CAVACO NOMEIA PASSOS COELHO PRIMEIRO MINISTRO APESAR DE NÃO TER MAIORIA

O labirinto português

O conservador Cavaco Silva, presidente da República portuguesa, indigitou esta quinta feira Passos Coelho, o líder da coligação Portugal à Frente, como novo primeiro ministro, apesar de o dirigente do PSD não dispor do respaldo da maioria dos assentos da Assembleia da República.

Passos Coelho, na sua reunião com Cavaco
photo_camera Passos Coelho, na sua reunião com Cavaco

O sistema constitucional português

Em Portugal a faculdade de nomear, indigitar, primeiros ministros corresponde à presidência da República, uma vez ouvidos os porta-vozes dos grupos parlamentares.

Cavaco Silva adoptou a decisão de indigitar Passos Coelho e fê-lo ciente de o líder da direita não ter apoios suficientes na Câmara. Por que? Em aplicação duma norma não escrita mas cumprida até o de agora em 40 anos de democracia: quem ficar como primeira força nas eleições é chamado a fazer governo. Há uma outra razão: a direita teme a hipótese de se vir a consolidar um governo de esquerda plural por vez primeira na história moderna do país. Com este movimento de Cavaco os conservadores ganham tempo.

Programa de governo

Uma vez indigitado como primeiro ministro, Passos Coelho deverá obter agora a confiança da Assembleia da República. Vem obrigado a apresentar-lhe um programa de governo. Esse programa não tem hoje qualquer hipótese de vir a ser aprovado. A sua segura rejeição envolve a demissão do primeiro ministro.

Depois da rejeição

Uma vez rejeitado o programa de governo do seu primeiro ministro, que pode constitucionalmente fazer o presidente da República? Aí há basicamente dois cenários. O primeiro, o de indigitar um novo primeiro ministro. Nesse caso seria António Costa, o líder do PS, quem si dispõe de respaldos parlamentares (o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português). Isso seria o mais lógico do ponto de vista democrático e garantiria a governança do país, pois as distintas expressões da esquerda têm maioria absoluta em São Bento. Mas Cavaco Silva pode fazer legalmente outra coisa: não indigitar Costa e manter Passos Coelho como primeiro ministro em funções. Seria uma situação muito anómala do ponto de vista da legitimidade democrática, sendo que o chefe do Executivo o seria sem ter a confiança do Parlamento.

Pode dissolver Cavaco Silva e chamar a eleições?

O presidente da República pode-o fazer normalmente, mas não neste momento, sendo que está no semestre final do seu mandato. A Constituição proíbe expressamente a dissolução nos derradeiros 6 meses de estância no Palácio de Belém. Se Cavaco optar por manter Passos Coelho como primeiro ministro, o líder do PSD ficaria ao fronte do Executivo até a realização das eleições à presidência da República. Isto é, Cavaco transferiria ao seu sucessor na Chefia do Estado a decisão de ou bem dissolver a Assembleia -coisa provável de ganhar o candidato da direita- ou bem indigitar António Costa -coisa segura de vencer a esquerda.

O dilema de Cavaco

O dilema neste momento de Cavaco pode formular-se nestes termos: ou age como um dirigente da direita e permite a Passos Coelho governar sem legitimidade enquanto não se renovar a presidência da República ou aceita a vontade do povo português e dá passo à formação dum governo sustentado na maioria da Câmara.

Se julgarmos pelo discurso em que Cavaco Silva anunciou esta quinta feira ao país a indigitação de Passos Coelho -depoimento em que criticou com muita dureza o Bloco e o PCP, forças as que chamou de "anti-europeístas"- tudo indica que o presidente da República manobrará para deitar por terra a histórica hipótese dum governo do PS respaldado na câmara por forças de esquerda não social-democratas.

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