Bruno Carvalho, correspondente de 'Nós Diario' no Dombass: "Esta guerra vai ser estudada pela quantidade de propaganda"

Bruno Amaral de Carvalho é um jornalista portugués que na atualidade se encontra no Dombass para relatar de primeira mão o que está a acontecer na guerra. Carvalho é colaborador de 'Nós Diario', o único meio de comunicação do Estado espanhol que tem um correspodente de guerra no território do Dombass.
Bruno Carvalho, em um prédio derribado no Dombass. (Foto: Nós Diario)
photo_camera Bruno Carvalho em um prédio derribado no Dombass. (Foto: Nós Diario)

—Como é que é o dia de um correspondente de guerra em um conflito como o da Ucrânia?
Tento organizar o meu dia de duas maneiras. Por um lado tento preparar reportagens pré-estabelecidas que eu achei importante fazer, como entrevistar uma família ou relatar algo da frente. Ou, se acontece alguma coisa importante ou grave, desloco-me até onde for e tento fazer a cobertura do acontecido. 

—Qual é que é a principal dificuldade com que se encontra para realizar o seu trabalho?
Julgo que uma das principais dificuldades é a questão da língua. Muitas vezes perciso de estar acompanhado de alguén que possa fazer de intérprete, e isso é um obstáculo muito importante. 

Naturalmente também há dificuldades mais burocráticas como conseguir autorizações e como é evidente, a questão do risco que existe em um contexto de guerra. Há casos em que devo ter muito cuidado para não pisar minas anti-pessoais ou ser atingido por franco-atiradores. Há uma possibilidade real de ficar ferido.

—Enquanto jornalista, acha que há possibilidades de paz a curto prazo?
Não parece. Acho que a Ucrânica não quer, sobretudo pelas pressões dos Estados Unidos e da União Europeia e naturalmente a Rússia está agora em uma posição clara de força e superioridade. 

Nenhuma das partes está disposta a ceder, e ademais a Rússia consegue com esta intervenção militar provocar graves problemas económicos e até políticos a outros países, a Rússia está a conseguir vender a energia a um preço muito mais elevado e portanto não acho que existam as condições para poder dizer a curto prazo que vai haver um fim a este conflito.

—Qual acha que é a perspetiva da população civil que se mantem no Dombass?
Parece-me claro que a esmagadora maioria da população no Dombass é pró-russa. Se nós olharmos para o que tem acontecido desde o fin da União Soviética, vê-se que na Ucrânia há uma divisão clara. No Dombass a gente sempre foi rusa, culturalmente e linguísticamente e é algo normal porque este sempre foi um território russo.

—Por que é que há tão poucos meios de comunicação internacionais no Dombass?
Esta guerra é umha guerra que vai ser estudada nos manuais de jornalismo das universidades. Não só pela quantidade de propaganda mas também pela campanha imensa que se construiu à volta desta guerra.

Há uma influência importante das redes sociais na cobertura deste conflito, existe a figura do blogger que quase nunca antes existira em uma guerra, gente que não é jornalista mas que faz cobertura do conflito. Somos muito poucos jornalistas aquí no terreno a fazer cobertura do que está a acontecer, há pouco interesse em dar uma cobertura equilibrada da guerra.

—Tem algum projeto de futuro vinculado com este conflito?
Tenho interesse em poder contar e relatar aquilo que vivi e vi aquí durante estes meses. Quero também compilar as imagens que fui recolhendo e que se poderão concretizar em um documentário. No fundo parece-me que este retrato da guerra é muito desconhecido e acho que as pessoas podem ter interesse em saber o que aqui realmente se passa.

Eu tenho acesso a uma realidade que muito pouca gente tem, e gostava de relatar às perssoas esta realidade de uma forma máis detalhada e trabalhada, e espero poder concretizar este projeto no futuro.

Minas anti-pessoais, uma realidade

Bruno Carvalho relatou para Nós Diario a existência de minas anti-pessoais no Dombass, algo que Carvalho constatou durante os últimos dias: "São do tamanho de uma mão e pesam menos de um quilo. Verdes ou castanhas, podem facilmente passar despercebidas entre as folhas das árvores e em jardins", descreve o correspodente de guerra ao tempo que indica que a maioria das vítimas destas minas "são pessoas comuns".

É preocupante também que a situação não parece melhorar com o tempo, ademais, no outono o problema pode fazer-se mais grande segundo Carvalho: "Andar em Donetsk exige precaução. Com o outono a chegar, os caminhos enchem-se de folhas e cada passo deve ser feito com cautela. Sobretudo, durante a noite". De acordo com o que o correspondente de guerra tem constatado, até "53 pessoas pisaram este tipo de mina desde 30 de julho".

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