Abril, a revolução do futuro

Quando às 00h20 da madrugada de 25 de abril de 1974 soou na rádio a canção Grândola, Vila Morena, boa parte dos portugueses dormia e não imaginava sequer que era aquela a última noite da mais longa ditadura da Europa. Sobretudo, quando no mês anterior um grupo de militares se havia insurgido nas Caldas da Rainha contra o regime e fora derrotado sem grande dificuldade. Eis un extracto da reportagem publicada no número 343 do semanario em papel Sermos Galiza.

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photo_camera Manifestação de trabalhadoras no Alentejo no início da reforma agrária.

3No coração do Alentejo, em Campo Maior, Ana Salvado tinha oito anos quando a mãe entrou casa adentro: “Hugo, olha que há uma revolução”. O pai, que estava em casa proibido de dar aulas, não acreditou. “Esta mulher está maluca. Uma revolução? Está louca”. Depois foram para as ruas. “Não me lembro de nenhuma sensação de medo. Nós, os quatro filhos estávamos felizes, acho que era porque os víamos felizes”, confessa Ana.

Do outro lado do país, no centro dos acontecimentos, em Lisboa, o pai de Fátima Rolo Duarte recebeu uma chamada durante a madrugada. Havia um levantamento militar. Com 15 anos, em frente às chaimites que passavam, viu pela primeira e única vez correrem lágrimas pelo rosto de um homem que havia sido censurado várias vezes como jornalista e publicitário. “Saí de casa com o meu pai. Fomos os dois dar um giro pela cidade. A minha mãe não quis ir e ficou com o meu irmão mais novo, o Pedro. Eu achava que íamos ver tiroteios mas o que vimos foi multidões de pessoas felizes com calças à boca de sino”, descreve Fátima.

Afogados em miséria

 

Para trás, ficava meio século de opressão e muita miséria. Nos anos 70, 25% dos portugueses não sabia ler. Até metade do século XX, 50% das raparigas nunca haviam entrado numa sala de aula, assim como 30% dos rapazes. Portugal era miserável. A taxa de mortalidade situava-se nos 37,9%, apenas 47% das casas tinha água canalizada, 58% tinha esgotos e 63% tinha electricidade. Era o país onde era comum as crianças caminharem descalças, fosse verão ou inverno.

Para Ana, das coisas mais importantes que viveu com a revolução foi aquilo de que se foi apercebendo com a reforma agrária. “A miséria, a cara escura e triste das pessoas que mal sobreviviam no campo começou a iluminar-se. Parecia que já não havia tanta tristeza”, afirma. “Eu vivia aqui, no Alentejo perdido e miserável. A minha família era de latifundiários mas o meu pai resolveu ser a ovelha negra e tudo mudou nesta casa. Ele saiu para estudar em Évora e trouxe de lá a minha mãe, também professora”.

Daquilo que se lembra em relação às mulheres, antes do 25 de Abril, é que estavam “sempre a chorar”. Pelos filhos que iam para África para a guerra, “mulheres vestidas de preto, com um lenço agarrado à mão, para limparem as lágrimas”. A mãe costumava dizer-lhe que era a primeira mulher a ir ao café. “Era o café da vila onde o meu pai me levava. Os homens juntavam-se lá; agricultores e trabalhadores: a praça da jorna. Lembro-me de coisas como esta: fulano matou-se porque não foi escolhido na jorna, ficou humilhado, não tem como dar de comer aos filhos”.

Para Fátima, a história familiar recolhe o peso da ditadura. Tanto o pai como a mãe eram filhos de militares. O pai filho de aviador e a mãe de marinheiro. Os dois acabaram deportados em Timor e ambos morreram anos mais tarde de tuberculose.

Um país que não era para mulheres

 

“O trabalho da mulher fora de casa desagrega este, separa os membros da família, torna-os um pouco estranhos uns aos outros. Desaparece a vida em comum, sofre a obra educativa das crianças, diminui o número destas; e com o mau ou impossível funcionamento da economia doméstica, no arranque da casa, no preparo da alimentação, no vestuário, verifica-se uma perda importante, raramente materialmente recompensado pelo salário recebido”, afirmava António de Oliveira Salazar em 1935.

Em 1974, apenas 25% dos trabalhadores eram mulheres e apenas 19% trabalhavam fora de casa. Geralmente, ganhavam menos 40% do que os homens que tinham o direito de proibir as esposas de trabalhar fora de casa. Aliás, se a mulher exercesse atividades lucrativas sem o consentimento do marido, este podia rescindir o contrato. Entre as bizarrias impostas pelo fascismo às mulheres portuguesas estava o impedimento de exercerem a carreira militar, policial, diplomática e magistratura. Legalmente, professoras primárias, enfermeiras e hospedeiras de bordo tinham limitações no acesso ao casamento. O marido tinha o direito a abrir a correspondência da mulher, que tampouco podia viajar para o estrangeiro sem a sua autorização e o código penal permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério, apenas com um desterro de seis meses.

[Podes ler a reportagem integra no número 343 de Sermos Galiza, á venda na loja e nos quiosques]

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