Lusofonia, um conceito a debate

Existe uma comunidade lusófona? Se existir, em que termos devemos defini-la?

A-nossa-língua-no-mundo. Fonte Galician State
photo_camera A-nossa-língua-no-mundo. Fonte Galician State

Nos debates posteriores aos seminários ou em declarações dos assistentes ao VI encontro de escritores da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), celebrado na cidade de Praia nos começos deste 2016 que agora finaliza, surdiu mais uma vez uma questão que não é nova. Essa questão é: existe uma comunidade lusófona? Se existir, em que termos devemos defini-la? 

No encontro lançou-se um desafio aos escritores presentes: trabalharem nos seus países a favor da introdução no ensino fundamental de uma disciplina que estude a cultura dos países lusófonos e, de outra parte,  de criar um espaço de circulação de livros pois “só assim a lusofonia faz sentido no plano cultural”.

Por sua parte, o ministro cabo-verdiano da Cultura, Mário Lúcio (partidário da entrada da Galiza na CPLP: “Mas você tem o Macau, você tem o Curação, que fala o mesmo crioulo que nós. Então o Curação não faz parte da CPLP? Deveria fazer parte. Assim como a Galiza. São reflexões que a economia criativa vai obrigar porque com o desaparecimento dos territórios para espaços virtuais vão surgir novos espaços intangíveis”) lançou a ideia de a Lusofonia não ser outra coisa do que uma comunidade de países com outros interesses comuns do que serem “povos com língua portuguesa, porque nem todos pensam em português e temos muitas outras línguas”.

Questionar o prefixo luso-

A questão não é nova e vem da África. É a África que questiona o prefixo luso-. A professora Inocência Matta, em conversa com Carla Fernandes no RadioAfrolis número 91 de 7 de janeiro, perante a pergunta
- Poderia-me dar uma definição de lusofonia?, responde:

Incomoda-me a submissão das outras componentes desses países ao prefixo luso-. Incomoda-me. Não utilizo esse termo.


- Se pensarmos lusofonia como o falar a língua portuguesa, falar ou escrever, é tudo bem. É um termo que eu não utilizo, eu não combato, mas eu não utilizo porque me incomoda precisamente essa submissão das outras componentes desses países ao prefixo luso-. Incomoda-me. Não utilizo esse termo. E, portanto, os países são mais crioulófonos, bantófonos... Lusófonos é um termo que eu não utilizo. Mas, ok, eu não sou contra quem utiliza.

- Como é que podemos caracterizar a literatura portuguesa nos países africanos?

- Após as independências já não é possível pôr no mesmo grupo todas as literaturas africanas. As literaturas têm percursos completamente diferentes. Não é possível falar delas como se pertencessem a um grupo. As literaturas africanas surgem sob o signo do combate. A literatura angola começa no século XIX sob o signo da revindicação cultural e todas elas começaram sob esse signo. Então é possível ver como elas construiram durante um tempo um sistema de vasos comunicantes e tinham os seus autores, os agentes, os sujeitos, tinham consciência disso e dialogavam e trabalhavam de forma convergente. Antes das independências trabalhavam de forma convergente.

- E depois das independências?
- Depois das independências os países tomaram rumos completamente diferentes e os escritores, os agentes da cultura foram acompanhando esse percurso. E obviamente o percurso de Cabo Verde é muito diferente do percurso de Moçambique. Elas percorreram trilhos completamente diferentes. É nessa medida que até as independências é possível falar delas como se constituíssem um amplo sistema mas a partir dos anos oitenta é impossível falar delas nesse sentido. 

- É escreverem em português a única coisa que têm em comum? 
- Eu ousaria dizer que sim. Porque veja, a questão que se põe é que o mundo da língua portuguesa é um mundo bastante autista, não olha para o lado e os africanos também muitas vezes padecem dessa doença de achar que Angola é uma ilha no meio do mar em África, é uma ilha em África, está rodeada de mar. Não, Angola está rodeada de países que tem os mesmos problemas. E se nós lermos o que os escritores desses países escrevem vamos ver que as temáticas são bastante coincidentes, dialogam bastante. Nós é que olhamos só para o Brasil, para Portugal.

As temáticas dos escritores angolanos dialogam muito com a temática dos escritores à volta.

Os que estudam as literaturas africanas olham para os países como se fossem ilhas. A literatura moçambicana dialoga muito com a literatura de Zimbabwe, mas nós dizemos literaturas africanas de língua portuguesa como se o diálogo com a cabo-verdiana fosse maior. Não é. O diálogo entre a literatura moçambicana e a cabo-verdiana é nenhum, quer dizer, é nenhum no sentido em que era antes.


-Você esta a falar de proximidade em termos de território?
-Não só de território, de território que vai dar em cultura, em problemas, questões, angústias, aspirações. Tudo isso. Então, nós falamos de literaturas africanas em português. Então, como é que nós vamos designá-las? Estamos a designar bem. Eu não estou a dizer que estejamos a designar mal, o que estou a dizer simplesmente é que as pessoas da área tem que parar de pensar essas literaturas como se elas fossem um sistema,  porque não dialogam com o mundo à volta. E o mundo à volta é África, não é o Brasil. Isso é o que eu quero dizer.

Angola, uma ilha cultural e linguística

Mas não há unanimidade na visão da questão. Para o escritor e jornalista angolano José Luís Mendonça Angola é “uma ilha cultural e linguística” que vive um dilema de não reencontro com África, com o inglês a dominar numa sociedade cada vez mais americanizada. Para o autor os angolanos são “mais europeus que os países vizinhos” e estão cada vez “mais europeizados”, o que os isola no continente africano.

- As línguas que falamos são as línguas europeias: o português, inglês e o francês, que fazem de Angola uma ilha cultural e linguística. Não temos contacto com os criadores, principalmente escritores de países vizinhos”, disse em entrevista concedida na cidade de Praia durante o encontro UCCLA.

“Em 40 anos de descolonização, o país não conseguiu reencontrar-se com a “essência, o âmago e a forma de viver africano”.


- Os angolanos conhecem melhor a literatura portuguesa e brasileira do que a de Moçambique, disse. A razão é que, segundo ele afirma, "a literatura angolana está pouco divulgada em todo o mundo. Em Angola não temos nenhum empresário que possa fazer esse negócio, não temos quem pegue no livro e faça essa aposta”, disse, considerando que para ter sucesso é preciso sair do país. "Um escritor que tenha projeção em Lisboa, o centro difusor, consegue ter traduções na Alemanha, na Inglaterra e na América, como os casos de Pepetela, Agualusa e Ondjaki, porque investiram muito fora de Angola"

Para ter sucesso em Lisboa, e a seguir no Brasil, o escritor africano, para além de ser um bom escritor, uma boa escritora, tem de ser branco,

Curiosamente também faz notar Inocência Mata este facto mas para acrescentar uma outra variável: para ter sucesso em Lisboa, e a seguir no Brasil, o escritor africano, para além de ser um bom escritor, uma boa escritora, tem de ser branco, ou mestiço particularidade que também aplica à sua condição de mulher negra.

Sendo mulher, negra, está na faculdade há imensos anos, já tem estado por todo o mundo, como é que caracteriza a sua carreira académica, aqui em Portugal e no mundo. Como mulher negra, agora já falando assim.

-Bem, não foi fácil, não é, mas não é uma carreira por aí além, há muitos colegas meus que têm essa carreira. Por ventura terão tido menos dificuldades do que eu porque a partida é tal ideia que se põe em relação a mulher e o negro, tem que ser melhor para poder entrar em certa meritocracia, que é um discurso perverso: o que importa é o mérito. Desculpa! Tu não podes é dizer isso! Queres dizer que a ausência de negros e mulheres em determinados cargos devém da incompetência deles, e delas?

O negro, a mulher, tem sempre que ser melhor para estar em determinados cargos. 


-Como conjuga o facto de ter nacionalidade portuguesa, ser uma mulher negra, ter residência em São Tomé e ter vivido em Angola. 
-Quando fala de nacionalidade está a pensar no passaporte, não é?
- Precisamente
- Pois, mais eu tenho mais do que uma. Portanto, eu prefiro falar de nacionalidade cultural. O passaporte posso ter canadiano, posso ter os que eu quiser. Eu acho que realmente eu tenho essa, a minha identidade é o resultado precisamente dessa convergência de cultura e mundividência são-tomense, de Angola e de Portugal mas sempre na condição de africana, e é por isso que também é importante, sempre dessa perspetiva, vendo a África desde dentro e vendo a África deslocada.


 

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