Eleições municipais e a missão de confundir

Foi dada a largada oficial à campanha das municipais no Brasil. A atmosfera política nebulosa garante um frisson particular a essas eleições, uma vez que seus resultados indicarão o norte da bússola que regerá o país até as presidenciais de 2026. As consequências nunca são puramente teóricas ou de organização, elas serão baliza para as ações governamentais e dos parlamentares. Nas análises da opinião publicada, a tendência é confrontar as perspectivas do Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula, e do Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro. O engajamento desses líderes, atividade perfeitamente natural em suas posições, indicaria, segundo essa toada, uma grande “nacionalização” das eleições municipais. Trata-se de um ângulo praticável, uma vez que a presença de Bolsonaro em diferentes partidos levou de roldão uma tropa considerável à Câmara de deputados; um fato que, por sua vez, garante o financiamento das campanhas via Fundo Partidário e maior tempo de propaganda televisiva. Em 2018, no Partido Social Liberal (PSL), a bancada cresceu de 1 para 52 parlamentares e, em 2022, o PL do ex-presidente ganhou 23 novos membros eleitos, chegando a 99 deputados. A verossimilhança pára por aí. Essa leitura, sesgada pela miopia e pela hipermetropia, quer alavancar o PL como força política partidária equiparável ao PT, por um lado, e, por outro, ignora que o PT tem resultados municipais historicamente inferiores aos nacionais. Por exemplo, na região Nordeste, onde Lula acaparou 67% dos votos no primeiro turno de 2022, o PT não elegeu nenhum prefeito de capitais em 2020. Já o PL pertenceu tradicionalmente ao “Centrão”, um grupo mais ou menos definido de partidos que se aliam e coligam conforme a conveniência para abocanhar fatias de poder. Não devemos esquecer que o vice-presidente dos primeiros dois mandatos de Lula (2003-2010), José Alencar, foi do PL, que hoje se posiciona na oposição por cálculo político derivado da figura que mais lhe garante votos, Jair Bolsonaro. (Essa figura, por sua vez, já parasitou 9 partidos diferentes desde 1989, e nada garante que permaneça no atual até 2026). A evolução da lei eleitoral brasileira é um fenômeno espantoso por si só O resultado dessa soma de percepções equivocadas é vivificar a propagada “polarização” nacional e a figura de Bolsonaro com o que ele representa, além de preparar o terreno para enfraquecer o governo. No mundo real, que tem importado cada vez menos, o PT tem pouco espaço para cair após números desastrosos em 2020 e, principalmente, em 2016, havendo uma chance importante de fortalecimento interno com o suporte advindo do governo federal. Os números A evolução da lei eleitoral brasileira é um fenômeno espantoso por si só. Há muito pouco espaço para qualquer debate ou proposição, mas o que não há mais são pesquisas de intenção de voto confiáveis. Não sei se existiram algum dia, mas a profusão de institutos e de pesquisas autofinanciadas faz com que números muito divergentes se tornem manchete em uma mesma semana. Com esta ressalva, segundo o instituto Datafolha, partidos do dito “Centrão” lideram em 21 das 26 capitais do Brasil. Com viés conservador e mais de 200 dos 513 deputados federais, o Centrão está sempre aberto a negociações, tendo participado do governo Bolsonaro e, hoje, do governo Lula. O PT formalizou 14 candidaturas em capitais e o PL, em 15 - nove delas em confronto direto. Em nenhum caso os partidos aparecem na liderança. Uma tendência consistente é o número de eleitores que desistem das urnas. O voto é obrigatório no Brasil, mas entre as eleições municipais de 2000 e de 2020, as abstenções em 2º turno praticamente dobraram, indo de 16,2% a 29,4%. Os fantasmas Além dos representantes tradicionais, um novo tipo de personagem ganhou protagonismo nessas eleições. Impulsionados pelo fazer político da extrema direita bolsonarista, figuras extremamente caricatas voltaram a disputar o poder executivo com expressividade. Na maior cidade do país, São Paulo, um coach messiânico, acusado de diversos tipos de fraude na internet e cujo patrimônio declarado cresceu 100 milhões em dois anos, aparece em 3º lugar nas pesquisas. Pablo Marçal veio cumprir o script de esquivar qualquer tema que possa interessar aos eleitores e lançar o espaço político na lama. Em 2022, na função de coach, levou um grupo de “aventureiros” a uma escalada perigosa que quase terminou em tragédia. Na ocasião, postou um story no Instagram dizendo que “somente os irresponsáveis chegam ao topo”. Parece que é uma tendência das redes. Vamos medir.