Do jornalista portugués Bruno Amaral de Carvalho, en exclusiva para Nós Diario

Crónica desde o Donbass: Viagem ao inferno de Mariupol

Esta cidade que antes tinha quase meio milhão de habitantes é agora o palco dos maiores confrontos desta guerra. Aqui, a sobrevivência é o objectivo de cada dia.

Os habitantes das cidades bombardeadas intentan recuperar pouco a pouco a normalidade. (Foto: Bruno Amaral de Carvalho)
photo_camera Um home em bicicleta en Valnavakha, uma cidade de 20.000 habitantes sob controlo das autoridades de Donetsk. (Foto: Bruno Amaral de Carvalho)

A viagem entre Donetsk e Mariupol faz-se pela mesma auto-estrada usada durante anos por milhares de pessoas para disfrutar da praia no Mar de Azov. O nosso condutor é uma dessas pessoas. Pela primeira vez desde 2014, vai a caminho da cidade que ocupa as capas dos principais diários. Ao longo desta via, um autêntico cemitério de gasolineiras. "Eu parava sempre nesta com a minha mulher e os meus filhos. Inacreditável", desabafa.

A meio da viagem, a viatura sai da auto-estrada porque um dos viadutos foi destruído. Temos de seguir por caminhos secundários e atravessar aldeias que passaram recentemente para o controlo das forças separatistas da República Popular de Donetsk, apoiadas pelas tropas russas. Numa delas, vemos pela primeira vez uma bandeira do Partido Comunista da Ucrânia, ilegalizado em 2015. É um vestígio dos comunistas, que antes do golpe que derrubou o presidente Yanukovich eram uma das principais forças políticas na região de Donbass.

O inferno tem nome

A entrada em Mariupol faz-se por uma estrada cheia de carros calcinados e vários postos de controlo. Os jornalistas têm de mostrar uma credencial militar. Ao fundo, uma cidade pintada de negro. Do lado direito, milhares de pessoas concentram-se num centro de ajuda humanitária disponibilizado para o efeito pelas autoridades pró-russas.

Quando penetramos no interior de Mariupol encontramos várias pessoas que vivem há mais de um mês fechadas numa cave para se protegerem dos combates. Claramente, segundo nos dizem vários civis, as tropas ucranianas, onde se inclui o neonazi Batalhão Azov, usaram prédios de habitação para combater. As fachadas estão negras e cravejadas de balas.

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Sepulturas no jardim de uma escola en Mariupol

Enquanto caminhamos pela cidade, ouvimos explosões constantes. Não há um minuto de silêncio. Uma idosa faz o almoço numa fogueira com destroços. A imagem repete-se várias vezes. São muitos os civis que permanecem nestas casas destruídas e cozinham na rua como podem. Ali bem perto, num jardim perto de uma escola, vemos várias sepulturas com cruzes a marcar o lugar. Numa cova aberta mas ainda não tapada há uma placa: "Este lugar já está ocupado".

Avançar para dentro de Mariupol é perigoso e a destruição é ainda maior. Há casas que colapsaram. Já não existe senão os escombros. Num enorme buraco que parece ser de um missil jazem os cadáveres de dois civis. Ao lado, um parque infantil intacto parece estar fora de contexto perante a destruição à volta.

Uma adolescente diz-nos que não se vai embora. Quer tomar conta do avô. "A minha avó morreu há dias de ataque cardíaco", explica.

Jornalistas italianos, indianos e norte-americanos que chegam de outra parte mostram as imagens horríveis do corpo de uma mulher torturada e esfaqueada. Na barriga com um ferro a ferver, desenharam-lhe uma suástica na barriga.

Ao longe, prosseguem os combates nas zonas onde se concentram as forças ucranianas complemente cercadas pelas tropas russas, separatistas de Donetsk e pelos combatentes chechenos.

Enquanto caminhamos pela cidade, ouvimos explosões constantes. Não há um minuto de silêncio

"Os neonazis estiveram aqui"

Pouco depois, entramos em Valnavakha, uma cidade de 20.000 habitantes sob controlo das autoridades de Donetsk. Há cerca de duas semanas, duros combates deixaram esta localidade praticamente destruída. Cerca de uma centena de pessoas concentram-se em redor de um mercado improvisado com comida e água. A zona comercial foi reduzida a escombros.

Em frente a uma loja de costura, um homem varre o chão. O mesmo faz Mina em frente ao seu prédio. Conta-nos que estava a fazer compras quando um forte bombardeamento atingiu a sua casa. O prédio parece estar estável mas as varandas estão destruídas assim como todas as janelas. Antiga educadora de infância, esta reformada diz que apenas quer paz.

Um colega jornalista tira fotografias a um carro militar e vários soldados russos vêm no seu encalço. Pedem para apagar aquela fotografia porque não querem que aquela viatura seja identificada. Mais descontraídos, convidam-nos a acompanhá-los porque nos querem mostrar algumas coisas.

A medida que foi percorrendo as cidades do mapa, Amaral de Carvalho redactou esta crónica. (Foto: Nós Diario)
A medida que foi percorrendo as cidades do mapa, Amaral de Carvalho redactou esta crónica. (Foto: Nós Diario)

Primeiro, levam-nos a ver um missil Toshka-U ucraniano interceptado pelas defesas aéreas pró-russas. Depois, conduzem-nos a uma casa e mostram um novo projéctil e uma camisola com o símbolo da milícia neonazi Batalhão Azov. "Os neonazis estiveram aqui", afirma um dos soldados enquanto aponta para a peça de roupa.

O grau de destruição da cidade é muito elevado e caminhamos entre tanques ucranianos e russos calcinados pelo fogo. Entre as ruínas, o corpo de um soldado de Kiev esmagado pelo desabamento da fachada de um prédio. É o retrato de uma guerra que se intensifica em Donbass pelo controlo desta região mineira que faz fronteira com a Rússia.

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