da Europa. "Quando a Europa envia ajuda para Moçambique, não é um favor. É indemnização" e, especialmente, da China: "A China já destruiu o seu próprio território e agora está a destruir África".

A Beira é uma cidade construída numa zona pantanosa, mesmopor baixo do nível do mar. Agora, depois do ciclone Idai, parte da Beira só poderá existir na memória ou na literatura. O escritor angolano defendeu que é preciso preparar um futuro onde é certo que episódios tão ou mais graves que este se irão repetir. Foi em Leipzig, na feira do livro que termina este domingo que fez declarações para Público. Eis um estracto:


 
 As comunicações, o primeiro a cair

"Nenhum de nós tinha a ideia de que teria esta dimensão. Sabia-se que ia haver um ciclone, mas quando a tempestade aconteceu a primeira coisa que caiu foram as comunicações. Só se começou a ter a noção com as declarações do [Presidente Filipe] Nyusi; foi a primeira pessoa a falar em mil mortos. E se podem ser mais de mil mortes percebe-se que a dimensão é extraordinária.

É assustador, sobretudo atendendo às fragilidades de um país que não tem estruturas para enfrentar problemas destes. Quando caem as telecomunicações deixa de haver notícias. As pessoas que estão na Beira não conseguem transmitir o que se está a passar, a cidade fica isolada, não há estradas e é esse isolamento que explica que tenha demorado tanto tempo até se perceber a dimensão do desastre."


 
Aquecimento global: repensar o mundo


 
"Não sou eu que digo, este ciclone é resultado do aquecimento global, dizem os especialistas. E é uma coisa que se vai repetir; estamos a entrar, no mundo todo, num tempo novo, que é um tempo de grandes desastres resultantes do desequilíbrio do clima e do ambiente. Em países como Moçambique, e em Angola também, e nos restantes países do Sul, tem de se pensar como viver nesta nova situação; como viver num mundo sujeito a ciclones deste tipo.

Temos de repensar toda a arquitectura, a agricultura, que agricultura podemos ter neste contexto. Na zona da Beira, uma zona de cultivo de arroz, tudo se perdeu. E agora, sabendo que isto se pode repetir amanhã? E que pode acontecer pior? Temos de aprender a viver nesse novo contexto”.

Seria preciso talvez, seriamente, organizar centros de reflexão, juntando pessoas de todas as áreas científicas e políticas, para pensar como viver neste novo contexto. Estes eventos extremos também acontecem nos Estados Unidos, só que eles estão melhor preparados para os enfrentar, têm muito mais dinheiro, muito mais estruturas.

Não é ajuda, é indemnização

E isso leva-nos a outra questão: países como Moçambique não contribuíram para o aquecimento global. Não têm indústria, não têm agricultura intensiva, etc. Acho que com países como os EUA ou a China não se põe a questão de ajudar Moçambique; é quase uma indemnização. Esses países têm obrigação de reparar o que fizeram. Moçambique é uma vítima neste contexto, uma vítima absoluta. Isto tem de ser parte da discussão. Não estamos a falar de ajuda. Portugal não faz o favor de ajudar Moçambique. Portugal tem obrigação de reparar os danos que causou. Mas muito mais obrigação tem a China, que até está presente em Moçambique.

E há outra situação: muitos dos projectos com impacto ambiental negativo já não são possíveis na Europa, como certo tipo de agricultura prejudicial ao ambiente, e estão a ser ensaiados em Moçambique, com o apoio desses países. Não pode ser. A China já destruiu o seu próprio território e agora está a destruir África."

A entrevista completa em Público

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