Capitalismo verde, de coração preto como o carvão

Grandes empórios empresariais que ontem devastavam os ecossistemas optam hoje a fundos Next Generation para nos proteger das suas próprias atrocidades ambientais, intensificando o controlo privado do sector, sob o pretexto da transição ecológica. Segundo a Oxfam, apenas 100 companhias são responsáveis por 70% do total de emissões de CO₂ e o consumo do 1% dos mais ricos emitiu o duplo que a metade mais pobre da população mundial nos últimos 25 anos. As ultraprocessadas imagens digitais de elementos da natureza como viçosos prados ou frescas pingas de orvalho a se balançar sobre lindas folhas, que saúdam agarimosas o alvor da manhã, ilustram custosas campanhas de propaganda empresarial. Companhias reverdecidas, respaldadas pelo oligopólio bancário, que sobreviveu trás o resgate por parte dos mesmos Estados que gravam a condutores de viaturas diesel, enquanto subvencionam aos fabricantes. Grande parte do sector energético segue a contaminar, mercando direitos de emissão de CO₂ diretamente da UE ou nos especulativos mercados secundários. Destarte, compensa contaminar repercutindo o seu custo ao consumidor final. Eis uma das razões da atual subida espetacular do recibo da luz. Aproveitando o ecologismo do novo mainstream postmaterialista, além de insuspeitas sensibilidades ambientais, a “transformação verde” é a nova ladainha para justificar a desindustrialização das economias e a liquidação dos empregos de maior qualidade. O capital financeiro move os marcos de novo para restaurar a rendibilidade. Por isso não convém desvincular a “salvação do planeta” da resolução do conflito social e imperialista, salvo se professamos a fé cega na mão invisível dos mercados, que todo o resolve. Até que um banho de extrema realidade como a covid-19, que é mais um efeito da crise sistémica do capital, torne por fim percetível aquela ilusão espectral, no perfil de um astucioso manco que reclama outra vez o auxílio coletivo. Energia e crescimento A economia dominante estabelece uma clara correlação entre disponibilidade energética e crescimento. Portanto, não semelha viável um verdadeiro processo ecologista, sem questionar os alicerces da sua negação. O mix energético resultante da irracional transição verde espanhola provoca a subida dos preços e da arrecadação fiscal, cuja deficiente progressividade prejudica as economias domésticas e os pequenos negócios. Tudo para impulsar a geração renovável por parte dum sector impudicamente autorregulado e interdependente com a banca e as maiores construtoras madrilenhas. Camarilha que financia os media e compra vontades políticas. É o direito das comunidades ou povos a tomar as suas próprias decisões a respeito da geração, distribuição e consumo de energia, consoante aos seus interesses sociais e económicos, garantindo um fornecimento justo de todas as pessoas, distribuído e renovável, aproximando os processos de produção e consumo, e sempre submetidos ao respeito à sustentabilidade ambiental. Implica poder gerir a energia necessária para garantir a própria reprodução social, desde a participação democrática no desenho e implantação das políticas energéticas, por a energia ser um bem comum. As competências políticas próprias em energia são um direito básico da coletividade e gozam dum enorme valor estratégico porque delas dependerá o sucesso de qualquer processo de desenvolvimento endógeno. Soberanía enerxética Galiza não tem soberania política nem energética. As decisões neste âmbito dependem dum poder centralizado e espoliador que defende interesses contrários ao país, encaminhando a agenda oculta do Green Deal da UE para rematar com já escassa presença pública no sector e estabelecer um oligopólio privado de âmbito europeu. De facto, esta nova estratégia energética verde supõe mais um degrau na nossa colonização. Daí a funesta invasão eólica, herdeira da noutrora ofensiva hidroelétrica que inçou Galiza de barragens, e que hoje se beneficia dos windfall profits, derivados da oportunidade de fornecer os 60% das horas de demanda aos altos preços marginais, referenciados nos maiores custos de geração dos ciclos combinados e afinal fixados pelo pool eléctrico. Nestes dias cobram valor propostas como a de constituir um ente galego que custodie e amplie os ativos públicos energéticos; assuma a exploração de barragens com concessões vencidas; potencie a investigação no armazenamento de renováveis; exija a transferência da gestão da bacia hidrográfica do Minho-Sil e contribua para combater a precariedade energética.