22 volumes da coleção Autores Ultramarinos

Os livros da Casa dos estudantes do Império

A ditadura de Oliveira Salazar criou, em 1944, para mais facilmente controlar e pôr sob vigia os estudantes africanos que chegavam a Lisboa, a Casa dos estudantes do Império.

Cartaz anunciador de uma exposição
photo_camera Cartaz anunciador de uma exposição

No passado dia 11, num contexto marcado pela dependência do preço do petróleo, Angola lembrou o 41 aniversário da independência de Portugal. A mesma efeméride já fora solenizada na Guiné Bissau, que declarou a independência em 24 de setembro de 1973, embora não ser reconhecida até o 10 de setembro de 1974. Já em 1975 foram Moçambique, a 25 de junho; Cabo Verde, a 5 de julho; São Tomé e Príncipe em 12 de julho e, finalmente, Angola em 11 de novembro. Restavam ainda por resolver os casos de Timor Leste e de Macau, mas o império português chegava a fim. E resulta especialmente interessante comprovar como foi justamente na capital do império que se gesta o fim dele.

A Casa foi o berço da independência das colónias africanas

A ditadura de Oliveira Salazar criou, em 1944, com a intenção de mais facilmente controlar e pôr sob vigia os estudantes das colónias africanas que chegavam a Lisboa, a Casa dos estudantes do Império  e nela reuniu africanos das colónias portuguesas na África que, em ausência de instituições universitárias nos seu territórios de origem, acudiam a Portugal, concretamente a Lisboa, e alguns a Coimbra, para fazerem faculdade. A Casa tinha uma sede em Lisboa e duas delegações em Coimbra e a  estadia era habitualmente financiada pela família, pela igreja ou por alguma outra instituição. Mas as previsões do regime foram completamente erradas e não imaginou que esse espaço criado para o controlo se ia tornar no ponto de encontro dos estudantes africanos, um espaço de gestação do nacionalismo africano. 

Na casa reuniam-se angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos e são-tomenses, que se encontram sistematicamente para debaterem as suas produções intelectuais e discutir, sobretudo, a situação colonial e a necessidade de libertar os seus irmãos da exploração imperialista.

Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Alda do Espírito Santo ou Pepetela participaram das reuniões da Casa dos estudantes do Império

Foram associados da Casa dos Estudantes do Império, ou tiveram participação nela, personalidades incontornáveis da cultura e da política como Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Fernando França Van Dúnem, Joaquim Chissano, Pascoal Mocumbi, Pedro Pires, Onésimo Silveira, Francisco José Tenreiro, Alda do Espírito Santo, Vasco Cabral, Pepetela, Alda Lara e tantos outros que ali foram impulsionados para o aprofundamento dos estudos relativos à identidade dos territórios de que eram originários, frequentando debates, colóquios e promovendo edições próprias, com conteúdo diversificado, incluindo poemas, contos e outras formas de expressão cultural.

Pessoas de ar triste e resignado

Pepetela viveu na Casa durante três anos, entre 1959 e 1962 e em conversa com Joaquim Ferreira, para a TSF, comenta como a adaptação à vida em Lisboa foi difícil,  sobretudo por dois motivos, um o clima que fez que ficasse logo doente e outro as pessoas de ar triste e resignado “ mas o que me chocou foi o ar triste e resignado das pessoas. Isso marcou-me para sempre”. 
Um outro que também passou pela Casa foi Arnaldo Santos. Ele conta a Joana Simões para a revista Buala que  “a Casa estava cheia de pessoas progressistas, de esquerda, com ideias nacionalistas. Falavam de uma forma diferente, eram já revolucionários, e com uma visão do mundo diferente da minha porque eu era católico praticante», Relembra nomes como Amílcar Cabral, Iko Carreira (futuro ministro da Defesa de Angola), Paulo Jorge (futuro ministro dos Negócios Exteriores de Angola), entre outros. Ele levava as mensagens de Lisboa para Paris, fazendo a ponte entre Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade que urdiam, já, as independências africanas. 
Quando o  escritor Manuel Rui (que mais tarde viria a ser o autor da letra do hino de Angola e Ministro da Informação do governo de transição do novo país) chegou a Portugal,  já a delegação da Casa dos Estudantes do Império de Coimbra tinha sido encerrada pela PIDE, mas a semente do movimento nacionalista crescia sem controlo entre os estudantes vindos das colónias «Saímos daqui sem saber o que era Angola e a história dos grandes lutadores contra a ocupação. Na escola estudámos a História de Portugal, decorávamos o hino nacional, conhecíamos as cores da bandeira nacional portuguesa, e era isto que nós sabíamos» relembra sobre os tempos em que saiu de Nova Lisboa, hoje Huambo, para estudar Direito na Metrópole. Após a proclamação da independência, em 1975,  e lembra com orgulho como “Na proclamação da independência não baixámos a bandeira portuguesa, como aconteceu em Moçambique, só levantámos a nossa. E estamos aqui, cheios de cicatrizes mas sem cortes”

Na escola estudámos a História de Portugal, decorávamos o hino nacional, conhecíamos as cores da bandeira nacional portuguesa, e era isto que nós sabíamos

A Casa dos Estudantes do Império é encerrada por intervenção da PIDE em 1965. Mas o tempo não se pode desandar e quando a PIDE intervém a Casa ela já não era necessária. 
O caminho para a independência das colónias estava aberto. E o bom é que a metrópole contribuiu para o crescimento daquela ideia juntando na mesma casa os artífices de tal revolução.

Exposição e livros para baixar grátis

Durante o ano 2015 a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), em coincidência com o 50 aniversário do encerramento pela PIDE, promoveu uma vasta homenagem à Casa dos Estudantes do Império, com conferências e uma exposição que tem como objectivo  dar a conhecer um pouco melhor a história e a realidade vivida pelos habitantes da casa. Trata-se de uma mostra documental, com fotografias, publicações periódicas, livros, documentos oficiais, etc, cedidos ou disponibilizados pelos associados e por algumas instituições, e que já esteve nas cidades de Lisboa, Maputo, Praia, Mindelo e Luanda.

Agora a UCCLA também disponibiliza, livremente, em PDF a coleção integral dos 22 volumes que os então jovens estudantes universitários associados da Casa dos Estudantes do Império publicaram na coleção Autores Ultramarinos. A essa coletânea acrescentou-se um trabalho da Professora Doutora Inocência Mata.

Pode ver-se premendo nesta ligação http://www.uccla.pt/noticias/edicoes-da-casa-dos-estudantes-do-imperio

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